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Kleber Mendonça lança filme 'Retratos Fantasmas' e avalia retomada do setor cultural: 'Margareth Menezes está reconectando o país'

No BdF Entrevista, cineasta avalia, ainda, que greve de atores e roteiristas de Hollywood deve chegar ao Brasil em breve

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Documentário parte da perspectiva de Kleber Mendonça Filho e da janela do apartamento onde morou boa parte da vida - Divulgação/ Victor Juca
No Brasil, éramos ignorados e atacados, como se todo mundo que trabalha com cultura fosse vagabundo

Durante os anos do governo Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022, o Ministério da Cultura perdeu o status de pasta e se tornou secretaria. Para além do desmonte da estrutura, foram inúmeros os casos polêmicos, como quando o então secretário, Roberto Alvim, gravou um vídeo em alusão à propaganda nazista de Joseph Goebbles, ou mesmo as trapalhadas do ator Mário Frias, seu sucessor, à frente da Secretaria.

O período em que o Brasil foi acometido pela pandemia de covid-19 só agravou a situação de quem depende do financiamento público para tocar projetos culturais, nos mais diversos setores das artes. Projetos como a Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) e a Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural (Lei 14.017/2020) tentaram amenizar os problemas, mas tiveram grande dificuldade até serem, de fato, efetivados.

“Durante a pandemia de covid-19 e a pandemia política pela qual o Brasil passou, todo mundo meio que se segurou para não entrar em colapso”, avalia o cineasta Kleber Mendonça Filho. 

“Não foi fácil, eu trabalho com muita gente, já trabalhei com muita gente, e você fica sabendo que 'fulano está fazendo Uber', que 'fulana está cozinhando', porque simplesmente os projetos todos secaram. Os projetos são parte de uma cadeia produtiva, são parte de uma indústria, nós trabalhamos como qualquer brasileiro ou brasileira trabalha”, ressalta o diretor.

Com a vitória de Lula (PT) nas eleições presidenciais de 2022, a cultura voltou a ter um Ministério, agora sob o comando da cantora Margareth Menezes. No entanto, equipamentos públicos de cultura também sofreram com desmontes, mesmo antes da pandemia de covid-19. Não foram poucos os que tiveram suas obras paralisadas ou mesmo seu funcionamento extremamente precarizado. 

Retratos Fantasmas

Em seu novo filme, “Retratos Fantasmas”, Kleber Mendonça, que é o convidado desta semana no BdF Entrevista, lembra como as salas de cinema do Recife, por exemplo, sofrem, há décadas, com o abandono e o descaso. O documentário de Mendonça entrelaça suas memórias com os legados culturais abandonados na parte antiga da capital pernambucana.  

“Tem muita gente que começa essa conversa de maneira completamente equivocada. O ponto de vista é sempre o do mercado. A ideia é assim: 'Qual o sentido de se manter um São Luiz [cinema de rua, no bairro Boa Vista, no Recife] aberto se tem tantas salas no Multiplex?'. A ideia não é essa. A ideia, na verdade, é um investimento em cultura, é um investimento em educação e formação de público. No mundo inteiro, isso não é só no Brasil, na Austrália, no próprio Estados Unidos, na França, na Inglaterra... Quando uma sala como essa é salva, e ela volta como uma sala – essa é a questão –, uma sala pública, esse é um investimento que precisa acontecer”, explica o diretor.

Na conversa, Mendonça reflete, ainda, sobre a greve dos atores e roteiristas de Hollywood e avisa que o tema chegará, em breve, ao mercado audiovisual brasileiro.

“A questão da tecnologia está muito padronizada, de uma certa forma, e eu consigo totalmente ver streamers em projetos brasileiros, grandes redes de TV aberta que trabalham com teledramaturgia indo para a inteligência artificial e pessoas, artistas, atores, atrizes, talvez até diretores de arte que vão aos poucos perceber que seus trabalhos foram copiados, foram recortados e agora estão sendo usados em uma novela, quando, na verdade, a pessoa fez para um filme ou talvez tenha até feito para uma peça de teatro”, comenta.

Confira a entrevista na íntegra: 

Brasil de Fato: Você lança neste mês [agosto] teu novo filme, “Retratos Fantasmas”. É uma ode ao Recife Antigo, aos cinemas de rua, um recorrido pelas tuas memórias, a maneira como você entrelaçou os teus filmes, a tua história cinematográfica, por meio de um apartamento, uma janela do Recife para o mundo. De onde surgiu a ideia de fazer esse resgate das tuas imagens de arquivo e compor esse filme? 

Kleber Mendonça Filho: Eu tinha um desejo de ver o Recife registrado de uma outra forma, porque em geral, cidades – eu falo isso de qualquer cidade no Brasil e até no mundo –, elas são… Existe uma representação visual, do ponto de vista de arquivo de cada cidade, e o Recife, ao longo de muitos anos, na minha opinião, é representado por um grupo muito pequeno de imagens, quando você fala do passado da cidade. E algumas dessas imagens são repetidas à exaustão. 

Isso acontece também com outras cidades, como se você meio que esperasse aquelas imagens. Quando fala do passado, você vê São Paulo, talvez, pela imagem da Avenida Paulista nos anos 1930, 1940, ou você vê o vale do Anhangabaú, e geralmente são as mesmas imagens. Isso talvez seja ainda mais grave no Recife, e eu queria montar um novo álbum, uma nova pasta de imagens dessa cidade que eu conheço tão bem.

E eu acho que muitas dessas imagens vêm do próprio cinema. O cinema feito em Pernambuco, a televisão feita em Pernambuco, mas não as imagens que a gente conhece da televisão, muita coisa que eu encontrei ao longo dos anos. E também pelo fato de que, no início dos anos 1990, eu estava me formando em jornalismo, e o meu projeto de fim de curso foram dois documentários – um se chama "Casa de Imagem"; e o outro, "Homem de Projeção". 

Naquela época, eu estava muito ciente de que algumas das principais salas clássicas do passado, do centro do Recife, estariam desaparecendo muito em breve. E, de fato, entre 1989 e 1992, eu registrei e vi muitas dessas salas que estavam em atividade – duas delas muito importantes – fecharem em 1992. Então, eu passei alguns anos filmando essas salas em VHS, com uma câmera muito simples, e também fotografando com fotografia still 35 milímetros. 

É um trabalho feito na Universidade Federal de Pernambuco [UFPE], na época, com alguns colegas de classe. Uma delas é a Elissama Cantalice, e nós fizemos esses registros. Eu guardei esse material, inclusive aqui atrás, nessas estantes tem a maior parte deles e eu sempre achei que era um material muito interessante. O tempo passou e o tempo faz alguma coisa com fotografia, com imagens em movimento, e eu achei que o tempo foi muito bom para esse material. Às vezes, uma foto pessoal, de família ou de amigos, o tempo passa e 15, 20 anos depois, a foto agrega valores que agem em torno da foto. 

Daniel Lamir: Eu, como uma pessoa daqui, do Recife, o filme me tocou profundamente como uma homenagem à cidade. Eu diria até [que seria] uma carta de amor ao Recife. Mas a gente não entende esse amor como algo só glamour. Pelo contrário. A gente entende isso como colocar os desafios contra a parede, como a ideia de convocação pela alma. E acho que, quando a gente decide contar a nossa própria história, as nossas experiências já são uma justificativa. Me pergunto se essa mesma justificativa serviu para você. Seria essa questão do pertencimento, uma relação entre nós e as nossas diversas formas de expressão e os nossos lugares? 

Eu gosto do Recife, mas é delicado porque, às vezes, o próprio pernambucano tem uma postura meio assim: “O pernambucano é muito bairrista”. Mas eu acho que uma frase dessas tem um pouco de provincianismo, porque é muito importante você desenvolver uma relação com a sua cidade. Eu tenho uma relação que eu acho que é muito boa com a cidade do Recife, como eu também tenho minha própria relação com o Rio de Janeiro, cidade onde eu nunca morei, mas existe um Kleber que tem, por exemplo, um carinho grande por São Paulo, sem nunca dizer que São Paulo é a cidade mais incrível do mundo, e não existe nada além de São Paulo. 

Eu acho que eu sou também crítico em relação a São Paulo, como eu posso ser, talvez, crítico em relação ao Rio de Janeiro e eu sou, claro, muito crítico em relação ao Recife. Mas o que me chama atenção no Recife é que é uma cidade que está numa eterna luta – talvez todas as cidades lutem contra elas próprias –, mas no Recife eu vejo essa luta de maneira muito clara. Existe um lado no Recife que eu acho que é terrivelmente tacanho, atrasado e provinciano, e existe um outro lado do Recife que luta contra esse lado, que eu acho que é muito bom, é muito interessante e tem uma personalidade muito forte. 

Por exemplo, em tratando-se da ideia de uma sala de cinema, construída no final dos anos 1940 ou no início dos anos 1920, obviamente, é uma sala de perfil histórico. Nós temos duas – nós perdemos muitas, mas nós temos duas – a 250 metros uma da outra: o São Luiz e o [Teatro] Parque. É o Parque que vai ter a pré-estreia pernambucana do filme. [É um cinema que] foi restaurado há pouco tempo, há menos de dois anos, numa restauração de nível realmente muito alto, internacional, muito bem equipado. Uma sala que inaugurou em 1919, já tem mais de 100 anos, não sei ao certo, e é um lugar muito especial no centro do Recife. 

Esses espaços de resistência existem aqui não por sorte, apenas. Acho que houve realmente um tiroteio de ideias para manter esses espaços, e muita luta, de muita gente do teatro, do cinema, políticos, pessoas da vida pública que, por acaso, tinham uma queda para a cultura e que fizeram o que tinham que fazer para manter esse lugar. E, comparativamente, é muito curioso, mas uma cidade como São Paulo, onde está o dinheiro no Brasil, não conseguiu ou optou por não salvar nenhuma dessas salas. A gente não tem em São Paulo, um São Luiz ou um Teatro Parque. 

Então, esse é só um exemplo. A gente pode falar do cinema pernambucano, o que aconteceu nos anos 1990 na música aqui, das artes plásticas, da literatura, João Cabral de Melo Neto... Tem várias coisas interessantes que são, na verdade, difíceis de explicar. Se você é sensível à cultura, você pode sentir o que acontece nessa cidade, nesse estado. Isso é uma das coisas que me estimulou muito no Recife, meio como todo tipo de bizarrice que também acontece nessa cidade do outro lado. 

José Eduardo Bernardes: Tem uma passagem no filme em que você fala: “Um cinema como esse ajuda a construir caráter”. Obviamente, as salas de cinema que você retrata no filme ajudaram a forjar o teu caráter. Mas elas, como a gente tem falado aqui, viraram quase um item de colecionador, um lugar para cinéfilos. Elas são importantíssimas, guardam as nossas histórias, carregam um legado artístico e sentimental muito grande. Qual é a importância de se manter esses cinemas de pé? O São Luiz passou por uma batalha grande nos últimos anos, também. 

É muito importante conversar sobre isso a partir do filme. É uma boa oportunidade de estimular algumas conversas, porque tem muita gente que começa essa conversa de maneira completamente equivocada, o ponto de vista é sempre o do mercado. A ideia é assim: “Qual o sentido de se manter um São Luiz aberto se tem tantas salas no Multiplex?”. 

A ideia não é essa. A ideia, na verdade, é um investimento em cultura, é um investimento em educação e formação de público. No mundo inteiro, isso não é só no Brasil, na Austrália, no próprio Estados Unidos, na França, na Inglaterra, quando uma sala como essa é salva, e ela volta como uma sala – essa é a questão –, uma sala pública, esse é um investimento que precisa acontecer. 

Não significa que o tempo todo, durante anos, será um poço de dinheiro onde uma associação, ou a prefeitura, o governo do estado, ou o governo federal vai jogar dinheiro nesse buraco. Não é isso. Inclusive, com a construção de um público, a sala tem a tendência de se tornar sustentável. Mas é também um investimento, como se investe, ou como se deveria investir, em escolas e bibliotecas. Então, se você tem um centro de cidade que passa por espaços de cultura, esses espaços de cultura são um investimento inteligente para continuarem existindo. Eu acho que o São Luiz é um grande exemplo disso no Brasil. 

Antes da pandemia [de covid-19], porque, obviamente, depois da pandemia houve uma queda de frequentação, e também o São Luiz agora está passando por um processo de restauração e de reforma. Mas, na última década, o São Luiz virou um exemplo de programação no Brasil. Não só ele criou o próprio microclima para filmes de Pernambuco, como ele também abriu as portas para filmes do mundo inteiro e, às vezes, até filmes chamados "comerciais". Ele conseguiu concentrar um público muito específico… 

E foi um agitador cultural também, não é? 

É isso, é totalmente um agitador cultural. E ele concentrou também os festivais de cinema e de audiovisual, que geralmente acontecem no segundo semestre. Então, no segundo semestre é uma sequência de nove ou dez festivais, inclusive o Janela Internacional de Cinema do Recife, que é o festival que eu faço com a Emilie [Lesclaux] e um grupo maravilhoso de colaboradores e colaboradoras desde 2008. E é incrível ver aquela área com mil pessoas numa fila, esperando que outras mil pessoas saiam da sessão que está terminando.

É uma real demonstração de vida, em um lugar que, se não existisse, estaria completamente deserto. Então, o investimento numa sala desse tipo não deve nunca passar pela ideia comercial de dar lucro, ou de ser sustentável do ponto de vista de mercado. Deve ser, inicialmente, como um trabalho de investimento na cultura e de formação de público. A partir daí, ele ganha uma certa sustentabilidade. 

Aproveitando o tema, a cultura e o cinema, especialmente, sofreu extremamente nos últimos quatro anos, com um desmonte absurdo. O Ministério da Cultura sofreu um desmonte e, na verdade, não existiu. Agora a pasta tem sido reconstruída aos poucos, mas ainda há muito entulho para ser retirado. Como você tem acompanhado a retomada desses projetos importantes? 

A gente não deve nunca esquecer o que aconteceu… E não são quatro anos. Eu colocaria aí os dois anos do governo Temer [2016-2018], que foram um desastre, foi exatamente quando começaram todos os ataques contra a cultura feita nesse país. Esses seis ou sete anos não devem nunca serem esquecidos. Mas, por mais que tenha sido difícil para todo mundo, eu sempre falava que era um pouco como um equipamento muito sofisticado, que algumas pessoas, sem nenhuma noção, decidiram desligar da parede, enrolar o fio e colocar no almoxarifado.

E eu sabia que, uma vez que voltasse uma ideia de sociedade democrática no país, onde a cultura, a educação e a saúde são, de fato, valorizadas – porque isso está na Constituição, que um novo governo, que no caso terminou sendo o governo de Lula –, abriria o almoxarifado, pegaria esse equipamento de volta, tiraria o plástico de cima – se é que colocaram plástico –, colocaria na parede e voltaria a funcionar. E é isso que eu acho que está acontecendo. Porque, desde o início de janeiro [de 2023], o Ministério da Cultura, agora com Margareth Menezes, a ministra, seguiu todos os procedimentos de quem está reconectando a cultura do país.

E como alguém que faz parte dessa cadeia produtiva da cultura... E o meu último filme, feito com Juliano Dornelles, o Bacurau, a gente estava viajando em plena presidência do Bolsonaro, a gente viu de maneira muito forte… Quando a gente vai para o exterior, com um filme brasileiro que teve muito prestígio e muita atenção, nós éramos os representantes do país naquele momento, nós éramos os convidados para um jantar, quando nós sabíamos, ou éramos informados que representantes da embaixada tinham ficado de fora do jantar. 

Isso foi porque os anfitriões estrangeiros no Canadá, na França, nos Estados Unidos, na Espanha, eles escolheram que nós estivéssemos no jantar e os outros [representantes oficiais do Estado brasileiro à época do governo Bolsonaro] não estivessem. Então, essa ideia da cultura, os observadores externos nunca perderam de vista o que estava realmente acontecendo. Isso foi muito curioso. Voltando para o Brasil, a gente entrava naquele mesmo clima trágico de sermos ignorados e sermos atacados nas redes sociais, como se todo mundo que trabalha com cultura fosse algum tipo de vagabundo ou vagabunda. 

É muito importante entender que isso passou, não esquecer que isso foi feito com a cultura do país, que é um dos maiores bens que esse país tem, mas, ao mesmo tempo, eu acho que agora nós voltamos a funcionar normalmente, dentro de uma visão democrática de sociedade. 

Nestes anos, onde a cultura foi mais atacada, também o cinema brasileiro ganhou um prestígio absurdo fora do país. Você, Karim [Aïounz], entre tantos outros, receberam prêmios importantíssimos. Bacurau ganhou prêmio em [Festival de] Cannes, Karim ganhou prêmio em Cannes [com o filme "A Vida Invisível"]. Como vocês conseguiram driblar esse período mais difícil? 

Bom, em primeiro lugar, quando o golpe [contra a presidenta Dilma Rousseff] aconteceu, em 2016, nós estávamos exatamente numa colheita de safra que vinha sendo estimulada ao longo de muitos anos. Você fala em mim, em Karim, mas há um grupo de 10 ou 15 cineastas, homens e mulheres no Brasil, que que também foram desenvolvendo seus projetos, que vieram do curta-metragem, inclusive, pela primeira vez na história do cinema brasileiro, já com um toque de diversidade que não existia, de regiões muito distintas do Brasil. Talvez, começando a ter um corte de origem social mais diverso também. 

E em 2019, quando Bacurau estava na competição em Cannes, e A Vida Invisível estava no Un Certain Regard, foi o ano em que o Brasil se destacou muito, não só em Cannes, mas em Locarno, em Berlim…em Berlim, se eu não me engano, tiveram 19 filmes brasileiros em múltiplas seções do festival. E foi exatamente quando o golpe aconteceu e entraram essas pessoas -  eu não tenho nem palavras para descrever essas pessoas - cuja missão era basicamente desativar o cinema brasileiro, uma espécie de colônia interna de cupins, dentro da própria máquina, contra a ideia de estímulo e de apoio a ideia de uma cultura brasileira múltipla. 

Para responder sua pergunta, eu acho que durante a pandemia de covid-19 e a pandemia política pela qual o Brasil passou, todo mundo meio que se segurou para não entrar em colapso. Não foi fácil porque a gente conhece muita gente que trabalha…eu trabalho com muita gente, já trabalhei com muita gente, e você fica sabendo que fulano está fazendo Uber, que fulana está cozinhando, porque simplesmente os projetos todos secaram. Os projetos são parte de uma cadeia produtiva, são parte de uma indústria, nós trabalhamos como qualquer brasileiro ou brasileira trabalha.

Só que eu trabalho com audiovisual, eu escrevo filmes, eu passo meses na montagem de um filme, passo meses na filmagem de um filme e é assim que eu trabalho. E cada um dos colegas que trabalham com cinema têm sua forma de trabalhar. E foi muito difícil ficar ouvindo coisas, sabendo que fulano está completamente distante agora da área de produção, porque está precisando ganhar algum dinheiro, trabalhando com construção. Foi muito triste aquele período, e que eu espero que agora a gente esteja de volta, on, ligado. 

Como você tem percebido a greve dos atores e roteiristas em Hollywood? Você acha que essa conversa já deveria ter chegado por aqui, ou ainda vai chegar por aqui em algum momento? Ou a nossa realidade, o mercado brasileiro, é tão diferente assim e não absorve esse tipo de impacto? 

Não, ela não é. A nossa realidade não é tão diferente assim. A única diferença é que eles já estão discutindo isso. Só para lhe dar uma ideia, eu uso nos meus filmes a mesma câmera que é usada em filmes como “Missão Impossível”. A questão da tecnologia está muito padronizada, de uma certa forma, e eu consigo totalmente ver streamers em projetos brasileiros, grandes redes de TV aberta que trabalham com teledramaturgia indo para a inteligência artificial e pessoas, artistas, atores, atrizes, talvez até diretores de arte, que vão aos poucos perceberem que seus trabalhos foram copiados, foram recortadas e agora estão sendo usados em uma novela, quando na verdade a pessoa fez para um filme, ou talvez tenha até feito para uma peça de teatro. 

Mas naquele momento, anos atrás, quando a pessoa assinou aquele contrato, tinha bem pequenininho os termos e condições. Você não tinha se ligado, mas estava escrito lá que o trabalho feito para esse projeto poderá ser copiado, reutilizado, reprocessado e remixado para toda a eternidade, em todos os territórios conhecidos pela raça humana e em outros que ainda serão descobertos, que é basicamente o termo que os estúdios americanos têm utilizado para algumas dessas questões já embutindo questões de tecnologia. 

Então, essa discussão, ela vai chegar muito rapidamente à realidade de produção. E eu entendo completamente o que está acontecendo com os atores e roteiristas. Existe uma concentração gigantesca de dinheiro, claro a gente está falando de capitalismo em Hollywood, e eles sempre encontram uma maneira de pagar muito pouco a quem participa de projetos assim. 

Eu, claro, como realizador, quero que cada filme novo meu seja um novo trabalho, eu não consigo me imaginar recortando um colega ou uma colega para usar em um outro filme, acho isso completamente estranho. Mas eu acho que muito rapidamente essas questões devem começar a serem discutidas aqui no Brasil. 

Edição: Rodrigo Chagas