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'Estamos acostumados, são 75 anos', relata sírio-palestino que perdeu seis primos em Gaza

Mohamad Al Nahawi participou de ato de solidariedade à Palestina em SP com a filha de quatro anos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Manifestação ocorreu um dia depois do bombardeio do Hospital Al-Ahli Arab em Gaza, que deixou quase 500 mortos - Gabriela Moncau

Desde que Israel deu início aos bombardeios na Faixa de Gaza, depois de um ataque do Hamas no último 7 de outubro, não tem um dia em que Mohamad Al Nahawi não fale com sua família. Até agora, seis primos seus foram mortos. Depois da pausa de um suspiro, complementa: "estamos acostumados. São 75 anos." 

"Agora que começou essa guerra mais feia lá, ligamos sempre para eles. Perdemos amigos também, um grande amigo do meu pai", relata. Seus familiares entram na estatística das 3 mil pessoas que morreram e 12,5 mil que ficaram feridas na Palestina até agora, de acordo com os dados mais recentes da ONU. Do lado de Israel, são 1,3 mil mortos. 

Com a filha Samira, de quatro anos, de cavalinho nos seus ombros, Mohamad conta que toda sua família é da cidade de Safad. "Minha família tem casa, terreno lá, desde antes de Israel chegar e querer criar seu Estado lá", narra, se referindo ao ano de 1948.

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Fugindo do genocídio, seus pais foram para a Síria. De lá, se refugiando de outra guerra, vieram para São Paulo, onde vivem há 10 anos. Equivale a um terço da vida de Mohamad, que ressalta: "meu sangue é palestino". 


Mohamad Al Nahawi e a filha Samira / Gabriela Moncau

Nesta quarta-feira (18), um dia depois do bombardeio do Hospital Al-Ahli Arab em Gaza, que deixou ao menos 500 mortos e causou uma onda de indignação pelo mundo, Mohamad foi com a filha a um ato de solidariedade à Palestina na Avenida Paulista. De acordo com a Defesa Civil Palestina, o ataque atribuído a Israel foi o mais mortífero das cinco guerras travadas desde 2008. 

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"Infelizmente a TV não mostra tudo, mas é muito triste, muito feio. Estão nos mandando os vídeos. Crianças morrendo, filhos sem pais, bairros inteiros destruídos", descreve Nahawi. "E a gente fica assim, rezando a Deus só. Porque não tem como. Israel, infelizmente, é mais forte. Precisaria do apoio de todos os países árabes. Como isso não vai acontecer, é só Deus mesmo", lamenta. 

Neto de palestino e com familiares que vivem na Cisjordânia, o brasileiro Abdo Carim se indigna ao dizer que uma falsa narrativa de uma guerra em curso esconde uma longa história de massacre colonial. 

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"As pessoas estão falando o que acontece lá como se conhecessem e todo mundo acredita. O que está acontecendo é um genocídio, é uma limpeza étnica. Quem tem contato vê o que as pessoas lá dentro estão passando, tem certeza absoluta disso", argumenta Carim. 

"As pessoas estão sendo alienadas do que está acontecendo e isso custa vidas. Tem crianças morrendo. A sensação minha e da minha família e de injustiça e de uma impotência surreal", relata.  

Presidente do Fórum Latino-Palestino, Mohamad El-Kadri voltou do Líbano no último sábado (14)  e, desde então, não consegue dormir. "Não só nós, não só os palestinos, mas as pessoas de forma geral estão estarrecidas", resume. 

Para El-Kadri, a cobertura midiática do conflito não tem sido boa. "É preciso dizer que estamos vendo o massacre de um povo que está lutando pela libertação de sua terra, que está sob ocupação há 75 anos", defende. 

"Olha a que ponto chegamos", diz El-Kadri, citando o veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU que, nesta quarta (18) barrou uma resolução proposta pelo Brasil solicitando a abertura de corredores humanitários em Gaza. 

"Foi vetada ajuda humanitária para uma cidade de dois milhões de habitantes que, diga-se de passagem, é a maior prisão a céu aberto do mundo. A forma como é desenhado e sufocado faz com que seja um campo de concentração", ressalta. 

"Por outro lado", pondera Mohamad, "por mais que façamos manifestações aqui que talvez não tenham o resultado que a gente quer, quando chega lá para eles – 'olha, tem gente no Brasil defendendo a nossa luta aqui' – eles vão saber: não estão sozinhos".

Edição: Thalita Pires