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‘A música cuida da nossa identidade e da nossa ancestralidade’, afirma maestro Nailor Proveta 

Clarinetista destaca a música como ferramenta social no cotidiano brasileiro

“A música cuida da nossa identidade e da nossa ancestralidade”, aponta Nailor Azevedo, clarinetista, maestro e professor, conhecido como Proveta, a respeito do poder que a música tem na vida das pessoas. Além de uma experiência sensorial auditiva, ela atua também como instrumento social, com potencial e força para unir pessoas de diferentes classes em prol de um objetivo comum.

“Eu acho que ela (música) traz você assim de forma clara pro lado de fora assim, sabe? As pessoas olham para você e falam: ‘Pô, esse cara deve ser músico, assim, um artista’. O que que é um artista, né? Acho que é a pessoa que é expressa através do som e da imagem, ela pode contribuir com o mundo.”

Além de evidenciar a intensidade em que música se relaciona com o seu cotidiano e vida, Proveta — que ganhou este apelido devido às suas habilidades musicais, que o acompanham desde muito novo — evidencia como a prática musical tem como uma de suas características a aproximação e a união das pessoas.

Em bate-papo com o apresentador Thiago França, o convidado do podcast Sabe Som?, desta sexta-feira (18), salienta como sempre fez música pelo “prazer de fazer no coletivo”, e brinca: “talvez seja a questão desses Vingadores (personagem dos quadrinhos), dessas pessoas que brigam por algo. Eles brigam em grupo”.

Além de ser um dos membros criadores da banda Mantiqueira, hoje com quinze integrantes e mais 33 anos de formação, Proveta relembra que, no início da sua carreira, fazer música ia muito além de minimamente ter a arte como profissão, e sim pela “ideia de fazer parte, de pertencimento.”

O clarinetista também relata a escolha do nome da banda, uma homenagem à Serra da Mantiqueira. “Eu falei: ‘Preciso colocar um nome verde nessa banda.’ E aí pensei: ‘Não tem nada mais forte do que Mantiqueira’, que é uma homenagem ao primeiro povo desse lugar, aos indígenas. É o lugar onde eu cresci, e o cara falou: ‘Deixa, vamos colocar essa referência.’ Então era isso: no Bexiga, no Vai-Vai, tem os italianos, os negros, os nordestinos… e agora, também, um nome indígena. A gente precisava falar sobre isso, porque não tinha essa consciência naquela época — isso era em 89, 90. Já estávamos levantando uma questão ali”, conta.

Apesar de o jazz atualmente não figurar entre os gêneros nacionalmente mais populares, o clarinetista recorda que, historicamente, no cenário musical já “brotou muitas coisas bonitas pelo país”, e que, além dos desafios de mesclar um estilo tão complexo com as nuances da música brasileira, sempre buscou e usou sua arte como instrumento de autoconhecimento.

Proveta salienta que, durante sua jornada como músico e também como professor, já conheceu excelentes artistas. “O Brasil produz muita música e muitos músicos maravilhosos.”

“Um era pedreiro, o outro vendia verdura durante o dia, um era sapateiro, o outro funcionário público que trabalhava na estação do trem, o músico era isso”, destaca Proveta a respeito da pluralidade na cena musical de décadas passadas.

“Quando estiver difícil, deixa bonito”

Apesar de hoje a música ser cada vez mais vista como profissão e fonte de renda, Proveta recorda como,  na sua infância, a produção musical, de modo geral, era vista muito mais como manifestação artística do que, necessariamente, como um trabalho, ofício ou ocupação. Ele relembra que “não existia valorização das pessoas, eram seres humanos que em algum momento no domingo iam ao coreto para tocar para outras pessoas!”

Sobre sua própria evolução e caminhada musical, ele recapitula como a arte estava enraizada em seu convívio familiar e como reproduzir determinada música “não era nada mais do que mostrar o que o meu pai tinha falado para mim”. Neste sentido, ele comenta ainda o quanto a relação com o seu pai foi fundamental para o músico que é hoje, recordando que, segundo seu pai, “quando estiver difícil, deixa bonito”.

O clarinetista também destaca a música como uma importante ferramenta para enfrentar os diversos níveis de desigualdade que existem na nossa sociedade. Para ele, cabe “a gente tentar achar uma solução para o mundo dar uma melhorada. Tocar é isso, é melhorar o mundo”.

Por fim, Proveta aponta que, no universo musical, é importante buscar evolução, mas sem se esquecer de quem ainda está nos passos iniciais, procurando sempre “dar um passo para frente, mas olhar para quem está vindo.” Neste “ecossistema de gente”, como brinca, as raízes também precisam ser constantemente relembradas: “o artesanal não se pode perder”.

O podcast Sabe Som? vai ao ar toda sexta-feira, às 10h da manhã, nas principais plataformas, como Spotify e YouTube Music.

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