O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um duro discurso contra os Estados Unidos nesta terça-feira (23) na abertura da 80ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. O mandatário questionou a política da Casa Branca de implementar medidas coercitivas unilaterais contra outros países e desestabilizar a política e economia mundial. Ele também defendeu o diálogo com a Venezuela e celebrou a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A abertura do discurso de Lula foi contundente. O petista não citou o presidente dos EUA, Donald Trump, mas afirmou que os ataques contra a economia brasileira são injustificáveis. Ele também disse que a extrema direita brasileira apoia a “ingerência” de outros países em assuntos internos.
“Não há justificativa para as medidas unilaterais contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra o poder judiciário é inaceitável. A ingerência contra assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa. Falsos patriotas arquitetam contra o Brasil.”
Lula disse que o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que condenou Bolsonaro é um recado a todos os “candidatos a autocratas”.
“Pela primeira vez em nossa história, um ex-presidente foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Foi responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso. Teve amplo direito de defesa. Demos um recado a todos os candidatos a autocratas. Nossa soberania é inegociável. Seguiremos como nação independente e como povo livre contra qualquer tipo de tutela”, disse.
Esse foi o 11º discurso de Lula na Assembleia Geral da ONU. Ele avançou em relação ao discurso do ano passado. Em 2024 Lula cobrou uma reforma da organização, mas, desta vez, disse que a ONU hoje está em xeque e tem seus ideais ameaçados “como nunca na história”.
De acordo com o presidente, o multilateralismo está em uma “nova encruzilhada” e hoje há uma “desordem internacional” com atentados à soberania, na qual sanções e intervenções arbitrárias estão se tornando regra. Ele também afirmou que há um paralelo claro entre a crise do multilateralismo e o “enfraquecimento da democracia”.
Para o presidente, as sanções aplicadas pelos Estados Unidos desorganizaram as cadeias de valor e colocar a economia global em uma espiral de preços altos e estagnação. Para isso, pediu a refundação da Organização Mundial do Comércio (OMC), para que o órgão tenha uma atuação efetiva no combate a essas medidas.
“Forças antidemocráticas tentam subjugar as instituições e sufocar as liberdades. Cultuam a violência e exaltam a ignorância. Mesmo sob ataques, o Brasil optou por resistir e defender a sua democracia conquistada depois de duas décadas de ditadura. Medidas unilaterais desorganizam cadeias de valor e lançam a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação. É urgente refundar a OMC em bases modernas e flexíveis”, afirmou.
Aceno à Venezuela
Em meio a uma resposta aos EUA, Lula também defendeu que exista um canal aberto de diálogo com a Venezuela. O país caribenho hoje vive uma ameaça militar dos Estados Unidos. Nas últimas semanas, a Casa Branca divulgou vídeos com o bombardeio a barcos afirmando que essas embarcações seriam de “traficantes venezuelanos”. Washington não apresentou provas.
A justificativa do governo de Trump para isso é que essa operação militar no mar do Caribe era para combater o narcotráfico. Lula disse que essa medida acaba “executando pessoas sem julgamento”.
“Na América Latina e Caribe há uma crescente polarização e instabilidade. Não temos armas nucleares ou conflitos étnicos. A equiparação entre terrorismo e criminalidade é preocupante. Combater o tráfico de drogas precisa de cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e o comércio de armas. Usar força letal em situação que não constitui conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento. A via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela”, afirmou.
Lula também defendeu Cuba e disse que é “inadmissível” que a ilha seja classificada como um país que patrocina o terrorismo. Durante o discurso, o presidente citou o Haiti e afirmou que o país tem direito a um “futuro livre de violência”.
Regulação das plataformas e desigualdades
O discurso do presidente durou 18 minutos e 5 segundos e também foi marcado pela defesa da regulação das plataformas digitais controladas pelas big techs. Segundo ele, esses espaços abrem diversas possibilidades, mas têm sido usados para reforçar ideias conservadoras e reacionárias.
“As plataformas digitais abrem possibilidade de nos aproximar como jamais havíamos imaginado, mas têm sido usadas para disseminar intolerância. Precisam ser reguladas. Ataques à regulação servem para ocultar interesses escusos. O parlamento brasileiro apressou-se em abordar esse problema e promulgar na semana passada uma das leis mais avançadas do mundo para proteger crianças e adolescentes”, disse.
Lula também disse que a democracia falha quando as mulheres ganham menos que os homens ou “morrem pelas mãos de parceiros”. Ainda de acordo com ele, a pobreza é “tão inimiga da democracia” quanto o extremismo. O mandatário celebrou que o Brasil tenha saído do mapa da fome para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), mas disse que no mundo ainda há 670 milhões de “pessoas famintas”.
“A comunidade internacional precisa rever as prioridades. Reduzir gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento. Aliviar a dívida externa dos mais pobres”, reforçou.
A defesa da Palestina também esteve no discurso do petista. Ele disse que nada justifica o genocídio em Gaza e reforçou que é necessário um posicionamento firme contra as agressões aos palestinos.
No ano passado, Lula já havia defendido a luta dos palestinos pelo reconhecimento do Estado da Palestina. O presidente também cobrou em 2024 maiores esforços para o combate à crise climática e para a erradicação da fome e da insegurança alimentar.
Neste ano, o chefe do Executivo brasileiro disse que trabalharia pela criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre e afirmou que é preciso fazer uma transição energética que não siga a lógica “predatória” que marcou os últimos séculos. Ele pediu que o combate à mudança do clima esteja no “coração da ONU para ter o enfoque que merece”.
No encerramento, Lula lembrou da morte do ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica e do papa Francisco e afirmou que os dois eram pessoas que “encarnaram como ninguém os valores humanistas”. Ele também afirmou que é preciso que a voz do Sul Global seja “respeitada e ouvida”.
“O autoritarismo e a desigualdade não são inexoráveis. Podemos vencer os falsos profetas e oligarcas que exploram o medo e monetizar o ódio. O amanhã é feito de escolhas diárias e é preciso coragem para agir e transformá-lo. No futuro que o Brasil vislumbra não há espaço para rivalidades ideológicas ou esferas de influência”, concluiu.