O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), oficiou a Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (24) para indicar que a Casa não pode suspender a íntegra do processo penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que é réu sob a acusação de ter cometido cinco crimes: dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado; organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito; e golpe de Estado.
De acordo com Zanin, somente os três últimos crimes, relativos à empreitada golpista de 8 de janeiro de 2023, poderiam ter o processo penal suspenso por decisão da Câmara. O rumo judicial dos outros dois estaria fora da alçada do Legislativo por terem sido cometidos antes da diplomação de Ramagem como deputado junto ao Tribunal Superior Eleitoral, ocorrida em dezembro de 2022. A orientação do ministro se baseia no artigo 53 da Constituição Federal de 1988, segundo o qual, após “recebida uma denúncia contra senador ou deputado por crime ocorrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”.
Mais uma grande vitória da democracia: O ministro Cristiano Zanin, do STF, acaba de enviar novo ofício ao presidente da Câmara, Hugo Motta, informando que o trancamento da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), réu por tentativa de golpe de Estado, em análise na…
— Lindbergh Farias (@lindberghfarias) April 24, 2025
O ofício do ministro responde a uma provocação feita no último dia 14 pelo líder da bancada do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), que oficiou a Corte para pedir um esclarecimento formal sobre quais ações penais de Ramagem poderiam ser suspensas pelos parlamentares. A iniciativa do petista veio no rastro de uma articulação do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, para impor obstáculos às ações penais e tentar blindar Ramagem por meio de decisão da Câmara. A sigla tem defendido que seria preciso “preservar as prerrogativas parlamentares” e limitar o que a legenda considera como excessos na postura do Poder Judiciário.
Em manifestação feita pelas redes sociais, Farias disse que a posição manifestada por Zanin nesta quinta (24) seria “uma grande vitória da democracia”. “Além disso, desde já cai por terra a tese bolsonarista de que a ação penal trancaria o também o processo do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus cúmplices. Esse ofício [de Zanin] a Hugo Motta responde a uma petição que encaminhei ao STF em 14/4, pois o primeiro ofício encaminhado à Câmara, em 31/03, por Zanin, era genérico e deu margem para a base bolsonarista investir em teses jurídicas mirabolantes, a exemplo de um trancamento total da ação penal para todos os crimes e todos os réus, inclusive Bolsonaro e seus generais. É sem anistia”, emendou o petista.
Em coletiva de imprensa concedida no final do dia desta quinta, Farias disse ainda que, após a ala bolsonarista não conseguir emplacar nesta semana a votação do pedido de urgência para a anistia aos golpistas do 8 de janeiro, a orientação dada pelo ministro Zanin à Câmara seria uma “segunda vitória” do campo progressista.
“A gente estava já sabendo que o caminho alternativo da anistia [para eles] era o trancamento da ação penal do Ramagem. Nesta semana, nós chegamos a nove sessões [após a apresentação do pedido dos bolsonaristas]. Depois da décima sessão, o parecer está pronto para ser votado [na CCJ]. Então, em tese, na próxima semana, esse trancamento da ação penal do Ramagem pode ser votado. A decisão de agora do ministro Zanini, [dizendo] o que, para mim, era algo já autoexplicativo, acho que resolve muitos dos nossos problemas”, avaliou Farias.
“Então, se eles quiserem votar na próxima semana, estaremos votando o trancamento de ação penal somente de dois crimes. A gente considera isso uma vitória. A gente não pode reclamar desta semana, que teve a vitória na questão do PL da anistia, e agora essa outra”, continuou o petista.
Tomando como base o artigo 53 da Constituição, o PL apresentou um pedido à Casa para frear os processos contra Ramagem. A proposta tramita atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde recentemente foi designado como relator o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), aliado do ex-capitão. O pedido do PL, chamado tecnicamente de “Sustação de Andamento de Ação Penal (SAP) 01/2025”, foi formalizado em 3 de abril e tem prazo de 45 dias para ser analisado.
Delegado da Polícia Federal (PF) desde 2005 e filiado ao PL, Alexandre Ramagem se elegeu para seu primeiro mandato como deputado em outubro de 2022. Antes disso, ele atuou como diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entre julho de 2019 e março de 2022, durante a gestão do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Na época, envolveu-se em uma série de denúncias, entre elas a de que sua gestão teria usado ilegalmente o serviço oficial de inteligência para espionar opositores da gestão Bolsonaro. À imprensa e à Justiça, Ramagem tem negado as acusações, que chegou a chamar de “ilações e rasas conjecturas”.
O deputado é o único parlamentar federal implicado formalmente nas acusações relacionadas ao 8 de janeiro. Ele foi enquadrado como réu no chamado “núcleo 1” do golpe, cujos integrantes tiveram a denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) aceita por unanimidade entre os membros da Primeira Turma do STF. O grupo de denunciados do núcleo reúne nomes como Bolsonaro; o general Braga Netto, ex-ministro e ex-vice de Bolsonaro; general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal; e Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, entre outros.