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Arquiteta e urbanista, doutora e docente no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPE. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles - Núcleo Recife.

Compaz: quando arquitetura, cidadania e vida urbana se encontram

É simbólica a transformação da ideia inicial de biblioteca-parque em um centro multifuncional que reúne serviços essenciais

Contrariando o momento atual, que nos exige atenção a tantas pautas urgentes, escolho fazer uma pausa para celebrar uma das joias-raras do Recife: o Centro Comunitário da Paz, mais conhecido como Compaz.

A motivação é também pessoal: completo um ano à frente do desafio de escrever esta coluna no Brasil de Fato Pernambuco. Entre erros e acertos, seguimos juntos desbravando e debatendo questões ligadas à vida urbana.

Recentemente, tive a oportunidade de conhecer o Compaz do Alto Santa Terezinha – oficialmente denominado Governador Eduardo Campos. Inaugurado em 2016, ele foi a primeira de seis unidades a ganhar vida na cidade.

Você já o conhece? Se a resposta for não, deixo aqui uma recomendação enfática: vale muito a visita. O Compaz Alto Santa Terezinha se impõe como um verdadeiro espetáculo, implantado no alto de uma “montanha”. A relação entre áreas construídas e espaços livres — praças, quadras, piscina —, o diálogo com a paisagem e com o entorno, é simplesmente ímpar.

Em outras palavras, sua arquitetura e o desenho urbano alcançam uma qualidade raramente vista em nossa cidade. Mais que isso: a forma como essa “fábrica de cidadania” se integra à comunidade é admirável.

Embora tenha nascido como uma política de segurança, o Compaz se consolidou como uma política social de referência. Os resultados devem ser valorizados: houve redução dos índices de criminalidade em seu entorno e, sobretudo, melhorias significativas na qualidade de vida da população. Não por acaso, este equipamento — real, concreto e presente — já foi premiado pela ONU e por diversas instituições internacionais.

Cada unidade do Compaz no Recife se molda ao território em que se insere e aos anseios da comunidade que a cerca. De modo geral, além dos espaços voltados ao lazer e ao esporte, oferecem uma gama de serviços essenciais, como Central do CadÚnico, Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), Centro de Referência de Assistência Social (Cras), Procon, Junta Militar e atendimento à mulher. Há ainda uma programação variada de cursos livres, que ampliam as oportunidades de formação e convivência.

O ponto alto do programa, no entanto, está em sua essência: a biblioteca. E não se trata de uma biblioteca tradicional, ancorada em modelos do século passado. O que se encontra ali é um espaço do século 21 — vivo, dinâmico, que acolhe atividades lúdicas para bebês e crianças, palestras remotas, acesso a computadores, livros, salas de estudo e muito mais.

Como descreve a própria Prefeitura do Recife, “a Rede Compaz é um centro de convivência com proposta político-pedagógica (…). Tem como fundamento o urbanismo social, que exige a integração das políticas públicas que atuam sobre o território e incluem planos e ações conjuntas em infraestrutura urbana”.

Essas palavras se confirmaram quando conheci o Compaz da Joana Bezerra — oficialmente denominado Dom Hélder Câmara — localizado ao lado da estação de metrô e do terminal de ônibus de mesmo nome. Curiosamente, esses equipamentos de mobilidade não apresentam nenhuma das qualidades urbanísticas que marcam o projeto do Compaz.

No dia da visita, encontrei uma verdadeira “bagunça boa”: era sábado de vacinação de cães e gatos. O dojô estava repleto de crianças aprendendo artes marciais; as quadras, tomadas por adolescentes em atividades espontâneas; e, na área do playground, pais e mães acompanhavam seus filhos pequenos.

O espaço vibrava com movimento, em um convívio seguro e plural, que ia da infância à juventude. Um belo “balé urbano”, como diria Jane Jacobs. Apenas os serviços localizados nas chamadas “salinhas” — como Junta Militar, Procon, atendimento psicológico, entre outros — permaneciam fechados naquele fim de semana.

Já o Compaz do Cordeiro — oficialmente denominado Ariano Suassuna — tive a oportunidade de visitar em diversas ocasiões, inclusive no período de retomada após a pandemia da Covid-19. Naquele contexto, seu espaço aberto e protegido do sol servia como ponto de vacinação.

Em outra visita, presenciei um ensaio de maracatu, fruto da iniciativa de um coletivo que oferecia aulas no amplo espaço livre do Compaz. E, em um domingo de calor intenso, confesso que me veio a vontade de mergulhar na piscina, que naquele dia estava fechada ao público, seja “interno” ou “externo”.

Hoje, com seis equipamentos já consolidados, pode parecer “fácil” replicar o modelo do Compaz. Mas certamente não foi assim nos anos que antecederam sua criação. Por isso, é simbólico que um secretário vinculado à área de Segurança tenha levado a proposta à mesa de decisões como uma política pública.

É simbólica a união de diferentes agentes e interesses. É simbólica a coragem de ocupar áreas periféricas com arquitetura e urbanismo de alto nível. É simbólica a transformação de uma ideia inicial — a “biblioteca-parque” — em um centro multifuncional que reúne tantos outros serviços com excelência.

É simbólica, ainda, a superação de diferentes visões sobre como enfrentar a desigualdade social. E é profundamente simbólico pensar em um plano que atravessa gestões, do projeto à execução, com resultados capazes de romper paradigmas arraigados há séculos.

Por isso devemos, sim, nos orgulhar desse equipamento. Claro que o modelo Compaz não é perfeito. Deixo aqui uma provocação: seria desejável ampliar os serviços também para os fins de semana, já que nem todos conseguem resolver suas demandas no horário comercial.

Desse modo, devemos enfatizar que o Compaz é prova concreta de que a mudança de “velhos hábitos” é possível — e de que não podemos nos acomodar. Ele é uma joia-rara materializada que nos lembra que vale a pena enfrentar obstáculos desconhecidos por uma cidade melhor. Ele é uma semente que deve frutificar em muitos outros territórios vulneráveis do Recife e do Brasil.

Caso você ainda não conheça uma de suas unidades, fica o convite: visite, usufrua dos serviços e aproveite seus espaços. Se você mora perto de um Compaz, use-o em toda a sua plenitude. Afinal, o Compaz é de todos. Vivas!

Nota: Além dos três citados na coluna, o Recife conta ainda com o Compaz da Caxangá (Governador Miguel Arraes), o Compaz do Ibura (Professor Paulo Freire) e o Compaz do Pina (Atriz Leda Alves). Neste link (clique aqui) é possível encontrar a localização de todas as unidades do Compaz.

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