Dezoito dias após um “acordo histórico” entre governo e líderes do Congresso Nacional, parlamentares derrubaram o decreto adaptado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Com isso, pouparam os mais ricos da tributação de aportes em suas previdências privadas e de seus gastos com cartão de crédito no exterior. Em compensação, empurraram sobre os mais pobres cortes em programas federais dedicados à parcela mais necessitada da população.
A possibilidade de cortes foi anunciada nesta quinta-feira (26) pela ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT). Ela lembrou que o governo já congelou R$ 31 bilhões em despesas no final do mês passado para cumprir as metas fiscais que ele estabeleceu para o ano. Sem o aumento do IOF, o congelamento pode subir para R$ 41 bilhões, resultando em risco de paralisação de programas como Auxílio Gás, Assistência Social, Minha Casa Minha Vida, Pé de Meia, entre outros.
O ministro da Fazenda, Fernado Haddad (PT), confirmou a possibilidade de cortes em entrevista à Folha de S.Paulo. “Vai faltar recurso para a saúde, para a educação, para o Minha Casa, Minha Vida. Não sei se o Congresso quer isso”, disse ele, falando num corte extra de até R$ 12 bilhões.
O aumento do IOF foi anunciado em maio pelo governo. Previa a taxação de operações de crédito, de câmbio e de aportes de mais de R$ 50 mil em previdências. Com isso, o governo previa arrecadar R$ 20 bilhões a mais só em 2025.
A medida foi criticada por empresários e parte do Congresso Nacional, principalmente por elevar o custo do crédito no Brasil, que já é alto pelo fato do país ter uma das mais altas taxas de juros do mundo.
O governo recuou. Desistiu de tributar empréstimos tomados por empresas, mas manteve a taxação dos aportes em previdências privadas e das operações de câmbio argumentando que eles, na verdade, corrigiriam distorções do sistema tributário nacional a favor dos ricos. A nova versão do decreto do aumento do IOF chegou a ser apresentada ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, David Alcolumbre (União-AP), que declararam estar satisfeitos.
Apesar disso, ambos pautaram a votação de projetos que anularam o decreto revisado. Ele foi derrubado em votações expressivas na Câmara e no Senado.
Para o economista Mauricio Weiss, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a derrota do governo indica que o Congresso não está disposto a qualquer mudança que afete privilégios da minoria. “Eles não aceitam nenhum tipo de ajuste fiscal que recaia sobre os mais ricos”, diz. “O único ajuste que o congresso é favorável é nos gastos sociais e investimentos públicos, o que é uma lástima.”
Pedro Faria, economista e doutor em História, reconhece que, considerando o comportamento do Congresso, a queda do IOF vai, sim, prejudicar os pobres. “A conta vai estourar no orçamento da prestação de serviços públicos. Vai prejudicar quem é usuário de serviços de saúde, de educação. Todos nós, mas principalmente as pessoas mais pobres.”
“Haddad apresentou alternativas: redução de renúncias fiscais, redução de supersalários, verbas indenizatórias, emendas, enfim. O Congresso recusou”, acrescenta Faria.
‘Pecado original’
Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, também é crítico à postura do Congresso em discussões com o governo sobre gastos. Para ele, parlamentares pressionam o Executivo de forma cada vez mais intensa sobre mudanças no reajuste do salário mínimo e nos pisos em investimentos em saúde e educação, algo que eles consideram “medidas estruturantes”.
Cantelmo, entretanto, ressalta que essa pressão hoje é grande por um erro político do governo, que se comprometeu com metas fiscais e um arcabouço fiscal rígidos. Cantelmo, inclusive, chama esse erro de “pecado original”.
Ele explica que o arcabouço e as metas obrigam o governo a buscar o superávit primário – ou seja, gastar menos do que arrecada. Mas a Constituição determina que o governo gaste com saúde e educação um percentual fixo da arrecadação. Matematicamente, essa conta não fecha. Ou o arcabouço terá que ser flexibilizado ou os investimentos sociais terão de ser revisados. A crise do governo com o Congresso faz parte disso.
O economista David Deccache, assessor do Psol na Câmara dos Deputados, também vê no arcabouço fiscal um problema que o governo impôs a ele mesmo. Para ele, aliás, a crise é culpa do arcabouço, não do IOF.
“Tudo isso é culpa do arcabouço fiscal. Já perdemos 10% do piso da educação”, afirma ele, lembrando que o governo já comprometeu-se na negociação sobre o IOF em considerar o pagamento de bolsas do Pé-de-Meia como investimento na área, o que na prática reduz os recursos dela.
José Luis Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), vê uma sequência de erros da área econômica do governo culminando na crise do IOF. Ele espera que o governo não cometa um novo erro aceitando cortes sociais.
“Não acredito que vá haver corte de gastos sobre os mais pobres. Isso seria cometer um erro colossal. O que provavelmente deve acontecer é a questão da revisão dos gastos tributários, que é uma bandeira que o Ministro da Fazenda”, diz ele.