Só quem já enfrentou uma sala de aula lotada, no calor sufocante do verão gaúcho, com um ventilador que fazia mais barulho do que vento, sabe o que realmente significa falar em prioridade para nossas escolas e comunidades educativas.
Nesta semana, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre deve votar o PL 671/23, do vereador Jessé Sangalli (PL), que propõe a implantação de um sistema de monitoramento permanente na rede municipal de ensino, com câmeras em salas de aula, bibliotecas e parques. O argumento é simples: mais segurança, mais prevenção. Mas essa promessa, embora soe intuitiva, não encontra respaldo nas pesquisas internacionais.
Eu sei que a violência escolar aumentou. Convivo com isso diariamente e, há anos, me dedico a pesquisar esse fenômeno. Mas não é com câmeras que se enfrenta o problema. A violência não nasce diante de uma lente, mas de relações, tensões e necessidades não atendidas. Nada disso se resolve com o clique frio de uma gravação.
Em diferentes países, o “olho eletrônico” já foi testado. Na Índia, diretrizes nacionais obrigaram escolas a equiparem-se com câmeras. No Reino Unido, professores chegaram a portar câmeras no corpo, como policiais em patrulha. Nos Estados Unidos, legislações estaduais permitem sua instalação em salas de educação especial. O raciocínio é direto, se cada gesto for observado, cada palavra registrada, então a disciplina se manterá. O problema é que essa lógica, embora sedutora, é ilusória.Pesquisas longitudinais (FISHER; HIGGINS; HOMER, 2019) demonstram que a presença desses dispositivos não reduziu significativamente bullying, agressões ou indisciplina. Em alguns casos, a vigilância produziu apenas a sensação de uma escola convertida em prisão.
A escola não é prisão. Professores não são carcereiros.
Michel Foucault, ao analisar a história dos cárceres em Vigiar e Punir (1975), já advertia: não é o guarda em si que disciplina, mas a possibilidade constante de estar sendo observado. Ao internalizar esse olhar, sujeitos passam a regular a si mesmos. Aplicado à escola, esse regime ameaça convertê-la em extensão do panóptico, menos espaço de formação, mais espaço de controle.
É verdade que, em outros contextos, como o policial, as câmeras mostraram-se eficazes para reduzir o uso da força e o número de reclamações contra agentes. Mas o ambiente escolar tem outra natureza, não se trata de conter infratores, mas de formar sujeitos. Registrar continuamente imagens em sala de aula é como tentar cultivar um jardim regando apenas o cimento, há esforço, mas nada floresce.
Além disso, os efeitos colaterais são expressivos. O monitoramento permanente gera um clima de desconfiança, mina a autonomia docente e transmite aos estudantes a mensagem de que a escola não é espaço de diálogo, mas de suspeita. E não se pode ignorar o risco de uso indevido das imagens, de violações de privacidade e de que a vigilância recaia com mais força sobre determinados grupos, aprofundando desigualdades.
A pesquisa educacional aponta outros caminhos como investir em mediação de conflitos, programas socioemocionais, equipes de apoio psicológico e iniciativas de engajamento comunitário. Nesse cenário, a câmera é apenas um espelho eletrônico, reflete o problema, mas não o transforma.
Instalar câmeras pode até oferecer um alívio ilusório, como acender uma lanterna contra o escuro. Mas a verdadeira segurança não nasce da claridade artificial que tudo vigia, ela floresce na construção de confiança, no fortalecimento de vínculos e na coragem de transformar conflito em aprendizado.
* Anderson Barcelos Martins é Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/Ufrgs)
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.