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Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990); Participante da Ciranda pelo CEAAL Brasil, CAMP e Articula PNEPS-SUS.

Crise total: tudo a médio e longo prazo

Escrevi na metade dos anos 1970, “a manhã vai chegar”. Hoje, digo/escrevo/profetizo: a manhã será a médio e longo prazo

Não sou eu dizendo agora o que venho dizendo faz tempo. É Celso Amorim, experiente analista internacional, reconhecido dentro e fora do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Nunca vivi num mundo tão perigoso. Há ameaça de um conflito global. Estamos falando da sobrevivência da humanidade”, em entrevista ao Brasil247.

A vontade é de não ligar a televisão ou o rádio, ou entrar na internet de manhã cedo.

Escrevi um poema em 1976, há 49 anos, publicado no livro de poemas Em mãos, com a seguinte homenagem: “Aos companheiros e companheiras do DCE e Diretórios Acadêmicos da PUCRS, gestão 75/76, e a todas(os) estudantes que ainda gritam, pensam e participam”. Hoje, junho de 2025, a dedicatória vai para as companheiras e companheiros cetistas, do Centro de Treinamento para a Ação (CETA), e ao Movimento dos Peregrinos, surgidos e acontecidos nos anos 1970/1980, e que se (re)encontraram nos anos 2020 via WhatsApp e há poucos dias, de forma presencial, na casa de Luís Inácio Gaiger.

Os poetas eram subversivos, segundo registro da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP-RS): “Sigla de origem: DCI SSP RS. Data: 15.04.77. Sigilo C. Número do ACE: G0072747. Assunto: Livro de poesias denominado Em mãos. Texto. Estão sendo vendidos exemplares do livro de poesias de vários autores, o qual traz conteúdo ideológico com tendência esquerdista. Antecedentes subversivos de elementos envolvidos na elaboração do citado livro, bem como pessoas ligadas a eles. Constam dados de qualificação.”

Segue o relato da SSP-RS encaminhado para os órgãos da ditadura militar, em especial a Polícia Federal e o Serviço Nacional de Informações (SNI): “Confidencial. Estado do Rio Grande do Sul – Secretaria de Segurança Pública – Administração Superior – Departamento Central de Informações – Porto Alegre, 15 de abril de 1977. Exemplares do livro de poesias denominado Em Mãos, de autoria dos escritores Humberto Guaspari Sudbrack, Umberto Gabbi  Zanatta, Dilan D´Ornellas Camargo, José Eduardo Degrazia, Selvino Heck, Cesar Pereira, juntamente com outros elementos que se uniram a este grupo, entre os quais Sérgio Conceição Faraco, Horácio Goulart, Paulo Kruel de Almeida, Suzana Kilpp, Aldir Garcia Schlee e Airton Aloísio Michels, estão sendo vendidos na Livraria Miscelânia, sita nos altos do Mercado Público. A apresentação é de Tarso Fernando Herz Genro, elemento pertencente à organização subversiva Ala Vermelha  do PCdoB. O seu lançamento oficial seria na sessão de autógrafos, na Praça da Alfândega. O livro em questão traz conteúdo ideológico, com tendência esquerdista, daí se pode presumir tendo em vista a apresentação de Tarso Fernando Herz Genro” (Selvino Heck, em OS POETAS SUBVERSIVOS DO ‘EM MÃOS’, RECID, 05.12.2012).

As coincidências da vida fazem-se presentes. Enquanto escrevo esta coluna-artigo, recebo mensagem de Luís Augusto Fischer, cetista e dos Peregrinos, hoje professor de literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e baita escritor, autor da orelha do Em Mãos II, com foto do primeiro Em Mãos e seus autores, então jovens e bonitos: ”Com esta dedicatória histórica – a data é da cassação do Marcos Klassmann, nosso vereador, que dava maioria para o então MDB na Câmara Municipal de Porto Alegre.”

E Fischer envia cópia da minha dedicatória no livro em 1977, mais que atual: “A ti, Fischer, ainda que num dia trágico, mas que não nos abate, em teus e nossos ideais de liberdade, e por tua amizade, por seres companheiro na luta, ofereço Em Mãos a vida de um povo que quer aprender a falar e com o qual estamos comprometidos, na esperança de uma manhã transparente, de um mundo novo, de um continente verdadeiramente humano, justo e fraterno. Um abraço amigo do Selvino. POA, 15.02.77.”

O poema de ontem, e no qual assino em baixo hoje.  

A MANHÃ VAI CHEGAR

A manhã há de chegar,

eu sei.

Com ventos e tempestades,

mas vai chegar.

E vai habitar

nas curvas do homem e da mulher,

nas esquinas do mundo,

nas circunstâncias da história.

E vai resplandecer o povo

com seu frescor,

sua claridade e ternura.

E vai armar o povo de palavras.

Vai proclamar a liberdade

e expulsar o medo.

A manhã vai chegar,

sem fantasmas,

sem fomes, sem mordaças.

O povo sairá nas ruas,

unirá as mãos

e a bandeira da liberdade,

finalmente,

vai drapejar no continente.

A manhã há de chegar,

eu sei.

Bate a dúvida, no entanto, em junho de 2025, ante tudo o que está acontecendo: guerras, ameaças à paz e à democracia, crise climática, violência. E o que, previsivelmente, ainda está por vir. Escrevi na metade dos anos 1970, “a manhã vai chegar”. Hoje, digo/escrevo/profetizo: a manhã será a médio e longo prazo. É preciso, ‘ninguém soltando a mão de ninguém’, alimentar a esperança e a utopia de uma sociedade do Bem Viver.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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