A comunidade do Assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita (RS), celebra nesta quinta-feira (31), às 15h30, a reinauguração da Estratégia de Saúde da Família (ESF) Rural Marisa Lourenço da Silva. Localizada na rua das Caturritas, nº 445, ao lado da Escola Municipal de Ensino Fundamental Álvaro Almeida, a unidade é considerada uma das primeiras experiências no país de implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, das Florestas e das Águas.

Construída com o trabalho voluntário das famílias assentadas, a unidade contou com apoio da Prefeitura Municipal de Nova Santa Rita e do Programa Mais Médicos, política federal que viabilizou a presença de profissionais de saúde em áreas rurais e periferias urbanas. Desde sua criação, em 2014, a ESF Marisa Lourenço tem sido referência nacional no cuidado em saúde para populações em áreas de reforma agrária, atuando também junto a comunidades ribeirinhas e ao entorno dos assentamentos.
A reabertura da unidade tem caráter simbólico para os moradores, por representar mais do que o acesso ao atendimento médico. O assentado José Carlos de Almeida vive no assentamento com a família, onde produzem alimentos agroecológicos. Eles fazem feira em Porto Alegre todos os sábados e participam do espaço de economia solidária Contraponto que fica ao lado da Faculdade de Educação (Faced) no campos central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Para ele, a saúde está diretamente ligada às condições básicas de dignidade.
Almeida defende que ter saúde é ter terra para plantar, alimentação saudável, moradia, água potável, educação e trabalho. “Nosso desejo sempre foi, como assentados da reforma agrária, construir territórios livres a partir da história da luta, das famílias, da solidariedade, da sustentabilidade e da soberania.”
Ele destaca que esse entendimento sobre saúde foi influenciado por exemplos históricos, como o do médico argentino Che Guevara, que atuou ao lado de Fidel Castro. “Che era ministro, mas nas horas de folga realizava trabalho voluntário nos campos de produção cubanos. Foi ele quem nos ensinou que saúde é um compromisso coletivo.”

Almeida relembra o início da construção da unidade de saúde da comunidade como fruto da organização popular. De acordo com ele, foi um processo coletivo, com mutirões e colaboração de médicos e apoiadores locais. “Começamos a organizar mutirões, reunimos médicos e trabalho voluntário para construir o posto de saúde em 2013. Em 29 de setembro de 2014, inauguramos a Estratégia de Saúde. Foi simbólico: conseguimos mais de 100 mutirões para reconstruir o espaço, que era a antiga sede da fazenda. Queríamos que aquele lugar tivesse uma função social e coletiva.”
A reinauguração ocorre no mesmo local da antiga unidade, com acesso pela BR-386, ao lado do Posto SIM.
Em memória à Marisa Lourenço da Silva
O nome da ESF é em homenagem à acampada Marisa Lourenço da Silva, que faleceu aos 13 anos ao ser atropelada na BR-386, no mesmo dia em que se conquistou a área do assentamento. A unidade é a primeira rural do Rio Grande do Sul e atende cerca de 4 mil pessoas de quatro assentamentos e da zona urbana do município.
“Marisa foi vítima de um carro desgovernado que tirou sua vida. Ela estava acampada com a família desde 2004, durante a ocupação da antiga Fazenda Montepio. Homenageá-la é também lembrar de tantas outras pessoas que lutaram pela terra e não viram seus sonhos se concretizarem”, relembra Almeida.
O assentado destaca que com práticas integradas de saúde, cuidado com o ambiente e vigilância popular, a ESF Marisa Lourenço da Silva é hoje exemplo de política pública voltada às populações do campo. “Nosso espaço reforça a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) como instrumento de equidade e justiça social.”
De acordo com Almeida, a trajetória da comunidade mostra que as conquistas não acontecem sem luta. “Não há organização e conquista sem participação e mobilização efetiva. E as vitórias só são reais quando são construídas de forma coletiva e democrática pela comunidade.”
O agricultor conta que a Organização Mundial da Saúde, o Ministério da Saúde e a Fiocruz os escolheram para representar o Brasil na conferência Proclima, da COP30, entre experiências de mais de 80 países. “Essa conquista é um exemplo da importância da luta pelo bem comum. A saúde não é uma construção individual, é uma construção coletiva. Não estamos falando só da construção do posto, mas da construção da saúde como bem viver. Essa reinauguração é uma vitória de toda a comunidade.”
Ele diz que a principal tarefa do momento é valorizar as diferentes formas de vida presentes no território para combater a lógica individualista do sistema capitalista. “Precisamos trabalhar o coletivo e fortalecer a educação, o lazer, a alimentação saudável e o meio ambiente. Construir juntos o bem viver. Não há nada mais importante em tempos de guerra do que proteger a vida”, conclui.