Os governos da França e do Reino Unido indicaram o reconhecimento do Estado palestino, somando-se à 147 dos 193 membros da Assembleia Geral das Nações Unidas que já o fazem. Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato avaliam que, embora a medida seja uma vitória diplomática significativa, pouco deve representar, na prática, para a população palestina.
“O reconhecimento é simbólico e corresponde mais a uma satisfação que França, com forte população árabe e perda crescente de acesso aos países muçulmanos, busca apresentar a essa população e também para os franceses insatisfeitos com o governo Macron. Mesmo caso da Inglaterra”, afirma Monica Lessa, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
“O que seria efetivo é não mais abastecer Israel com armas”, diz ela. O Brasil é exemplo de país que reconhece a Palestina — desde 2010, no segundo mandato Lula — e tem várias parcerias com Tel Aviv, inclusive militares.
O analista da Universidade Federal do ABC Mohammed Nadir concorda que a importância é mais simbólica “na medida que o reconhecimento irá mostrar o fracasso da máquina sionista que não tem medido esforços por todos os meios de convencer as grandes potências europeias, como os membros do Conselho de Segurança da ONU Inglaterra e França, a não tomarem tal decisão”.
“Isso, por si só, é uma vitória diplomática de peso para os palestinos que coincidentemente estão sofrendo o maior genocídio do século 21. Para os EUA e o trumpismo é derrota por indicar que o país não é mais aquele líder que condiciona a política mundial.”
E na prática?
Tanto França como Reino Unido afirmaram que o reconhecimento do Estado palestino — reivindicado desde a criação de Israel em 1948 — é consequência dos brutais ataques israelenses contra a Faixa de Gaza, que começaram em outubro de 2023 e já mataram mais de 60 mil palestinos até agora. Desses, pelo menos 147 morreram de fome, incluindo 88 crianças.
O governo do Reino Unido informou, nesta terça-feira (29), que vai reconhecer a Palestina como um Estado, até setembro deste ano, caso Israel não aceite certas condições para aliviar o sofrimento dos civis na Faixa de Gaza.
Embora ambos os países integrem a mais alta instância da ONU, como membros fixos do Conselho de Segurança, na realidade a medida esbarra no poder de veto que cada um desses países tem. Os EUA, principal aliado de Israel, são contra o reconhecimento, alegando que isso “beneficiaria o Hamas”, grupo que administra o enclave palestino.
Além disso, a própria população israelense, que poderia pressionar o premiê, Benjamin Netanyahu, a interromper o genocídio, é considerada ainda mais hostil aos palestinos do que o governo do país.
“Não creio que a população israelense se importe com sua imagem internacional. Pesquisas recentes mostram que mais de 80% dessa população apoia o genocídio para ocupação total da Palestina e não reconhece o Estado palestino“, diz Monica Lessa.
“Historicamente, a assinatura dos acordos de Oslo, 1993 [no qual Israel concordou com um plano de paz que incluía a criação de um Estado palestino viável], resultou no assassinato do primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, em 1994. Pela própria extrema direita que hoje governa Israel”, completa.
Mohamed Nadir concorda, afirmando que “Israel acostumou o mundo com sua rejeição das resoluções da ONU e do direito internacional. A sociedade de Israel por seu lado apoia a política de Natanyahu e esta cada vez mais radicalizada e olha para os palestinos como ameaça que deve ser eliminada.”
“A cultura propagada pela mídia e os manuais escolares ensinam a odiar o sujeito palestino, o árabe e o muçulmano. Isso é um problema sério e precisa de anos e uma mudança radical desta cultura de guerra e de extermínio que se tornou Israel.
Neste contexto, o analista da UFABC diz ser digno de nota “o silêncio vergonhoso dos países árabes que abriram mão da questão Palestina em prol da conservação dos seus regimes autoritários e se entregaram por meio de pactos e tratados com Israel.”
Nadir diz ainda que “as vozes críticas de Israel são obrigadas ao silêncio ou exílio, como o historiador Ilan Pappe, Avi shlaim e outros intelectuais judeus que não poupam esforço em denunciar a cultura de ódio que domina em Israel”.
Para a analista da Uerj Monica Lessa, as denúncias feitas por Francesca Albanese, por mídias alternativas, por médicos que atuam em Gaza e os registros em vídeo que a população faz são fundamentais, assim como a Espanha, “que rompeu relações com Israel”. O Brasil, apesar de subir o tom nas declarações — como repetir que o que Israel chama de combate ao terrorismo em Gaza é, na realidade, genocídio — mantém relações diplomáticas com Israel.
Contexto
O atual genocídio israelense na Faixa de Gaza começou em outubro de 2023, mas as condições no território palestino já eram consideradas “sufocantes” pela ONU antes disso. À época, o bloqueio israelense de 17 anos — para obrigar o Hamas, partido que ganhou as eleições palestinas em 2006, a abdicar do poder — geraram taxas de desemprego de 45% e insegurança alimentar que atingia 64% da população. A ONU calculava que mais de 80% dos moradores de Gaza dependiam de ajuda externa para sobreviver.
Em 7 de outubro daquele ano, integrantes do Hamas ingressaram em Israel e realizaram o ataque mais violento já sofrido pelo país, deixando cerca de 1,2 mil mortos e capturando 240 reféns. A resposta do governo Netanyahu foi considerada desproporcional e condenada pela maioria da comunidade internacional.
Bombardeios diários que matam em sua maioria mulheres e crianças, colapso de hospitais, falta de água potável, fome usada como arma de guerra — incluindo constantes chacinas durante distribuição da pouca comida que chega — chocam a opinião pública mundial, cada vez mais convencida de que a campanha israelense é genocídio.
No outro território palestino ocupado, a Cisjordânia, a violência ilegal praticada por colonos israelenses é diária, com mais de 1,2 mil mortos.
Uma reunião na ONU terminou, nesta terça-feira (29), pedindo o reconhecimento do Estado palestino e o desarmamento do Hamas como formas de encerrar o conflito que já dura mais de sete décadas entre as duas partes.