A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, anunciou ter entregue nesta segunda-feira (11) um novo documento à Corte Internacional de Justiça (CIJ) que provaria os direitos da Venezuela sobre o território de Essequibo, na fronteira com a Guiana. Ela, no entanto, não deu detalhes de quais são os novos argumentos apresentados pelo governo venezuelano na disputa pela região. Rodríguez garantiu que o texto deixa claros os direitos do país sobre o território.
“O documento contém provas mais do que suficientes do suposto saque, do que significou uma sentença criminosa baseada em um tratado forjado, ilegítimo e ilegal para privar a Venezuela de um vasto território como a região de Essequibo, na Guiana”, disse a vice-presidente em discurso na chancelaria venezuelana.
De acordo com ela, estiveram representando a Venezuela na CIJ o procurador-geral da República, Reinaldo Muñoz, e o embaixador venezuelano na ONU, Samuel Moncada. Foram entregues 50 cópias do documento na organização. Eles foram recebidos pelo secretário da CIJ, Philippe Gautier.
Em seu discurso, ela afirmou que o documento tem evidências sobre os processos “fraudulentos” do Laudo de Paris, resolução emitida em 1899 por um grupo independente de cinco juristas que decidiu que os domínios sobre o Essequibo eram britânicos, e do tratado de Washington de 1897, acordo entre os EUA e o Reino Unido para estabelecer um tribunal de arbitragem para resolver a disputa.
Ela afirmou que o documento mostra que o Acordo de Genebra de 1966 é o único documento legal para reger e dirimir essa controvérsia territorial. No documento, assinado meses antes da independência da Guiana por venezuelanos, britânicos e guianenses, o Reino Unido reconhece a reclamação da Venezuela sobre o território e se compromete a negociar diretamente com o país na busca por uma solução.
Rodríguez disse que a Guiana tentou forjar uma ação na CIJ em 2018 para passar por cima desse acordo, em uma tentativa de “cruzar a linha vermelha da legalidade internacional”.
“Fica provada também a conivência do império britânico da época e dos EUA para desconhecer títulos históricos da Venezuela e da pretensão de nos privar deste território que nos pertence desde o nosso nascimento. Esse foi um dos marcos fundacionais da Doutrina Monroe no continente americano”, afirmou.
O governo venezuelano terminou o comunicado pedindo que a Guiana sente para negociar sem o uso da força militar e sem ameaças estrangeiras.
O governo da Guiana ainda não respondeu o comunicado, mas o presidente Irfaan Ali afirmou em março que não vai se reunir com o chefe do Executivo, Nicolás Maduro, enquanto o governo venezuelano não seguir a declaração de Argyle. Ele faz referência à reunião em São Vicente e Granadinas em 2023, na qual os dois países se comprometeram a continuar os diálogos sem agressões.
A Guiana, no entanto, tem realizado exercícios militares com os Estados Unidos na região, ação que o governo venezuelano tem chamado de “provocação”.
Histórico do caso
Venezuela e Guiana disputam o território de Essequibo desde o século 19 e se agarram a documentos e versões diferentes da história para embasarem seus argumentos, levantando discussões sobre fatos que ocorreram até mesmo quando ambos os países ainda eram colônias. Durante as guerras de independência na América Espanhola, as autoridades britânicas que então controlavam a Guiana ocuparam os territórios a oeste do Rio Essequibo, fato que só foi contestado pela Venezuela após a independência.
Anos de disputas deram origem ao chamado Laudo de Paris, resolução emitida em 1899 por um grupo independente de cinco juristas que decidiu que os domínios sobre o Essequibo eram britânicos. Exatos 50 anos depois, em 1949, a Venezuela alegou que o laudo deveria ser anulado, pois haveria provas de um suposto conluio entre advogados do Reino Unido e um dos juízes que participou do processo.
No entanto, uma denúncia formal pedindo a anulação do Laudo de Paris só foi apresentada por Caracas em 1962, processo que iniciou a elaboração e posterior assinatura dos chamados Acordos de Genebra, em 1966. No documento, assinado meses antes da independência da Guiana pelas três partes – venezuelana, britânica e guianesa – o Reino Unido reconheceu a reclamação da Venezuela sobre o território e se comprometeu a negociar diretamente com o país na busca por uma solução.
O prazo limite para um acordo definitivo sobre o Essequibo era de quatro anos, período que foi esgotado em 1970 sem uma resolução final e que culminou na assinatura do chamado Protocolo de Porto Espanha, no qual a Venezuela concordou em uma espécie de “trégua” de 12 anos nas reivindicações sobre o território.
Já em 1982, Caracas voltou a exigir controle sobre o Essequibo, sempre se apegando aos Acordos de Genebra. O governo da Guiana, por sua vez, alega que o Laudo de Paris ainda é valido e que, portanto, suas fronteiras estão delimitadas e incluem o território do Essequibo.
Negociações entre Caracas e Georgetown mediadas pelo secretário-geral da ONU ocorrem desde os anos 1990, mas foi após as descobertas de petróleo de 2015 que o tema passou a ser tratado com mais ênfase pelos países. Em 2018, alegando a ausência de concordância das partes, o secretário das Nações Unidas, António Guterres, recomendou que o caso fosse levado à Corte Internacional de Justiça (CIJ), ato que foi referendado pela Guiana e é contestado pela Venezuela até hoje, por não reconhecer a legitimidade do Tribunal em Haia sobre a questão.
No final de 2023, o governo venezuelano realizou um referendo para incorporar o território à Venezuela de maneira definitiva. A proposta surgiu depois de novas descobertas de petróleo na bacia do Essequibo e passou a ser encarada como prioridade, já que este território é reivindicado há um século pelos venezuelanos.
O presidente Nicolás Maduro promulgou em 2024 uma lei sobre Essequibo. A Lei Orgânica pela Defesa da Guiana Essequiba pretende oficializar a decisão tomada em referendo.
Em junho de 2024, a Venezuela pediu à CIJ que a Guiana volte a negociar o território. A ideia do governo venezuelano é que a discussão seja feita com base no Acordo de Genebra. Segundo o representante do país na ONU, Samuel Moncada, a discussão precisa ter um desfecho “efetivo, prático, aceitável e satisfatório” para as duas partes.
Já neste ano, a Venezuela realizou eleições para governador na Guiana e elegeu Neil Villamizar do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV). O pleito, no entanto, sequer foi realizado no Essequibo e o governo venezuelano não explicou como pretende implementar um governo de estado na região que hoje está sob controle da Guiana.