Reacionário

Milei assume presidência da Argentina apostando em cartilha ultraliberal que já piorou pobreza

Lula e Biden mandaram representantes, mas Zelensky vai prestigiar posse do presidente de extrema direita

Brasil de Fato | Botucatu (SP) | |
Javier Milei é empossado neste domingo como o novo presidente da Argentina - Juan MABROMATA / AFP


 

Javier Milei, o autoproclamado libertário e azarão que chegou ao poder com a maior votação desde a redemocratização da Argentina, em 1983, passa a fazer parte neste domingo (10) da casta política que ele tanto demonizou durante a campanha, ao assumir a presidência para um mandato de quatro anos. A posse será ao meio-dia, no Congresso, e pode haver quebra de protocolo.

Num país mergulhado em aguda crise socioeconômica, com inflação de 140% ao ano, uma moeda muito desvalorizada e pobreza atingindo 40% da população, o que se espera do novo governo é apontar um caminho para tentar sair desse atoleiro. Mas ele deve apostar suas fichas em um receituário ultraliberal que já piorou as condições econômicas de populações onde foi aplicado. Um pacote de medidas econômicas deve ser apresentado durante a posse e enviado ao Congresso no dia seguinte.

O teor dos projetos de lei que serão submetidos aos deputados e senadores ainda é desconhecido. Mas espera-se um ajuste fiscal significativo, que faça jus à imagem da motosserra midiática que Milei, um ultraliberal de extrema direita, empunhou em eventos de campanha, e que virou símbolo da proposta de cortes de despesas que embalou sua candidatura e seduziu mais da metade do eleitorado.

No entanto, pelo tom adotado pelo presidente eleito após a vitória, mais suave em relação à verborragia agressiva da campanha, e pelas indicações para o ministério, com destaque para Luis ‘Toto’ Caputo na Economia, é possível imaginar que Milei fará uma gestão mais convencional do que prometia.

Privatizar empresas públicas, cortar despesas e reduzir o tamanho do Estado seguem como objetivos prioritários, tanto que Milei decidiu ter apenas oito ministérios (ante 18 do governo que está de saída, do presidente Alberto Fernández) e concentrar várias áreas em dois “superministérios”: Infraestrutura (inclui Transporte, Obras Públicas, Mineração, Energia e Comunicações) e Capital Humano (contempla Desenvolvimento Social, Saúde, Trabalho e Educação).

Mas as ideias de adotar o dólar como moeda corrente e fechar o Banco Central não estão mais na ordem do dia, pelo menos não publicamente. Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato acham que o governo de Milei será, em essência, similar ao do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) — Caputo foi seu ministro de Finanças —, e que ele deve encontrar um cenário favorável no começo do mandato, porque vai contar com uma “colher de chá” do mercado financeiro para tentar colocar a casa em ordem. Caso consiga, e caso os indicadores socioeconômicos melhorem de forma sustentada, Milei terá uma boa desculpa para deixar na gaveta suas propostas mais radicais, sob o argumento de que não são mais necessárias.

Menemismo em alta

Na última semana, intensificaram-se as conversas entre assessores de Milei e do governo Fernández sobre detalhes que farão parte da aguardada Lei “Ómnibus”, que tem esse apelido porque contém as pretensas soluções para muitos problemas diferentes num único pacote.

Javier Milei confirmou que sua equipe está trabalhando em conjunto com Armando Guibert, um ex-funcionário da era neoliberal de Carlos Menem (1989-1999) que desempenhou papel fundamental no processo de privatização e que, presume-se, é um dos responsáveis pelo desenho do pacote. Segundo o jornal Página 12, tudo indica que o novo assessor de Milei está colaborando com a equipe do futuro presidente nos ajustes de "primeira geração", que seria um eufemismo para demissões, privatizações e desregulamentação dos mercados.

Outra figura ligada ao menemismo que está em alta com Milei é Martín Menem, sobrinho do ex-presidente e filho do ex-senador Eduardo Menem, escolhido pelo novo presidente para comandar a Câmara dos Deputados. Ele terá um papel fundamental na negociação com as forças políticas majoritárias no Congresso, como os peronistas, sobre as pautas de interesse do governo. Com 48 anos, acabou de ser eleito para seu primeiro mandato como deputado federal e conheceu Milei há dois anos.

Nas tratativas econômicas da última semana, destaque para a reunião entre Miguel Pesce, atual presidente do Banco Central, e Santiago Bausili, designado para sucedê-lo, bem como a visita de Leonardo Madcur, atual chefe de assessores do ministro da Economia Sergio Massa — candidato derrotado por Milei —, principal interlocutor do governo argentino com o FMI.

Com o FMI, sem o Brics

Na semana que antecede a posse, o Fundo Monetário Internacional (FMI) — credor de um empréstimo de US$ 44 bilhões (cerca de R$ 215 bi) durante a gestão Macri, cujas parcelas a Argentina não tem conseguido pagar — afirmou que está "comprometido" com a futura gestão de Javier Milei para enfrentar um "novo, forte e crível" plano de estabilização para lidar com os desafios macroeconômicos do país. A porta-voz Julie Kozack expressou, durante coletiva de imprensa, que "um Banco Central forte é necessário nesta fase em que a Argentina precisa reduzir a inflação".

Por outro lado, o Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que recentemente aprovou a entrada da Argentina, não está nos planos do governo Milei, conforme anunciado recentemente pela diplomata Diana Mondino, nomeada chanceler por Milei. O NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), conhecido como banco do Brics e presidido pela brasileira Dilma Rousseff, também empresta dinheiro a países em necessidade, mas sem as contrapartidas rigorosas exigidas pelo FMI.

Quem estará na posse e quem não estará

Ao meio-dia deste domingo, Milei prestará juramento perante os parlamentares no Congresso, onde será formalmente empossado. Nos últimos dias, pessoas próximas ao presidente eleito indicaram que ele poderia fazer seu discurso de posse nas escadas do Congresso, dirigindo-se à população, quebrando assim o protocolo de discursar no plenário, perante os parlamentares. Após o discurso, Milei se dirigirá à Casa Rosada, sede do governo, em um carro conversível, algo que não acontece desde a posse de Fernando de la Rúa em 1999. Lá, receberá os cumprimentos dos presidentes e outros representantes estrangeiros.

Até o momento, estão confirmadas as presenças do Rei da Espanha, Felipe VI, e dos presidentes do Chile, Gabriel Boric, Paraguai, Santiago Peña, Uruguai, Luis Lacalle Pou, Equador, Daniel Noboa, Hungria, Katalin Novák, e Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Como Milei já antecipou que terá alinhamento internacional com Estados Unidos e Israel, espera-se que apoie a Ucrânia na guerra com a Rússia. Após a vitória na eleição, Milei conversou por telefone com Zelensky e propôs sediar uma conferência dedicada à resolução do conflito na Ucrânia.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fortemente criticado por Milei, que inclusive prometeu cortar relações com o Brasil se eleito, não estará presente na posse e enviará o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Já o ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2023), alinhado ideologicamente a Milei e cuja família teve participação ativa em sua campanha, confirmou presença, assim como o líder do partido de extrema direita espanhol VOX, Santiago Abascal. O ex-presidente estadunidense Donald Trump (2017-2021), outra referência ideológica para Milei, não estará presente.

Pelos Estados Unidos, o governo de Joe Biden enviará uma delegação liderada pela secretária do Departamento de Energia dos Estados Unidos, Jennifer Granholm, composta também por Marc Stanley, atual embaixador dos Estados Unidos na Argentina, e outros representantes.

A China, que felicitou Milei no dia seguinte ao segundo turno através de uma carta assinada pelo presidente Xi Jinping e assegurou que quer continuar trabalhando com o país, mesmo após o presidente eleito afirmar durante sua campanha que sua intenção era "não fazer acordos com comunistas", será representada pelo enviado especial Wu Weihua, vice-presidente do Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional da China.

Elon Musk

Às vésperas da posse, Milei conversou com o empresário estadunidense Elon Musk e o convidou para visitar a Argentina no futuro, já que ele não estará na posse. Em uma postagem no X (antigo Twitter), o novo presidente argentino agradeceu a Musk por "defender as ideias de liberdade e apoiar nosso trabalho, especialmente considerando tudo o que ele representa como ícone da liberdade no mundo".

Nesta rede social, também há inúmeras postagens, muitas delas repostadas por Milei, elogiando Musk e celebrando uma suposta afinidade entre os dois.

 

 


 

Edição: Rodrigo Durão Coelho