PERTENCIMENTO

Feminismo faz comunidade virar referência em autoconstrução de casas populares na Venezuela

Com apoio do governo, 54 famílias são responsáveis por levantar prédio que será morada delas quando estiver pronto

Brasil de Fato | Caracas, Venezuela |

Ouça o áudio:

Yugleidi Ruiz chegou no projeto sem saber nada de obra, hoje ela é uma das 'faz tudo' - Foto: Lucas Weber/Brasil de Fato

Em Antímano, um bairro periférico de Caracas, capital da Venezuela, uma comunidade encontrou a fórmula para se tornar referência em autoconstrução civil: organização popular e feminismo.

Essa foi a chave que fez 54 famílias terem condições de levantar um prédio de habitação popular, literalmente, do zero. Autoconstrução é quando os futuros moradores erguem a própria habitação

Iniciada em 2015, a obra Jorge Rodriguez Padre é resultado de uma política pública do então presidente, Hugo Chávez, para garantir habitação para famílias.

:: Venezuela: da salsa ao punk, vida noturna de Caracas se mostra efervescente e diversa ::

“Nós começamos, primeiro, reunindo famílias de distintas necessidades. Somos famílias que vivemos de aluguel, arrendamento ou casas superlotadas. E devido a essa necessidade, nosso comandante Chávez veio até aqui com uma mala cheia de sonhos e disse para nos organizarmos como povo”, explica Ircedia Boada, gerente de estoque da obra.

O projeto de habitação popular Gran Misión Vivienda Venezuela foi então criado após fortes chuvas atingirem a Venezuela em 2010, deixando milhares de famílias desabrigadas. Cinco anos depois, a comunidade ganhou o terreno, com a obra começando, de fato, em 2017. Tanto o embargo comercial imposto à Venezuela como a pandemia atrasaram a obra, que deve ser finalizada ainda em 2023.

A opção por fazer um projeto de autoconstrução teve influência da própria comunidade, como conta a auxiliar de obras Ursalina Guaramato.

“A importância de tudo isso é o sentimento de pertencimento. Tanto nós, adultos, como também, os filhos, que percebem o esforço que estamos fazendo para ter uma moradia digna, essa é a grande importância”, afirma Guaramato.

Confira a reportagem em vídeo:

::O que está acontecendo na Venezuela::

O financiamento vem do próprio governo venezuelano, que banca os materiais de construção e também a diária de uma pessoas responsável por chefiar a obra todos os dias.

Fora isso, o trabalho é voluntário e dividido igualmente ao longo da semana. E no final de semana, há um encontro coletivo entre todos envolvidos na obra.


Foto da sala de um dos apartamentos; ao fundo se vê a comunidade onde as famílias moravam atualmente / Foto: Lucas Weber/Brasil de Fato

Ayari Rojas explica que nos sábados é quando toda equipe se encontra “e possibilita uma integração”.

“Essa socialização de informação com pessoas que só trabalham na segunda e aí podem ver as pessoas que trabalham na terça, quarta, quinta… Essa é a grande família como chamamos. Família disfuncional, mas família.”

A gerente ressalta que  uma das preocupações da obra é o bom convívio do grupo, o que significa combater toda forma de discriminação.

:: Memória e resistência: quem são as três mulheres negras consideradas heroínas da Venezuela ::

“Na Venezuela nós não escapamos de temas como feminicídio, violência de gênero, não escapamos dessa realidade. Mas, neste momento, está se fazendo um trabalho muito forte sobre eu me vestir de uma forma não é motivo para me atacarem, ou se existe uma diversidade de gênero também não é motivo para ser agredido ou agredida.”


Obra é referência, por tanto recebe visitas de diferentes organizações e países / Foto: Lucas Weber/Brasil de Fato


Yugleidi Ruiz conta que chegou sem saber nada, e ao longo dos anos aprendeu sobre “hidráulica, textura de parede, eu sei direitinho a quantidade de areia cimento, aprendi de revestimento de cerâmica”, explica.

:: Bolívar, presente: nascido há 239 anos, libertador segue influenciando a política da Venezuela ::

“Aqui somos 89% de mulheres empoderadas. E nosso lema é que sempre que uma mulher avança, nenhum homem retrocede. As mulheres sempre se reinventam”, finaliza Ruiz.
 

Edição: Rodrigo Durão Coelho