A possível prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os desdobramentos da tentativa de golpe de Estado articulada por ele e aliados precisam marcar uma virada definitiva na história brasileira, segundo Paulo Vannuchi, jornalista, ex-ministro dos Direitos Humanos e membro eleito do Comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) contra Desaparecimentos Forçados. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ele afirma que a impunidade dos crimes da ditadura militar (1964-1985) abriu caminho para a ascensão do bolsonarismo e cobra uma punição exemplar para impedir o retorno do fascismo.
“A tese foi comprovada: se não houvesse a apuração rigorosa, individualizada e punições cabíveis para todos os que torturaram, mataram, massacraram, inclusive grupos indígenas e camponeses ao longo do período ditatorial, essa violência voltaria. E voltou, liderada por Jair Bolsonaro, que hoje ganha uma tornozeleira”, diz. “Agora é o passo para uma cadeia definitiva”, completa, citando os crimes de tentativa de golpe, elogio à tortura e, mais recentemente, o envolvimento em uma trama com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para desestabilizar a economia brasileira.
Vannuchi caracteriza o apoio de figuras como o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) às taxas anunciadas por Trump como um “crime de lesa-pátria, de traição nacional”, que pode afetar profundamente o país e, inclusive, os aliados do ex-presidente. “Vai destruir em primeiríssimo lugar a fortuna dos seus aliados do agronegócio, os bolsonaristas empedernidos, que nunca imaginaram essa hipótese. E, pior ainda: não vão aprender a lição”, alerta.
O mandado de busca e apreensão contra Bolsonaro, cumprido nesta sexta (17) pela Polícia Federal (PF) é um ponto de virada, acredita o ex-ministro. “É o primeiro passo para estimular mais o novo momento que o povo brasileiro vive; para garantir que, em 2026, não volte o fascismo como estava planejado pelo mesmo agronegócio, agora sem Bolsonaro, mas com Tarcísio Freitas, que embarcou na onda, se lascou e eu espero que não se levante mais”, declara.
40 anos do ‘Brasil: Nunca Mais’
Ao comentar os 40 anos do lançamento do Brasil: Nunca Mais, livro que denuncia as torturas cometidas pela ditadura militar, o ex-ministro relembrou a atuação do autor da obra, o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, e lamentou que as recomendações da Comissão Nacional da Verdade, concluídas em 2014, não tenham sido levadas adiante. “O segundo governo [da ex-presidente] Dilma [Rousseff (PT)] já nasceu sob golpismo. O primeiro golpista foi Aécio Neves, que questionou o resultado das eleições e começou uma onda toda”, destaca.
Apesar do histórico de impunidade, Vannuchi demonstra otimismo. “Haverá uma condenação severa, pela primeira vez na história do Brasil, dos generais golpistas e do seu chefe, o clã Bolsonaro”, celebra. Ele também destaca a atuação dos ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes e Edson Fachin para revisar a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei da Anistia. “Foi um erro do Supremo em 2010 e agora este ano deve ser corrigido, pelo menos para os desaparecidos. Aqueles que não temos o corpo”, indica.
Vannuchi defende uma profunda reformulação das Forças Armadas. “É preciso aproveitar, espero que o presidente Lula (PT) faça isso, sem tardar. Vamos começar a criar agora Forças Armadas que conheçam os problemas e a miséria do povo brasileiro, as desigualdades regionais”, opina. Para ele, não se pode mais tolerar militares “formados por uma doutrina de segurança nacional que vê o ‘inimigo interno comunista’ em qualquer música de Chico Buarque”.
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