Análise

Inteligência Artificial e Geopolítica do G20: o Brasil e a incorporação do Mercosul

Ao convidar bloco sul-americano para o G20, Brasil promove uma visão equitativa e inclusiva sobre tecnologia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Durante discurso na Cúpula do Mercosul, Lula propôs a criação de um grupo de trabalho sobre regulação e impactos sociais e econômicos da Inteligência Artificial - Tânia Rêgo/Agência Brasil

Durante a Cúpula do Mercosul, realizada no dia 7 de dezembro, o presidente Lula convidou os países do Mercosul para participarem das reuniões do G20, cuja presidência será exercida pelo Brasil ao longo do ano de 2024. 

Além da Argentina, que já integra o grupo das 20 maiores economias do planeta, Paraguai, Uruguai e Bolívia, que se tornou membro pleno do bloco regional, poderão participar das reuniões temáticas que ocorrerão em 13 cidades brasileiras, além da cúpula do G20 que será realizada no Rio de Janeiro no mês de novembro do próximo ano.

Ao realizar o convite aos mandatários dos países da região, o presidente Lula destacou as prioridades do Brasil à frente do G20: a inclusão social e o combate à fome e à pobreza, a transição energética e o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global.

A incorporação do Mercosul às pautas prioritárias do G20 tem fatores geopolíticos estratégicos para o Brasil que, além de reforçar a sua liderança regional, exercerá a presidência do Brics, agora ampliados em sua composição, no ano de 2025. 

Inteligência Artificial e o Sul Global

Durante o seu discurso na Cúpula do Mercosul, o presidente brasileiro propôs a criação de um grupo de trabalho para tratar sobre a regulação e os impactos sociais e econômicos da Inteligência Artificial nos países do bloco. 

Neste quesito, cabe destacar a recente aprovação de uma Declaração Especial sobre a Integridade da Informação nos Meios Digitais e, sobretudo, de uma Declaração de Princípios de Direitos Humanos sobre a Inteligência Artificial aprovada pela reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul (RAADH) durante a presidência brasileira.

O documento tem chamado a atenção internacional por contribuir ao avanço de regulações sobre o uso de tecnologias emergentes e por estabelecer novos direitos para enfrentar os desafios e complexidades da era digital. Entre os destaques está a definição de conceitos como o de racismo algorítmico praticado na aplicação de sistemas de reconhecimento facial e em ferramentas de inteligência artificial generativa. 

Elaborado com o apoio técnico do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH), o texto consolida e reconhece os direitos à proteção de dados, privacidade e transparência no âmbito de princípios como o da centralidade humana, destacando o compromisso dos países do bloco regional na luta contra os preconceitos e discriminações na programação, treinamento e aplicação dos sistemas de IA, abordando questões de gênero, raça, etnia, religião, entre outros, incluindo as ferramentas de gestão algorítmica aplicadas nas relações de trabalho.

No mesmo sentido, a União Europeia avançou na semana passada ao pactuar a primeira legislação que regula utilização de ferramentas de inteligência artificial. Embora os princípios para a Inteligência Artificial tenham alcançado determinados graus de consensos na comunidade internacional, o Sul Global tem desafios específicos relacionados à eliminação da brecha digital, aumento e melhora do acesso à internet, além das complexidades econômicas, demográficas históricas e culturais inerentes à região.

A Declaração do Mercosul, além da abordagem de riscos que costuma caracterizar os instrumentos regulatórios sobre a IA, busca incentivar e promover as culturas, saberes e línguas tradicionais das comunidades e povos originários, como os indígenas e quilombolas, na programação e treinamento de modelos de linguagem (LLM - Large Language Model), contribuindo, assim, para uma abordagem mais equitativa da Inteligência Artificial nos países do Mercosul. 

Trabalho de Plataformas de Aplicativos Digitais no Mercosul e no G20

A subordinação algorítmica, ou a crescente dependência dos trabalhadores em relação a algoritmos na tomada de decisões automatizadas, transformou radicalmente a natureza do mundo do trabalho. Os trabalhadores de plataformas digitais em aplicativos, como motoristas de serviços de transporte ou entregadores, são particularmente vulneráveis à influência de algoritmos em aspectos-chave de suas atividades, desde a atribuição de tarefas até a avaliação de seu desempenho.

Nesse sentido, a reafirmação de direitos como os da transparência algorítmica no mundo do trabalho, presente no texto aprovado pelos Ministros de Direitos Humanos do Mercosul, fortalece o instituto da negociação coletiva dos trabalhadores sobre os impactos da aplicação das tecnologias emergentes no ambiente laboral. Vale ressaltar que os Ministros do Trabalho do Mercosul também aprovaram uma Declaração que, em um de seus pontos, reconhece os direitos trabalhistas dos trabalhadores de aplicativos.

Estes avanços alcançados pelo Brasil na sua condução do Mercosul durante este semestre, podem ser aproveitados durante a sua presidência no G20. Um posicionamento do Grupo de Trabalho e Emprego do G20 sobre o trabalho de plataformas digitais de aplicativos poderia contribuir significativamente para as discussões normativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) previstas para iniciar em 2025.

O G20 e a Inteligência Artificial

A presidência brasileira do G20 representa uma oportunidade de estabelecer vínculos de cooperação e intercâmbio multilateral em matéria de desenvolvimento de tecnologias emergentes que poderão ser aplicadas com base nas macrotendências da inteligência artificial. Dentre elas, a utilização da tecnologia para o desenvolvimento de medidas para a geração de cidades inteligentes. 

As cidades inteligentes, ou "smart cities", utilizam tecnologia, incluindo a inteligência artificial (IA), para melhorar eficiência, sustentabilidade e qualidade de vida. Exemplos práticos incluem a gestão de tráfego para melhorar a mobilidade urbana, a iluminação pública eficiente, coleta inteligente de resíduos recicláveis e a redução de consumo de energia por meio de sistemas de automação em edifícios, entre outros exemplos que poderão consolidar o legado do G20 nas grandes cidades brasileiras.

Os países em desenvolvimento têm o desafio de promover políticas estruturais de conexões de dados para o desenvolvimento tecnológico e de garantir o acesso universal à Internet como um direito humano fundamental, eliminando a brecha digital e a promovendo a educação e formação para a participação plena das atuais e futuras gerações na economia digital.

Ao incorporar o Mercosul à agenda do G20, o Brasil não apenas solidifica sua presença nos debates internacionais, mas também promove uma visão equitativa e inclusiva, podendo deixar um legado significativo para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento tecnológico.

*Atahualpa Blanchet é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP. Secretário da Comissão de Trabalho, Políticas de Emprego, Seguridade Social e Economia Social do Parlamento do Mercosul. Foi representante do Brasil no Employment Working Group do G20.

** As opiniões contidas neste artigo não refletem necessariamente as do jornal Brasil de Fato

Edição: Thalita Pires