Trama golpista

Heleno discutiu infiltrar agentes da Abin em campanhas eleitorais em 2022, aponta PF

Fala do então ministro do GSI durante reunião com Bolsonaro em julho de 2022 foi usada para justificar operação de hoje

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
O ex-presidente Jair Bolsonaro e seu então ministro do GSI, Augusto Heleno - Carolina Antunes/PR

As investigações da Polícia Federal (PF) sobre a trama golpista que envolveu auxiliares, ministros e militares de alta patente durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) apontam que o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, discutiu sobre infiltrar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas campanhas eleitorais e afirmou que "se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições".

A informação foi revelada por Heleno durante uma reunião ministerial realizada em 5 de julho de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro e que contou com as participações dos então ministros Anderson Torres (Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) além do próprio Heleno e do chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência, Mário Fernandes. A Polícia Federal encontrou o vídeo da referida reunião na residência do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, no ano passado.

Na decisão que autorizou a operação desta quinta, Moraes juntou trechos da transcrição do vídeo feita pela Polícia Federal. "Inicialmente, o General Augusto Heleno afirma que conversou com o Diretor-Adjunto da Abin Vitor (Carneiro, nomeado naquele ano para o posto) para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais, mas adverte do risco de se identificarem os agentes infiltrados. Nesse momento, o então Presidente Jair Bolsonaro, possivelmente verificando o risco em evidenciar os atos praticados por servidores da Abin, interrompe a fala do Ministro, determinando que ele não prossiga em sua observação, e que posteriormente 'conversem em particular' sobre o que a ABIN estaria fazendo", diz trecho da transcrição.

Na decisão de Alexandre de Moraes, tornada pública nesta quinta, não há mais detalhes sobre se a investigação avançou sobre esse possível uso de agentes da Abin, mas há transcrição da sequência da fala de Heleno após ele ser interrompido por Bolsonaro. "O chefe do GSI/PR prossegue em sua fala e evidencia a necessidade de os órgãos de Estado vinculados ao Governo Federal atuarem para assegurar a vitória do então Presidente Jair Bolsonaro. Diz: 'Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições'".

'Vamos ter que agir'

Na sequência, segundo a transcrição da Polícia Federal, o então ministro do GSI fala abertamente em "agir" contra instituições e pessoas. A transcrição, porém, não deixa claro qual seria a ação proposta pelo ministro e contra quem seriam. Heleno também é general da reserva do Exército e na época chefiava o GSI, órgão sob o qual estava a Abin e a coordenação de ações de inteligência de Estado, incluindo a segurança do Presidente da República. Na época, Bolsonaro e seus auxiliares questionavam as urnas eletrônicas e estimulavam a propagação de informações falsas sobre o sistema eleitoral.

"Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro", segue a transcrição da PF.

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Para o ministro Alexandre de Moraes, o teor dos diálogos expostos na reunião ministerial, incluindo essa fala de Heleno, revela o "arranjo de dinâmica golpista" que teria se estruturado no governo Bolsonaro desde antes da eleição de 2022.

"A descrição da reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a Justiça Eleitoral, entre outras, inclusive lançadas e reiteradas contra o então possível candidato Luiz Inácio Lula da Silva, contra o Tribunal Superior Eleitoral, seus ministros e contra ministros do Supremo", assinalou Moraes na decisão.

Heleno deve depor também sobre 'Abin paralela'

Alvo de mandados de busca nesta quinta-feira, Augusto Heleno era um dos ministros mais próximos de Bolsonaro. Ele foi intimado recentemente para depor em outra investigação da Polícia Federal, esta sobre a atuação de uma "Abin paralela" durante o governo Bolsonaro que teria produzido informações e espionado pessoas para atender aos interesses da família do presidente.

Heleno inclusive estava com depoimento previsto para a última terça-feira, (6), mas foi adiado após solicitação de sua defesa. O advogado do ex-ministro pediu o adiamento pois a defesa ainda não havia tido acesso aos documentos da investigação.

Heleno sempre negou ter conhecimento sobre a existência de uma "Abin paralela" no governo Bolsonaro. A reportagem tentou contato com seu advogado nesta quinta-feira, mais ainda não obteve retorno. O espaço está aberto para manifestação.

A reportagem também entrou em contato com a assessoria da Abin e questionou sobre a fala do ministro e se a Agência realizou alguma apuração interna sobre eventual uso de agentes nas eleições, mas ainda não obteve uma resposta até o fechamento deste texto.

Edição: Nicolau Soares