Os resultados de 2024 do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) mostram que o Brasil não avançou no enfrentamento ao analfabetismo funcional desde 2018. Três em cada dez pessoas com idade entre 15 e 64 anos se enquadram nessa categoria, o que corresponde a 29% da população.
Esse percentual é o mesmo registrado em 2018. Para piorar, o analfabetismo funcional aumentou entre os jovens de 15 a 29 anos, passando de 14% para 16% no mesmo período.
Na avaliação da cientista política e educadora Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,os dados refletem uma realidade complexa e preocupante, potencializada pela falta de políticas públicas consistentes entre 2016 e 2023.
“A ausência de um programa federal robusto de apoio à alfabetização desde 2016, com a suspensão do Brasil Alfabetizado, deixou um vácuo que só começou a ser parcialmente preenchido em 2023 com o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação na Educação de Jovens e Adultos.”
A especialista se refere ao programa lançado em 2003 no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que até 2015 ajudou o Brasil a diminuir o analfabetismo de cerca de 12% para 4%. No governo de Michel Temer (MDB), a iniciativa foi suspensa.
“Esse hiato de sete anos sem políticas consistentes, agravado pelos cortes orçamentários em educação durante o período de austeridade, teve impactos profundos na capacidade dos municípios de manter e expandir turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), resultando no fechamento de muitas delas e na redução do acesso à educação”, explica Pellanda.
Ainda de acordo com a educadora, a implementação de políticas públicas a partir de 2023 – como o Programa Dinheiro Direto na Escola e o aumento de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – ainda não consegue reverter o prejuízo.
“Os investimentos ainda são insuficientes para reverter o quadro atual. A falta de regulamentação e implementação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) também limita a capacidade de garantir padrões mínimos de qualidade na educação.”
Ela lembra ainda que essa retomada de ações é fruto de participação social e da luta de organizações políticas e movimentos da sociedade civil, a exemplo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais.
O indicador de 2024 também revela que, embora tenha havido um crescimento no nível elementar de alfabetismo, atingindo 36% da população, o nível proficiente caiu para 10%. Andressa Pellanda afirma que esses dados indicam uma “expansão superficial da alfabetização”, ou seja, as pessoas conseguem ler textos simples, mas não têm habilidades de interpretação e reflexão sobre o que estão lendo.
“O mais grave, no entanto, é que 30% da população jovem, adulta e idosa permanece em situação de analfabetismo funcional, somando os níveis analfabeto e rudimentar. Além disso, 66% da população não ultrapassa o nível elementar, o que significa que, embora consigam decodificar textos, têm dificuldade em compreender, analisar e refletir sobre o que leem”, alerta Pellanda.
Segundo ela, essa realidade tem consequências consideráveis na participação cidadã, no acesso a direitos e ao mercado de trabalho e na redução das desigualdades sociais.
“É urgente ampliar os investimentos, fortalecer a estrutura das redes municipais e estaduais e garantir que as políticas não apenas aumentem o acesso, mas também elevem a qualidade da educação oferecida. Caso contrário, o país continuará patinando em um ciclo de exclusão educacional que perpetua desigualdades e limita o desenvolvimento social e econômico”, salienta a educadora.
O Inaf voltou a ser realizado em 2025 após seis anos de interrupção. O estudo contou com a participação de 2.554 pessoas com idade entre 15 e 64 anos. Os testes foram aplicados entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025 em todo o país para mapear as habilidades de leitura, escrita e matemática dos brasileiros.