O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, visitou neste domingo (14) a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, pela primeira vez. Acompanhado de representantes do Judiciário e de autoridades civis e militares, o ministro sobrevoou áreas atingidas pelo garimpo ilegal, visitou comunidades da região de Palimiú e recebeu uma carta assinada por lideranças Yanomami. No documento, os indígenas denunciam o agravamento da crise sanitária, o retorno de garimpeiros ilegais e a ausência de um plano de proteção duradouro para o território.
A Terra Yanomami é o maior território indígena do Brasil, com quase 10 milhões de hectares. O território se estende pelos estados do Amazonas e de Roraima, onde está a maior parte da área. Estima-se que cerca de 32 mil indígenas vivem na região, distribuídos em 392 comunidades.
A visita, classificada como histórica por lideranças e representantes do Judiciário local, ocorre dois anos e oito meses após o decreto de emergência sanitária na terra indígena, e foi marcada por falas públicas que reafirmaram o papel da Justiça na proteção territorial e na defesa dos direitos indígenas. Barroso é relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, proposta em 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por partidos políticos. A ação obrigou o governo federal a adotar medidas emergenciais diante da crise humanitária vivida pelos Yanomami.
“Passados cinco anos, pudemos vivenciar os frutos das medidas de retirada da maioria dos invasores, do fortalecimento das nossas roças, do tratamento de nossos doentes e da proteção de nossa terra-floresta. Esses frutos só puderam ser colhidos porque a semente foi plantada por sua decisão”, escreveram as lideranças na carta entregue em mãos ao ministro.
“Entretanto, ainda há muito a ser feito. Nós ainda estamos sofrendo. O governo brasileiro não conseguiu estabelecer um plano definitivo de proteção da Terra Indígena Yanomami. Isso é extremamente perigoso”, prossegue o documento.
O tom da mensagem evidencia a preocupação com o futuro do território. “Caso as ações governamentais se encerrem com o fim da ação judicial que as motivou, os invasores retornarão com ainda mais força”, alertam.
A carta denuncia o retorno gradual de garimpeiros a regiões como Parafuri, Xitei, Apiaú e Auaris, onde há relatos da presença de helicópteros abastecendo acampamentos clandestinos com combustível e alimentos. Também é citada a persistência de voos ilegais vindos da fronteira com a Venezuela. As lideranças apontam que “sem uma determinação judicial, nada é feito por iniciativa própria de nenhum governo”.
A exposição contínua ao mercúrio oriundo do garimpo é outro ponto de destaque. De acordo com a carta, estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) identificaram níveis de contaminação alarmantes, com impactos irreversíveis sobre a saúde das mulheres e das crianças. As lideranças também criticam a ausência de um plano de monitoramento e de tratamento para os afetados.
“Ainda seguimos sofrendo e morrendo com o descontrole da malária e a contaminação por mercúrio, sem solução aparente. Tampouco foi elaborado um Plano Nacional de Ação submetido à Secretaria da Convenção de Minamata”, denunciam.
O documento destaca que os danos do garimpo não se limitam à esfera ambiental e sanitária, mas atingem também a organização social das comunidades. Jovens Yanomami estariam sendo aliciados com bebidas, mercadorias e armas, o que tem gerado conflitos internos, desagregado famílias e enfraquecido lideranças tradicionais.
“Muitos, sem compreender as consequências dessa ‘aliança’, passam a defender os invasores contra os mais velhos. Essa divisão gera conflitos internos, frequentemente violentos”, diz a carta. No Xitei, segundo as lideranças, a insegurança gerada pelos confrontos impede a caça e o cultivo, comprometendo a subsistência.
A malária, por sua vez, segue sendo um dos maiores desafios sanitários. As lideranças denunciam que, mesmo após a decretação da emergência sanitária em janeiro de 2023, não houve efetividade nas ações do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). “Passados mais de dois anos, nenhuma medida foi efetiva para enfrentar os alarmantes índices da doença”, afirmam.

Palimiú e os “guardiões da floresta”
A visita de Barroso à comunidade de Palimiú também teve forte valor simbólico. Em 2021, a região foi palco de ataques armados com envolvimento de grupos de garimpeiros ligados ao crime organizado, episódio considerado pelas lideranças como uma das fases mais violentas da história recente do povo Yanomami.
Durante a reunião com as lideranças de Palimiú, Barroso relembrou que a ADPF 709, da qual é relator, foi proposta em 2020 e motivou a criação de uma sala de situação em Brasília para acompanhar a crise sanitária nas terras indígenas.
O ministro destacou que o processo de retirada dos invasores foi longo e difícil. “Esse é um lugar que não é distante só de Brasília, é distante mesmo de Boa Vista. O acesso é muito difícil, e portanto nós enfrentamos todas as dificuldades para conseguirmos retirar os invasores”, afirmou. Ele também agradeceu o empenho de órgãos como as Forças Armadas, a Polícia Federal e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
O presidente do STF classificou a visita como um momento simbólico de celebração da desintrusão. “Nós conseguimos retirar quase a totalidade dos invasores de toda a extensão da Terra Yanomami. Foi isso que nós pudemos fazer em respeito aos direitos de vocês e em nome do Estado brasileiro”, declarou. Ao comentar o papel das comunidades indígenas na preservação ambiental, Barroso afirmou que as terras demarcadas são “as áreas de maior preservação ambiental” do país e pediu que os Yanomami sigam atuando como “guardiões da floresta”.
Ele também reconheceu a gravidade da crise da malária, diferenciando-a da questão da mineração ilegal, e prometeu buscar informações junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).