As mudanças climáticas são uma triste e evidente realidade em diversos locais do mundo, incluindo o Brasil, o que tem gerado impactos desproporcionais às crianças, adolescentes e jovens, e colocado o desafio de construir políticas efetivas que não apenas promovam e protejam os seus direitos, mas o façam tendo por horizonte a adaptação e a justiça climática.
De acordo com o Observatório Europeu Copernicus, o ano de 2024 será marcado, para a história, como o primeiro em que ultrapassamos o limite de 1,5ºC de aquecimento global em relação ao período pré-industrial, conforme meta estabelecida no Acordo de Paris, em 2015, fazendo com que a Terra entre num novo estágio de eventos climáticos ainda mais intensos, instáveis e impactantes.
Como sabemos, em 2024, vivenciamos o mais avassalador evento climático extremo da história do Brasil, as enchentes no Rio Grande do Sul, ocorridas entre abril e maio, ocasionando 183 mortes e afetando 478 municípios gaúchos – alguns deles totalmente dizimados – e cerca de 2,4 milhões de pessoas. Além dos impactos diretos e de rápida ocorrência temporal resultante da inundação, também houve um conjunto de outros danos decorrentes do período de duração da enchente e do pós-inundação, relacionados ao remanejamento populacional, aos prejuízos na infraestrutura e na reconfiguração das relações de poder e de opressões sociais, incluindo aquelas ocasionadas nos locais de atendimento à população afetada, como os abrigos, em que emergiram novas vulnerabilizações às crianças e adolescentes, como as de abuso sexual.
Agora, no final do ano, temos o fato histórico de cinco bacias hidrográficas do Brasil estarem em estado de escassez hídrica, relacionadas aos rios Madeira, Purus, Tapajós e Xingu, todos afluentes do rio Amazonas, e o rio Paraguai, que alimenta a região do Pantanal. Em diversos trechos desses rios formaram-se verdadeiras regiões de deserto fluvial, com os rios secando por completo e afetando o acesso à água, à alimentação e à mobilidade para centenas de milhares de pessoas que dependem deles, em especial de crianças, adolescentes e jovens de povos indígenas e comunidades ribeirinhas e extrativistas, que tiveram a paralisação das atividades escolares, entre outros impactos.
Brasília, a capital do país, registrou, em 2024, o recorde histórico de 167 dias sem chuva, quebrando a marca histórica anterior, que era de 163 dias, de 1963, num contexto de seca severa que assolou diversas regiões do Centro-Oeste, do Norte e do Sudeste, combinado com a intensificação da ocorrência de incêndios florestais, muitos deles criminosos e cujas nuvens chegaram a cobrir 80% do território nacional, além dos nítidos e graves prejuízos à qualidade do ar e consequentes problemas respiratórios à população, em especial às crianças e pessoas idosas.
Esse breve apanhado de situações vivenciadas ou ainda vividas no Brasil apenas no ano de 2024 (e muitas deles com essa infeliz alcunha de histórica ou recorde), foi feito para nos alertar de que os impactos trazidos pelo aquecimento global e as mudanças climáticas, com especial atenção aos eventos climáticos extremos, são uma realidade incontestável na vida de milhões de crianças, adolescentes e jovens no Brasil.
Apenas para dar um dado estatístico, o estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), publicado em 2022, aponta que 40 milhões de crianças e adolescentes “estão expostas a mais de um dos riscos [climáticos] analisados no estudo, o que representa quase 60% das crianças e dos adolescentes no país”, e em todo o mundo passa de dois bilhões o quantitativo de crianças expostas a mais de um risco, choque ou estresse climático/ambiental.
Por isso, não é possível mais desconsiderar ou secundarizar os impactos advindos das mudanças climáticas em todos os aspectos relacionados aos direitos e às condições de vida de crianças, adolescentes e jovens. E, até por isso, é necessário, cada vez mais, construir medidas efetivas de prevenção, mitigação, adaptação e reparação às mudanças climáticas orientadas pelo princípio constitucional da prioridade absoluta dos direitos desses grupos etários, assegurando a participação dos sujeitos e o respeito às suas diversidades identitárias em perspectiva interseccional.
Pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas para Infância e Juventude, sediado no Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília (UnB), organizamos uma roda de conversa intitulada “Justiça Climática e Direitos de Crianças e Jovens”, ocorrida em 9 de dezembro de 2024, com a reunião de um conjunto de organizações sociais e órgãos governamentais que têm, há algum tempo, assumido o protagonismo de trabalhar as mudanças climáticas como um tema prioritário de suas agendas institucionais e de incidência política.
Em suas falas, as e os palestrantes reiteraram a gravidade dos danos multidimensionais que afetam as crianças e jovens na atualidade decorrentes das mudanças climáticas e dos eventos climáticos extremos no Brasil e em outros países do mundo, mas, também, indicaram as ações de ativismo climático promovido por crianças e jovens para a busca por soluções adaptativas para fortalecer a resiliência de crianças e jovens, e o enfrentamento dos agentes causadores do agravamento do aquecimento global e da degradação do meio ambiente.
Nesse sentido, destaco:
- A recente tramitação do Projeto de Lei nº 2225/2024, de autoria da deputada federal Laura Carneiro (PDS/RJ), com a formulação de princípios e diretrizes para a efetivação do direito de crianças e adolescentes à natureza, incluindo a definição de ações climáticas;
- A reformulação, em andamento, do Plano Juventude e Meio Ambiente, instituído em 2015, e agora em processo de transformação para Plano Juventude, Meio Ambiente e Justiça Climática, visando a promoção e integração das políticas públicas ambientais que efetivem os direitos das juventudes à sustentabilidade e ao meio ambiente;
- A mobilização social do IV Grito das Águas, ocorrido em 2023, no município de Abaetetuba, no estado do Pará, com a participação de 500 pessoas, em que houve a denúncia das ameaças e danos sofridos pela população e o meio ambiente em decorrência da instalação de empresas portuárias e a modificação da dinâmica de navegação dos rios da região, prejudicando a segurança alimentar, territorial e climática das pessoas, em especial de crianças e jovens, os quais estiveram presentes e foram vozes ativas na manifestação.
Por fim, é preciso lembrar que estamos há poucos meses da realização da COP30, a Conferência das Partes sobre a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a ocorrer em Belém, Pará, em novembro de 2025, evento em que será preciso construir a incidência estratégica da pauta de crianças, adolescentes e jovens, para buscar assegurar compromissos efetivos das autoridades políticas em relação à proteção de seus direitos, o que inclui, também, a consideração à prioridade absoluta de crianças e jovens no financiamento climático e nas medidas de apoio voltadas ao Sul Global.
Assim, a COP30 deve contribuir com o avanço das discussões sobre o assunto e o envolvimento de diferentes agentes e instituições. Esperamos, enfim, que nela, os agentes envolvidos possam estar imbuídos do compromisso ético e social de responder à fala de uma das crianças que participou da elaboração do Comentário Geral nº 26, de 2023, do Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas, e que em seu último parágrafo traz o seguinte registro de relato ou de clamor do que uma criança gostaria de escutar dos adultos a respeito das mudanças climáticas. Diz ela: “Nós escutamos vocês; aqui está o que vamos fazer a respeito deste problema”. Portanto, façamos, todos nós, o exercício de escutar as crianças e jovens, e de construir com elas e eles as soluções climáticas por um mundo socialmente mais justo e ambientalmente mais equilibrado.
*Assis da Costa Oliveira é professor da UnB, vinculado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares com atuação no Núcleo de Estudos da Infância e da Juventude e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas para Infância e Juventude. Membro do Grupo Temático Direitos, Infâncias e Juventudes do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais. Doutor em Direito pela UnB. Mestre e graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.