O governo venezuelano reagiu à aposta feita pelos Estados Unidos. Na semana passada, Washington ameaçou enviar navios militares para a costa da Venezuela. Neste final de semana, Caracas respondeu e convocou a população para se alistar na Milícia Nacional Bolivariana, como forma de defender o território nacional. O resultado foi uma mobilização massiva e a imagem que o governo queria passar: apoio e organização.
As filas na praça Bolívar, no centro da capital, mostravam o interesse dos venezuelanos em participar e fazer a inscrição na milícia. A ideia era rechaçar as novas ameaças estrangeiras e respaldar o governo de Nicolás Maduro.
A inscrição foi simples. Nome, número de telefone, endereço e documento. Isso era o suficiente para se alistar. Por conta disso, uma parte significativa da mobilização teve um caráter simbólico. Os alistados sequer recebiam orientação de procedimentos após a inscrição.
A ideia era coletar o máximo de assinaturas possíveis para mostrar a mobilização popular em torno da defesa da soberania venezuelana e, principalmente, a massa de apoio ao governo, em oposição à narrativa de que a maioria da população estava insatisfeita.
Além de não ter nenhuma mobilização de opositores nos últimos meses, milhares de venezuelanos estiveram em praças e quartéis para fazerem o registro no que é considerada a quinta força armada da Venezuela.

Esse foi o caso de Luís Salgado. Ele é professor e afirma que o principal motivo para se alistar é a defesa da soberania nacional.
“Temos um orgulho nacional em defender nossa soberania e por isso cada um dos venezuelanos e venezuelanas têm esse desejo de defender a soberania nacional e nosso líder político, Nicolás Maduro. Acreditamos que cada nação tem o direito de tomar suas próprias decisões sem nenhuma ingerência estrangeira. Quem se mete com a Venezuela, se dá mal. Somos um país independente, soberano e nós tomamos nossas decisões de acordo com os interesses do povo”, disse.
A milícia bolivariana é uma organização formada em 2009 composta por civis e militares aposentados em seus quadros. Eles recebem treinamento para defesa pessoal e fiscalização do território em seus diferentes contextos — urbano e rural. A milícia passou a compor uma das cinco Forças Armadas da Venezuela, que tem uma estrutura diferente do Brasil.
De acordo com o governo, antes da jornada de inscrição estavam ativos cerca de 5 milhões de milicianos no país.
A ideia da milícia é trazer o cidadão para a lógica de defesa do país e somar esforços entre as Forças Armadas e os venezuelanos. Com isso, o governo entende que há uma união cívico-militar na política de segurança do país.
Loredana Bravo é professora universitária e afirma que há uma corresponsabilidade na defesa territorial e que é dever da população participar das discussões e, principalmente, defender a soberania do país. Para ela, há um interesse estratégico dos EUA na Venezuela, por ser um país com grandes reservas de petróleo e estar em uma posição privilegiada para o pacifico.
“Há uma ameaça latente, onde os Estados Unidos querem se apoderar do nosso território, dos nossos recursos naturais. E como não conseguiram até o momento, usam qualquer artifício para isso. Agora estão usando ações operativas para chegar à Venezuela. As intenções dos EUA sempre existiram. Eles acham que são donos do mundo. Eles querem estar nos países ricos em recursos naturais”, afirmou.
A convocação para um alistamento massivo foi feita pelo próprio presidente Nicolás Maduro. Em seu discurso, Maduro reforçou que é preciso defender o território venezuelano e que as milícias são parte importante nesse processo, já que respondem a um componente importante das forças armadas que são de responsabilidade do povo.
Para ser parte da milícia, não é preciso atender a nenhum pré-requisito. A inscrição é totalmente voluntária.
Jose Alonso é técnico de seguridade financeira e disse que não tinha se registrado antes porque não havia um chamado geral como agora. Ele disse que não sabia que a inscrição na milícia era livre para qualquer pessoa acima dos 18 anos e afirmou que enxerga uma atitude de patriotismo nessa inscrição do final de semana.
“Não me alistei antes porque eu achava que era para certas idades. Mas hoje tem um chamado para todos aqueles que defendem a pátria. Por isso estamos aqui. Me inscrevi porque isso é parte da pátria e todo patriota tem o direito de defender a sua pátria. Aquele que defende o seu país não defende porque é rico ou pobre. Defende porque é a sua nação”, afirmou.
Diante da ameaça do envio dos navios, os principais aliados da Venezuela se manifestaram. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, afirmou que Pequim se opõe a qualquer ação que viole os princípios da Carta da ONU e que ameace a soberania e a segurança de outros países.
“Nós nos opomos ao uso ou ameaça de força nas relações internacionais e à interferência de potências externas nos assuntos internos da Venezuela sob qualquer pretexto”, disse.
Outro aliado de primeira hora da Venezuela, os russos também se colocaram em defesa de Caracas. A vice-preisdente venezuelana, Delcy Rodríguez, afirmou ter recebido uma ligação do ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, que prestou “solidariedade” ao povo venezuelano.
Os dois países já tinham assinado em maio um acordo para a ampliação dos laços entre russos e venezuelanos para o nível mais alto das relações diplomáticas. Um dos pontos desse acordo é uma cooperação militar para desenvolver estratégias de combate ao terrorismo e o fascismo.
O apoio dos aliados também foi uma demonstração importante para os venezuelanos que se alistaram. Bravo entende que essa é uma sinalização de que a Venezuela não está sozinha e que conta com o apoio de dois rivais históricos dos EUA.
“A nível estratégico temos certas coisas que nos colocam em desvantagem. No entanto, temos duas grandes potências como aliados estratégicos que já derrubaram os EUA economicamente, que são China e Rússia. Então, EUA tem esse medo e sabe que essa é uma pedra no sapato”, afirmou.
Invasão pouco provável
As ameaças dos EUA, no entanto, ainda fazem parte de um jogo de palavras da Casa Branca. A porta-voz do governo de Donald Trump, Karoline Leavitt, afirmou que os Estados Unidos usariam “toda a força” contra a Venezuela. Antes, o Departamento de Estado havia aumentado a recompensa pela prisão de Nicolás Maduro para US$ 50 milhões e, sem apresentar provas, reiterou que o mandatário venezuelano seria chefe do Cartel dos Sóis, uma suposta organização criminosa, sobre a qual não há informações oficiais.
Uma invasão dos Estados Unidos, no entanto, é questionada pelos venezuelanos. Eles não acreditam que realmente seja possível uma incursão militar estrangeira agora, ainda que este seja o interesse da gestão de Donald Trump.
Loredana Bravo afirma que as recentes declarações do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, atendem a um processo de “pressão psicológica”, mas que a tendência é que nada disso se concretize em um curto espaço de tempo.
“As guerras modernas começam com a guerra psicológica. Começam com esse sistema para amedrontar. Mas a Venezuela é um caso diferente. Temos uma história de luta, de guerras, quando não existiam as redes sociais e essas estratégias psicológicas. Nós temos uma história de liberdade que os EUA têm em uma escala menor. Eu acho que os EUA têm a intenção, tem a vontade, mas tem que mover suas peças com cuidado, porque estamos com aliados muito importantes”, disse.
O potencial militar venezuelano ainda não está claro, mas é um dos maiores da América Latina. De acordo com o grupo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), a Venezuela tinha, em 2020, um contingente de mais de 343 mil soldados, ficando atrás só de Colômbia (428 mil) e Brasil (762 mil). O grupo britânico é conhecido por estudar e fazer levantamentos da estrutura militar de todos os países.