“Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem, para que meus inimigos tenham mãos, não me peguem, não me toquem.” O trecho da música Jorge da Capadócia, de Jorge Ben Jor, é um hino para muitos devotos de São Jorge que, neste 23 de abril, celebram a fé e homenageiam o santo guerreiro.
Segundo a tradição, São Jorge teria nascido na Capadócia, região que compreende a Turquia, e foi um soldado do Império Romano no século 3. Jorge teria sido morto por se negar a matar e perseguir cristãos, contrariando a ordem direta do então imperador romano Diocleciano. Por conta da sua postura, diz a lenda, Jorge foi decapitado no dia 23 de abril.
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A existência de Jorge da Capadócia não é comprovada, mas entre os séculos 6 e 7 os líderes da Igreja Católica já mencionavam o nome do santo que virou símbolo de resistência e fé inabalável.
São Jorge tornou-se um dos santos mais populares no mundo e, no Brasil, a história não foi diferente, sendo celebrado em músicas e no sincretismo religioso. No Rio de Janeiro, o santo é cultuado no Camdomblé e na Umbanda como Ogum, orixá guerreiro, guardião dos caminhos, da metalurgia, tecnologia e agricultura.
Ao Brasil de Fato, Joana Bahia, professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), explica que os santos adquirem os traços socioculturais das regiões onde são cultuados e que o sincretismo, estratégia adotada pelos povos escravizados para cultuarem a sua fé, é uma das marcas do Brasil.
“Parte das festas religiosas ligadas ao catolicismo foram transplantadas ao Brasil colonial e sofreram grandes mudanças com novos atores religiosos para além da presença portuguesa. Se São Jorge chega ao Brasil colonizador e imperial pelo domínio português, aqui ele é civilizado por Aruanda. As religiões se movem, e nenhuma crença popular é igual aquela de onde se originou. Neste sentido, Ogum toma conta de São Jorge. As crenças ganham novos atores sociais e novos espaços de mediação; por isso, podem andar juntas ou não, isso vai depender dos grupos sociais envolvidos”, explica a antropóloga.
Na Bahia, o santo guerreiro é cultuado pelas religiões de matriz africana como Oxóssi, caçador, guardião das florestas e chefe da falange dos caboclos. Já no Rio, o orixá é associado a São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio, sendo cultuado no dia 20 de janeiro.
O Rio vermelho e branco
São Jorge é muito popular no Rio. Em 2019, o santo foi proclamado padroeiro do estado do Rio de Janeiro junto com São Sebastião. No dia 23 de abril, o vermelho toma conta de boa parte da capital fluminense para homenagear o cavaleiro da Capadócia.
Uma das principais festas ocorre na Igreja Matriz de São Jorge, em Quintino Bocaiúva, na zona norte do Rio. Milhares de pessoas se reúnem ainda na madrugada para acompanhar a “Alvorada de São Jorge”, marcada para às 5h.
Além das missas, procissões e do soar dos atabaques pelos terreiros cariocas, uma tradição no dia 23 de abril é a Feijoada de São Jorge que ocorre em diversos espaços da cidade.
“A festa ressalta a devoção popular. É dia de comer feijoada, comida de Ogum, sopa de galo, preceito do Candomblé, em homenagem ao santo. Pagar promessas com distribuição de feijoada, devoção comum para quem pediu uma graça e alcançou. Dia de partilhar comida e fé”, finaliza Bahia.