A prefeitura de Ricardo Nunes (MDB) entregou uma notificação extrajudicial na última quarta-feira (28) aos artistas do Teatro de Contêiner Mungunzá, dando o prazo de 15 dias para que se retirem da área, localizada na região da Luz, no Centro de São Paulo (SP). O grupo recorre da decisão com apoio da Defensoria Pública, em busca de mais tempo para organizar apoios e estratégias de permanência.
Na última quinta-feira (29) houve uma reunião com o subprefeito da Sé, coronel da reserva da Polícia Militar (PM) Marcelo Salles, indicado por Nunes. Não houve qualquer acordo. Esta mesma subprefeitura interditou sete pensões na região central apenas neste ano.
O terreno de propriedade do município está ao lado de onde se concentrava o fluxo da Cracolândia, esvaziado no último 13 de maio com ações repressivas da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Abandonada por anos, a área na rua dos Gusmões foi ocupada pelo coletivo de teatro em 2016. Com 11 contêineres montados no espaço, o teatro foi vencedor de prêmios e realizou cerca de quatro mil atividades artísticas ao longo de nove anos.
Uma gravação acontecia com o rapper Edi Rock, dos Racionais MC’s, quando representantes da subprefeitura da Sé chegaram para entregar a notificação.
No mesmo terreno está a sede do Coletivo Tem Sentimento que, com doações e geração de renda por meio da costura, atua há cerca de sete anos com mulheres, pessoas trans e imigrantes da região da Cracolândia. Atualmente, o grupo atende aproximadamente 70 pessoas.
“O nosso espaço tem sido um refúgio para aquelas e aqueles que mais precisam, um ponto de apoio onde as portas estão sempre abertas e sem julgamentos para quem busca a chance de recomeçar. Não podemos permitir que um projeto com tantos frutos colhidos seja interrompido”, afirma nota do Tem Sentimento.
Prefeitura diz que quer fazer “hub de moradia”
Na notificação, a Prefeitura de SP diz entender que “a área onde está situada atualmente o Teatro de Container (sic) é um ponto estratégico para que seja instrumentalizado um novo programa habitacional municipal”.
“Como sabemos, todos os edifícios que estão aqui, nenhum é para a população em situação de vulnerabilidade”, comentou o artista Marcos Felipe, ao receber e ler o documento em voz alta.
“Não é justo, tendo em vista a quantidade de equipamentos e terrenos ociosos que essa cidade tem, a prefeitura vir para cima da gente para tirar o Teatro de Contêiner para construir moradias que não servirão as pessoas mais pobres dessa cidade”, ressaltou Marcos, em vídeo que circula nas redes sociais e acumula comentários de apoio à permanência dos coletivos.
“Nesses tempos dessas ações de gentrificação, sempre teve um pensamento nosso sobre o que aconteceria com a gente. Aqui é um teatro. Consolidado. Já é um teatro”, ressalta o ator Lucas Beda ao Brasil de Fato.
“Existem muitos espaços ociosos para construir moradias, que somos muito a favor. De uma política pública que precisa acontecer de verdade, não como tem acontecido, mobilizada pelo mercado imobiliário e de uma forma violenta, amparada pelo Estado”, salienta Lucas.
Em nota, a prefeitura de São Paulo informou que “vinha promovendo, desde o ano passado, reuniões com representantes do equipamento” e que “a área será destinada a atendimento de famílias cadastradas em serviços municipais e moradores da região no âmbito das ações integradas que vêm recuperando toda a região central da cidade”.
“Esterilização da cidade”
Para Beda, “o processo de higienização na região já aconteceu há um bom tempo”: “Agora a gente está passando por um processo de esterilização. Esse território em que a gente está, se antes ele continha praças públicas, hoje elas possuem grades”, diz, se referindo à praça Princesa Isabel, localizada para onde a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende transferir a sede administrativa do governo do estado.
“Além disso, dentro da própria praça, quem consegue atravessar precisa ter um perfil. Um perfil que não deixe marcas no que é nosso. Não é patrimônio, aquilo é um monumento público. Então a gente está tirando as marcas da cultura, dos nossos usos da cidade dentro desse território. Já limpou, agora é manter sem marcas, manter sem identidade, desterritorializar”, critica Lucas.
“O que acabou de ser entregue para a gente”, declarou Marcos Felipe, com a notificação em mãos: “tem as digitais do prefeito Ricardo Nunes, tem as digitais do subprefeito Coronel Salles e tem a chancela do secretário de cultura Totó Parente. Quem deveria defender esse espaço é quem está promovendo que esse espaço acabe”.