A mudança de postura do governo Trump em relação à exportação de chips com tecnologia de ponta dos EUA para a China reflete a “intensa disputa de interesses internos no país”, disse ao Brasil de Fato Zhuang Fei, diretor de conteúdos da chinesa Wave Media. Em um acordo considerado inusitado nos Estados Unidos, as fabricantes de chips Nvidia e AMD concordaram em pagar ao governo estadunidense 15% do valor das vendas de chips avançados para a China.
O especialista em tecnologia e redes digitais afirmou que “desde as sanções de chips iniciadas pelo governo Biden, a Nvidia entrou em crise pela possível perda do mercado chinês”, já que a China é um país que desenvolve soluções de inteligência artificial (IA), “que compete lado a lado com os EUA”.
Com a negociação firmada com Trump, a Nvidia voltará a ter licenças de exportação do H20, um chip potente que pode ser utilizado para indústria de inteligência artificial, embora não esteja entre os mais avançados da empresa. A AMD também fecharia um acordo do tipo para poder voltar a exportar seus chips MI308.
Sanções como “moeda de troca”
Zhuang acredita que Trump transformou a Lei de Chips e da Ciência (onde Chips é um acrônimo em inglês para Criando Incentivos Úteis para a Produção de Semicondutores), aprovada em 2022 durante o governo Biden, em uma “moeda de troca para usar tanto com a Nvidia como com a China”.
A Nvidia é a principal fabricante de chips dos EUA e a AMD é a sexta.
Em abril, as duas empresas receberam uma notificação do governo Trump que exigia que apresentassem pedidos de licenças para vender os chips, os semicondutores mais avançados que essas empresas tinham autorização para exportar para a China.
A notícia da retomada das exportações é do final de julho, mas os termos não haviam sido divulgados até o último fim de semana, quando o acordo foi noticiado pelo Financial Times, com base em declarações do diretor executivo da Nvidia, Jensen Huang, após sua reunião na Casa Branca com Donald Trump, no dia 6 de agosto.
Os termos foram confirmados nesta segunda-feira (11), pelo presidente dos EUA em coletiva de imprensa.
A Nvidia informou no final de maio que teve um prejuízo de US$ 7 bilhões (mais de R$ 38 bi) por estoques de chips não vendidos ou não enviados, entre outros impactos. A AMD disse em abril que as restrições à exportação dos chips MI308 teriam um custo de US$ 800 milhões (R$ 4,35 bi).
“Segurança Nacional”
A decisão de Donald Trump de colocar um preço às exportações de chips avançados joga por terra o argumento de que as restrições às exportações de semicondutores avançados teriam como principal critério a “segurança nacional“.
Todas as barreiras tecnológicas dos EUA contra a China têm sido feitas sob esse argumento, desde quando o governo de Barack Obama impôs restrições à chinesa ZTE.
Em sua última medida de controle de exportações, implementada em dezembro do ano passado, a administração Biden reforçou esse argumento.
“Esta ação é o ponto culminante da abordagem direcionada da administração Biden-Harris […] para prejudicar a capacidade da RPC [República Popular da China] de nacionalizar a produção de tecnologias avançadas que representam um risco à nossa segurança nacional”, disse a então secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo.
Um “pequeno acordo”
Ao ser questionado na coletiva de imprensa na Casa Branca desta segunda-feira sobre o acordo, Trump disse que se trata de um “chip velho, que a China já tem”.
Na coletiva, Trump deu a entender que a oferta veio de Huang: “Veja, se eu aprovar isso para você, eu quero 20%, para o nosso país, para os EUA, não para mim”, relatou o mandatário sobre a conversa com o empresário.
“Você faria por 15%?” teria perguntando Huang, ao que Trump respondeu positivamente.
“Negociamos um pequeno acordo; ele está vendendo, essencialmente, aquele chip antigo, a Huawei já tem um chip semelhante, um chip que faz a mesma coisa”, disse Trump.
Apesar de fazer essa ressalva, o presidente estadunidense não descartou negociar um acordo similar com a Nvidia para liberar a exportação para a China de uma versão menos potente do chip mais avançado produzido atualmente pela empresa, o Blackwell.
A medida representa uma mudança em relação à atitude do governo estadunidense até o momento. Segundo a Nvidia, a exigência de licença tinha a ver com o “risco de que os produtos cobertos pudessem ser usados ou desviados para um supercomputador na China“,
Restrições aos chips como episódio de uma tendência maior
A China continuará mantendo uma “atitude firme” diante das “chantagens e pressões políticas e econômicas dos EUA”, prevê Zhuang.
Em 31 de julho, a Administração do Ciberespaço da China (CAC) exigiu à Nvidia explicações técnicas e documentação sobre os riscos de segurança dos H20 vendidos à China.
A ação foi movida por conta de apelos públicos de legisladores estadunidenses para implantar dispositivos de “rastreamento e desligamento remoto” nos semicondutores exportados para a China.
O próprio projeto do governo Trump sobre IA apresentado em julho (batizado como Vencendo a Corrida, Plano de Ação de IA dos EUA), teve entre suas recomendações de políticas “explorar o aproveitamento de recursos novos e existentes de verificação de localização em computação avançada de IA para garantir que os chips não estejam em países preocupantes”.
A Nvidia teve que se pronunciar afirmando que seus chips não tinham dispositivos remotos de controle e pediu ao governo e legisladores dos EUA que renunciassem a essas propostas.
A China tem sido o país com mais sucesso na negociação das tarifas de importação levantadas por Trump, que cedeu e confirmou nesta segunda uma nova suspensão das tarifas contra o país asiático.
“Acabei de assinar uma Ordem Executiva que estenderá a Suspensão Tarifária à China por mais 90 dias. Todos os outros elementos do Acordo permanecerão inalterados”, escreve Trump em sua rede social Truth.