Autoritarismo

Deputado que pediu punição à Vai-Vai por críticas à polícia é defensor da ditadura militar

Capitão Augusto também é autor de um projeto que prevê anistia aos policiais do Massacre do Carandiru

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Capitão Augusto pediu punição à Vai-Vai - Câmara dos Deputados/Divulgação

O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) que pediu uma punição à escola de samba Vai-Vai é defensor da ditadura militar e de anistia aos policiais militares processados ou punidos por participação no chamado Massacre do Carandiru. No desfile deste ano em SP, a escola retratou policiais da Tropa de Choque com asas e chifres vermelhos, em referência a uma figura demoníaca. 

Deputado federal desde 2015, o Capitão Augusto já afirmou à Folha de S. Paulo que o golpe de 1964 foi uma “revolução”. "O que para vocês é golpe, para nós é a revolução democrática de 64. Nós salvamos o Brasil do comunismo", afirma Capitão Augusto. "Não houve ditadura no Brasil, o que houve foi um regime militar”, disse em entrevista em seu primeiro ano como deputado.  

Em suas palavras, somente o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) pode ser considerado uma ditadura. "Ditadura pressupõe ditador, poder concentrado na mão de um só. No regime militar houve alternância no poder, o Congresso manteve-se aberto, o Judiciário manteve-se aberto, e até a imprensa tinha liberdade, desde que não enaltecesse o regime comunista." 

Mais recentemente, em entrevista ao Poder 360, em 2022, o capitão voltou a negar que houve violência durante a ditadura da segunda metade do século passado. “A ditadura da Argentina, em 8 anos, matou mais de 5 mil pessoas. No Brasil, em 20 anos, foram menos de 300 desaparecidos políticos”, disse. 

“Não houve nenhum tipo de violência, nada, e depois os militares devolveram voluntariamente o poder para os civis. Lógico, que no meio de 20 anos, há episódios pontuais que acabaram ocorrendo. Mas não há como falar que eram atos endossados pelo governo militar”, afirmou. 

O deputado federal também é autor do Projeto de Lei 2821/2021, que pretende anistiar os policiais militares processados ou punidos por participação no chamado Massacre do Carandiru. O PL já foi aprovado na Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, em 2022. Agora, aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Na justificativa do projeto, o capitão afirma que “não há qualquer respaldo constitucional para a condenação desses profissionais sem elementos individualizados que apontem a relação entre os fatos delituosos e a autoria”. 

“Para resguardar esses profissionais de punições indevidas com motivação meramente ideológica, a solução é a concessão de anistia em seu favor, o que é possível, mesmo havendo acusação de homicídio qualificado, uma vez que os fatos ocorreram anteriormente ao dia 06 de setembro de 1994, data em que a Lei nº 8.930 passou a prever o homicídio qualificado no rol de crimes hediondos”, defende o deputado.  

Relembre o caso da Vai-Vai 

O Capitão Augusto e a deputada federal Alonso, também do PL de São Paulo, enviaram um ofício ao governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e ao prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), pedindo que a escola de samba fique sem acesso a recursos públicos no próximo carnaval por supostamente “desrespeitar” policiais em seu desfile no último sábado (10).  

“Proponho que a Vai-Vai seja proibida de receber qualquer forma de recurso público no próximo ano fiscal, como forma de sanção pela conduta ofensiva demonstrada. A medida não apenas servirá de punição, mas também como sinal de que ofensas contra instituições e profissionais de segurança não serão toleradas em nosso estado”, diz o documento. 


Escola de samba Vai-Vai retratou a Tropa de Choque da Polícia Militar com referências demoníacas / Divulgação/LigaSP/Felipe Araújo

Em nota, a Prefeitura informou que o ofício será encaminhado para a Liga das Escolas de Samba de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura. “Caberá então à associação verificar eventual descumprimento do regulamento interno”, diz a nota. 

A escola de samba Vai-Vai, por sua vez, disse que o seu samba-enredo “tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop e seus quatro elementos – breaking, graffiti, MCs e DJs”. Por isso, “foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MCs, em 1997”. 

Sobrevivendo no Inferno colocou o rap no topo das paradas, vendendo mais de meio milhão de cópias. Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — são aqui expostos como uma grande ferida aberta, vide [a música] Diário de um Detento, inspirada na grande chacina do Carandiru’”, acrescentou a nota da escola. 

“Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o Carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais MCs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento.” 

“Vale ressaltar que, nesse recorte histórico da década de 1990, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica”, continua. 

“Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundo, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. Ou seja, o que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile”, finaliza a Vai-Vai. 

O colunista do UOL, Leonardo Sakamoto, criticou a iniciativa de cercear a liberdade de expressão da Vai-Vai, dizendo que "quem demoniza a polícia é a própria polícia. É uma bobagem vinda de bolsonaristas parlamentares pedindo o bloqueio de recursos, o que é ilegal. Se estão insatisfeitos com algo, vão à Justiça. É uma tentativa de cercear a liberdade de expressão e a liberdade de crítica."

Edição: Rodrigo Durão Coelho