Na definição da sentença que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão, na quinta-feira (11), o relator, ministro Alexandre de Moraes, se referiu ao Artigo 142 da Constituição Federal, ao determinar a remissão da decisão ao Superior Tribunal Militar, já que entre os condenados, figuram agentes das Forças Armadas.
O Artigo 142, referido por Moraes, aborda as disposições aplicáveis aos militares, incluindo situações de condenação criminal. Nesses casos, a norma estabelece que uma condenação criminal de um oficial com pena privativa de liberdade superior a dois anos resulta na instauração de um julgamento específico para decidir sobre a perda de seu posto e patente.
Por outro lado, determina que o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível. Essa decisão deve ser proferida por um tribunal militar de caráter permanente.
Os generais de quatro estrelas do Exército Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto, o almirante Almir Garnier Santos, e o capitão reformado, Jair Bolsonaro, vão cumprir pena por cinco crimes, entre eles, golpe de Estado e organização criminosa, que variam entre 19 e 27 anos de prisão.
Já o tenente-coronel Mauro Cid não teve seu processo remitido à Justiça Militar, já que, como resultado do acordo de colaboração premiada, sua pena não superou os dois anos e será cumprida em regime aberto.
“Para os militares, a perda da patente é tratada pela legislação militar”, explica o advogado e ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, que cita o julgamento do Tema 1200, pelo STF, que valida o “alcance da competência da Justiça Militar para decretar a perda do posto, patente ou graduação de militar que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele cometido”, menciona Aragão.
O julgamento mencionado pelo ex-ministro, de repercussão geral, discutiu a constitucionalidade da lei de organização judiciária, com base no Artigo 125 da Constituição Federal, que trata da possibilidade de criação da Justiça Militar Estadual em alguns estados. A ação teve trânsito em julgado em agosto de 2023.
De toda forma, a cientista política da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) Maria Celina D’Araujo considera a necessidade de julgamento na esfera militar um “anacronismo”, por se tratar de uma instância inferior, do ponto de visita do sistema Judiciário brasileiro.
“A rigor, o STF está acima do STM [Superior Tribunal Militar]. O STF é um tribunal recursal do STM. Então, não faz sentido instância superior pedir permissão para a instância inferior. Isso é um dos anacronismos da Justiça Militar no Brasil”, analisa D’Araujo.
Justiça Militar
Por sua vez, o Código Penal Militar (CPM) — Decreto Lei n.º 1.001, de 21 de outubro 1969 — estabelece em seu Artigo 99 que a perda de posto e patente de um oficial pode resultar de condenação à pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, tanto por crimes comuns quanto militares. Essa medida também acarreta a perda de condecorações, desde que o oficial seja submetido ao julgamento previsto no Artigo 142 da Constituição Federal.
Ou seja, a Justiça Militar deverá decidir, em julgamento, se aplicará essas penalidades previstas no CPM aos militares condenados na ação penal da trama golpista, exceto Mauro Cid.
“Eu acredito que perderão [as patentes]. Difícil o STM [Superior Tribunal Militar] desmoralizar o STF”, avalia Aragão.
A perda de posto e patente implica destituição do grau hierárquico ocupado pelo oficial, com efeitos imediatos sobre direitos e vencimentos. A Justiça Militar também pode determinar a impossibilidade de reintegração do oficial condenado e a vedação de acumular nova patente no futuro.
Já o Artigo 61 do código estabelece que, nos casos de condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, o militar deverá cumprir o período de reclusão em recinto de instituição castrense e, na falta dele, o cumprimento da pena ocorrerá em estabelecimento prisional civil. Isso seria aplicável a todos os militares condenados, enquanto fizerem parte das Forças Armadas.
“Se forem excluídos das respectivas forças, não terão esse direito. Bolsonaro como ex-presidente está em outra condição”, aponta Eugênio Aragão, referindo-se à possibilidade de um recinto especial para que o ex-mandatário cumpra sua pena.
Agentes da Polícia Federal
Na sentença, os magistrados da Primeira Turma, exceto o ministro Luiz Fux, determinaram a perda definitiva dos cargos públicos a Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que são policiais federais de carreira. Nesse caso, a perda do cargo é automática, segundo Aragão.
No caso de Ramagem, a decisão impõe ainda a perda do mandato parlamentar, o que ainda precisa ser referendada pela Câmara dos Deputados.
Entre todos os acusados, ele era o único que respondia por três crimes, e não cinco, já que as acusações por dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado têm relação com os ataques de 8 de janeiro de 2023, quando ele já era deputado federal e, portanto, tinha imunidade parlamentar.
O regimento interno da Câmara, em seu Artigo 240, determina que, mesmo em casos de condenação criminal transitada em julgado, “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados, em votação ostensiva e por maioria absoluta de seus membros”.
O Artigo 92 do Código Penal prevê a “perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, como efeito de condenação criminal”, em duas hipóteses: a primeira, quando a pena privativa de liberdade aplicada for igual ou superior a um ano, em crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública; e a segunda, quando a pena privativa de liberdade aplicada for superior a quatro anos.

Anderson Torres foi condenado a 24 anos de reclusão e ao pagamento de R$ 151.800, o equivalente a 100 salários mínimos, em multa. Já Ramagem, ex-chefe da Abin, recebeu uma pena de 16 anos de prisão e a perda do mandato parlamentar.
A sentença da Primeira Turma do STF ainda estabelece a inelegibilidade dos oito condenados pelo período de oito anos. Além disso, os ministros determinaram o pagamento de uma multa de R$ 30 milhões pelos danos causados ao patrimônio público, a serem pagos de forma solidária entre os oito condenados.