Terrorismo de Estado

'A PM diz que vai matar 30', denunciam moradores do Guarujá sobre Operação Escudo

Ouvidor das Polícias confirma denúncia; ameaça é de igualar número de mortes com idade do soldado da Rota morto

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O secretário de Segurança Pública e ex-policial da Rota, Guilherme Derrite (de camisa), vai até território no Guarujá ocupado militarmente pela Operação Escudo - SSP-SP

A ameaça circula na boca do povo na Baixada Santista. Moradores das comunidades da Vila Edna, Prainha, Sítio Conceiçãozinha e Perequê, no Guarujá (SP), relataram ao Brasil de Fato a mesma informação. Segundo eles, policiais militares atuantes na Operação Escudo afirmam que pretendem matar 30 pessoas. O ouvidor das Polícias, Cláudio Aparecido da Silva, confirmou a denúncia e informou que tem print de grupos de policiais com esse conteúdo.

Deflagrada em 28 de julho pela PM de São Paulo, a Operação Escudo já matou 20 pessoas na Baixada Santista.  

"Recebemos essa denúncia, e ela não veio só de uma pessoa, veio de várias pessoas", salientou o ouvidor. "Inclusive, nós recebemos um post de um policial que falava isso também: ele apresentava o placar das mortes e, em um dos dizeres de uma postagem dele, ele falava que [na ocasião] já tinham 12 mortes e que 'até para 30 está indo rápido'", informou. Segundo ele, tudo está documentado, foi encaminhado para a Corregedoria da PM e será enviado ao Ministério Público. 

O número 30, segundo diferentes moradores ouvidos pela reportagem em condição de anonimato, teria sido escolhido por ser o equivalente à idade do soldado Patrick Bastos Reis, da Rota. A Operação Escudo foi deflagrada como uma reação à sua morte.

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Três pessoas acusadas de envolvimento na morte do soldado já foram presas. A operação, no entanto, inicialmente anunciada para durar um mês, tem agora duração por tempo indeterminado. 

“É isso o que a gente está sabendo. São 30 mortes. São 30 cadáveres que eles vão levar. É a idade do rapaz da Rota. Oxe, faz tempo que está todo mundo sabendo disso”, relata Elza*, moradora do Perequê. “E é mais que isso, né? Cada um que vai, é uma família que é destruída, uma comunidade inteira que chora”, conta.  

Ela diz com propriedade. Não só já teve um integrante da família assassinado pela polícia anos atrás, como vive – com seu bairro – o luto pela morte de Willians Santana, de 37 anos, assassinado na última sexta-feira (18). O encanador foi a 19ª das 20 vítimas fatais da Operação Escudo até agora.  

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), comandada pelo ex-policial da Rota Guilherme Derrite, alega que esta morte, assim como todas as outras, foi decorrente de confronto. Os moradores contestam e acusam os agentes do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) de terem torturado e executado Willians dentro de sua casa. 

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“Isso é vida?” 

Ao Brasil de Fato, a SSP-SP afirmou que "as forças de segurança atuam em absoluta observância à legislação vigente". Em nota, informou que "todos os casos de morte decorrente de intervenção policial são investigados minuciosamente pela DEIC [Departamenteo Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil] de Santos e pela Polícia Militar".   

Sem responder a respeito da denúncia de ameaça, o órgão anunciou que "desvios de conduta não são tolerados e todas as denúncias são rigorosamente apuradas". Até o momento, o conteúdo de apenas seis câmeras corporais de policiais foram enviadas ao Ministério Público. 

Independentemente de o saldo letal se cumprir ou não, a circulação da ameaça compõe o ambiente de terror descrito por moradores de comunidades alvo da Operação Escudo.  

“Está todo mundo vivendo com medo. Com terror, entendeu? A polícia sobe o morro chamando as mães de família de 'vagabunda', mandando entrar para dentro”, descreve Beth, que vive na Vila Edna. “Eles chegam assim: ‘Quem tem passagem tem que morrer’”, diz, ao comentar que nas invasões de domicílios e abordagens policiais têm buscado preferencialmente quem é negro e tem antecedente criminal. 

Antônia, moradora da Prainha, tem um filho que se encaixa no perfil. Pouco importa, diz ela, que o jovem já não deva nada para a Justiça. “E ainda tem tatuagem”, completa. Desde que a operação começou, quando policiais se aproximam apontando as armas contra sua casa, seu coração acelera, a pressão sobe, ela pede proteção a Jesus, vai para a porta e também aciona os vizinhos com áudios no WhatsApp, relata. “Dizem que ainda faltam dez para morrer”, afirma. 

“Você acha que isso é vida? Que lugar é esse? Que diz que o Brasil é um país livre. Eu não estou vendo isso. Eu estou vendo a gente refém de pessoas que a gente tinha que ter orgulho por nos proteger”, avalia Elza.  

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Revoltas espontâneas 

As últimas duas mortes da Operação Escudo – a de Willians e a de Vinícius de Sousa, de 20 anos, no morro Santa Maria em Santos (SP) – suscitaram protestos espontâneos da população.  

No Perequê, as viaturas saíram do bairro aos gritos de “covardes”, “assassinos” e “lixo”. Na comunidade de Santos, moradores botaram fogo numa barricada por não poderem se aproximar do rapaz baleado e alegando que o socorro médico não estava sendo acionado.  

Exaltada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a Operação Escudo é a mais letal intervenção institucional da força de segurança paulista nos últimos 31 anos. Além das vítimas fatais, 594 pessoas foram presas.  

A Defensoria Pública de SP analisou os processos de 175 dos presos em flagrante. O órgão revela que 90% das pessoas presas na operação cujo objetivo, segundo o governo, é “sufocar o tráfico de drogas” não tinha armas e que 67% não tinha drogas. 

*Os nomes foram alterados para preservar as fontes.

Edição: Rodrigo Chagas