grilagem de terras

Tribunal dá cinco dias para governo Tarcísio explicar entrega de terras devolutas a grandes fazendeiros

Política fraudulenta de venda de terras com até 90% de desconto poderá causar prejuízo de mais de R$ 1 bi ao Estado

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Governador Tarcísio de Freitas estará presente nesta quinta (14), em Presidente Prudente, em evento de entrega de terras griladas para grandes latifundiários de SP - Cleiby Trevisan/Divulgação

O Tribunal de Contas de São Paulo (TCE) deu nesta quarta-feira (13) prazo de cinco dias para o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) explicar a entrega de terras devolutas com até 90% de descontos para fazendeiros. Em seu despacho, o conselheiro Antonio Roque Citadini pediu que o secretário de Agricultura, Antonio Julio Junqueira de Queiroz, o diretor-executivo da Fundação Itesp, Guilherme Piai Filizzola, e a procuradora-geral do Estado Inês Coimbra respondam a questionamentos apresentados em representação protocolada hoje pelo deputado estadual Paulo Fiorilo (PT).

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Na representação acolhida por Citadini, Fiorilo (PT), que é líder da Federação Brasil da Esperança (PT/PCdoB/PV), pede a realização de auditoria ou fiscalização operacional na Fundação Itesp e também na Secretaria de Agricultura. No documento, o parlamentar aponta, entre as razões, o descumprimento das recomendações do Tribunal de Contas em relação ao seu patrimônio – no caso, as terras devolutas. E também irregularidades na Lei 17.577/2022, que respalda a política de “regularização fundiária” conduzida pelo governo de Tarcísio para favorecer grandes fazendeiros.

Reportagem publicada nesta terça-feira (12) pela RBA mostra parte das dimensões desse favorecimento. A Fazenda Miralua, localizada no município de Marabá Paulista, com 1.539 hectares, avaliada pelo Itesp em R$ 19.181.044,76, será vendida por R$ 1.918.104,48. Ou seja, um desconto de 90%. Outro exemplo: A Fazenda São João, na mesma Marabá Paulista, com 1.344 hectares, foi avaliada em R$ 20.133.864,81. Mas será vendida por R$ 4.429.450,26.

Impactos ao estado do “programa de regularização”

Para chamar atenção do Tribunal de Contas para a gravidade do impactos da medida para estado, destacou que o chamado “programa de regularização” é para áreas correspondentes a cerca de 4.300 hectares (quatro mil e trezentos hectares).

“Dos imóveis considerados aptos para inclusão no programa, nada menos que oito estão em áreas julgadas devolutas por decisão transitada em julgado, e, não obstante, é possível observar a concessão de descontos da ordem de 78% sobre o valor de avaliação calculado com base em informações do (Instituto de Economia Agrícola) IEA”, aponta Fiorilo.

Segundo o parlamentar, com a execução desse programa, o Estado abriria mão de R$ 47.811.425,88. Isso apenas com os imóveis já aprovados pelo Itesp, sendo que em relação a apenas uma das áreas a disposição é da ordem de R$ 16 milhões. Há mais de 130 áreas devolutas, “o que permite estimar que o patrimônio público a ser afetado pelo programa supere os R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de Reais), a serem transferidos do Governo aos detentores de terras”, observa Fiorilo.

Irregularidades na política em curso

Esse prejuízo, porém, pode ser ainda maior. A razão é que o Itesp não reavaliou, no balanço do exercício de 2019, o valor das terras que compõem o seu patrimônio. Descumpriu, assim, recomendações do próprio Tribunal para as contas de 2010, 2011 e 2012 e apontamentos da Fiscalização em 2016, 2017 e 2018 para que o órgão fizesse a reavaliação de seus bens imóveis.

Fiorilo destacou outra irregularidade na política em curso: o descumprimento do artigo 185 da Constituição do Estado e das determinações contidas na lei 4.957/85, com as alterações introduzidas. Essas legislações determinam que as terras devolutas devem ser destinadas prioritariamente a pequenos proprietários rurais. Ou seja, ao contrário do que tem feito o governo Tarcísio de Freitas, que promove a concentração de terras ao beneficiar grandes proprietários.

Para completar, o chamado programa de regularização autoriza a alienação de terras públicas sem que haja um certame licitatório. Além disso, a legislação em vigor determina que áreas a serem alienadas devem ter no máximo 100 hectares – limite em muito superado pelas propriedades citadas na reportagem.

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O que o governo Tarcísio tem de responder nos próximos cinco dias?

- qual o plano geral e específico para a utilização das terras públicas do Estado de São Paulo;
- qual o plano específico para cada área objeto de estudo publicado, comprovando que o mesmo foi elaborado nos termos da legislação estadual aplicável;
- quais dos itens indicados supra (de 1 a 6, com subitens) foram observados na elaboração dos planos, com a indicação quanto à desnecessidade da observância de algum dos elementos apontados nesta manifestação;
- qual o volume de terras públicas do Estado de São Paulo, considerando-se aquelas que são administrativamente considerada devolutas, aquelas que estão incluídas em processos em andamento, aquelas definitivamente julgadas como públicas, indicando as datas em que as respectivas decisões;
- passagem em julgado, e, finalmente, quantas ações reivindicatórias foram propostas;
- qual o volume de indenizações pagas e quais os anos em que houve o trânsito em julgado das respectivas condenações;
- quais, efetivamente, as vantagens para o Erário, decorrem da celebração dos acordos aprovados pelos estudos do Itesp, tendo em vista a insubsistência das informações anteriormente prestadas pela entidade, como demonstrado acima.

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Estimativa é de que 33 fazendas sejam liquidadas com descontos arrasadores

Segundo a bancada do PT na Assembleia Legislativa paulista, a estimativa é de que 33 fazendas sejam vendidas com grandes descontos, que variam de 78% a 90% – um prêmio aos beneficiários das terras griladas. Mais de 10 mil hectares de terras que deveriam virar assentamentos de centenas de agricultores familiares, ficarão definitivamente com algumas dezenas de fazendeiros que geralmente possuem mais de uma fazenda.

A representação apresentada hoje ao Tribunal de Contas não é a primeira iniciativa do partido, que é autor de uma ação que questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade da Lei 7.326 de 2022, que respalda a reforma agrária “às avessas” de Tarcísio. Além disso, a bancada apresentou impugnações administrativas e Ação Popular.

O prazo dado pelo conselheiro Citadini, do TCE, veio na véspera de um grande evento, com participação do governador Tarcísio, no recinto de exposições de Presidente Prudente, nesta quinta-feira (14). Na ocasião, serão entregues centenas de títulos de propriedade para os assentados. A expectativa, porém, é de que o momento será aproveitado para confundir a opinião pública ao entregar também títulos da sua reforma agrária “às avessas”.