Trabalho remoto, também chamado de teletrabalho ou home office, é tema que desperta grande interesse. Muitos estudos já demonstraram seus impactos positivos, mas ainda há opiniões superficiais e sem base em dados.
A reforma administrativa em debate na Câmara dos Deputados tenta impor um modelo único de teletrabalho, desconsiderando a diversidade do serviço público brasileiro, que reúne ministérios, autarquias, agências, fundações, secretarias e carreiras muito diferentes entre si. Pergunta-se: diante de realidades tão variadas, é possível uniformizar o trabalho remoto por lei federal? A resposta é claramente negativa.
A proposta revela fragilidade e ainda mistura o debate com “supersalários”, pagos a uma minoria fora do Executivo, confundindo privilégios com condições de trabalho da maioria.
Além disso, sustenta o preconceito de que teletrabalhadores não produzem, quando na prática continuam submetidos a monitoramento e metas, como em qualquer ambiente.
Trabalhar em casa ou em outro local é apenas uma forma diferente de realizar tarefas. O objetivo deveria ser eficiência, e não obrigar servidores à presença física apenas por desconfiança. Ignora-se o contexto da transformação digital do governo, que é, paradoxalmente, um dos pilares da própria reforma administrativa.
A pandemia acelerou uma tendência já existente no mundo: uso da tecnologia e da nuvem para atividades que antes exigiam presença física. No Brasil, órgãos públicos investiram em sistemas e capacitação, tornando possível executar atividades administrativas — análise de processos, pareceres técnicos, elaboração de documentos — de qualquer computador conectado.
Na esfera federal, desde 2022 existe o Programa de Gestão de Desempenho (PGD), que fortalece a vinculação entre trabalho individual, metas de unidades e estratégias institucionais. Nas agências reguladoras, a Arquitetura de Processos permite pactuar entregas de forma síncrona ou assíncrona, aproximando gestores e equipes.
O modelo atual é equilibrado: o teletrabalho não é obrigatório, assim como o presencial. Cabe a cada órgão definir, de acordo com o perfil do servidor e da atividade, a forma mais adequada para alcançar resultados. Pretender uniformizar por lei atividades tão diversas seria retrocesso e afronta ao princípio da eficiência.
Atividades que exigem presença — como atendimento ao público ou fiscalização in loco — seguem sendo presenciais. Já tarefas administrativas, como análise processual ou elaboração de pareceres, podem ser realizadas remotamente, independentemente do espaço físico da repartição. Ignorar essa distinção e tratar o tema como se servidores não trabalhassem fora do escritório apenas reforça visões preconceituosas.
O PGD prevê modalidades presencial, híbrida ou remota, sempre com base nas características da atividade e no perfil do servidor. Gestão deve focar em resultados, e não em microgerenciamento do tempo ou local de trabalho. Escritórios podem ser otimizados, reduzindo custos de aluguéis, contas de serviços, insumos e contratos.
Essa economia se soma a potenciais benefícios urbanos: menos deslocamentos, menos poluição, mais espaço para lazer e convivência. É oportunidade para repensar os grandes centros sem depender exclusivamente da pressão do mercado imobiliário.
Engessar o Executivo por lei ou emenda constitucional não é racional, nem juridicamente adequado, já que a organização do serviço público compete ao próprio Executivo. O ponto ideal deve ser definido por cada órgão, conforme atividades, ferramentas disponíveis e maturidade institucional.
Críticas sem base técnica apenas reforçam interesses alheios e elegem o serviço público como bode expiatório. O debate precisa se pautar na realidade: o teletrabalho é trabalho — e já trouxe ganhos de eficiência para a administração pública.
*Eduardo Calasans Rodrigues é especialista em regulação da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
**Fabio Rosa é presidente do Sinagências – Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Reguladoras.
***Patrícia Soares de Moraes é presidente da Assetans – Associação dos Servidores e demais Trabalhadores da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
****Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.