A pouco mais de cinco meses da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA), o Brasil está longe de atingir o protagonismo diante da crise ambiental global. No podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, a secretária do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, e o economista e dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, apontaram um sentido contrário: o risco do agronegócio e da mineração se colocarem como “soluções” para a crise climática.
“Estamos correndo o risco de ver essa COP ser capturada por esse grande capital que já está patrocinando um monte de iniciativas, eventos e ações de comunicação relacionados à COP, e está tentando, no contexto internacional, se pautar como a grande prioridade, o grande caminho para a superação da crise climática, o que é uma contradição absoluta”, denuncia Ramos. De acordo com ela, “o agronegócio se coloca como vítima das mudanças climáticas e reivindica recursos para adaptação, sem sinalizar mudanças em seu modelo; já a mineração tenta se apresentar como setor estratégico para a transição ecológica”.
Essa articulação do setor privado, na concepção da secretária do ISA, impacta a imagem do Brasil como protagonista de soluções na área socioambiental. “Essa moral de um país que tem como mostrar a conservação das florestas, a redução do desmatamento, tudo isso está muito limitado pelo momento atual”, afirma Ramos. Ela lamenta o avanço da exploração de combustíveis fósseis e cita o leilão de blocos de petróleo na Foz do Amazonas como um sinal preocupante. “O Brasil não está conseguindo avançar naquilo que já tinha e nem demonstrar uma mudança significativa no seu projeto atual”, avalia.
Para João Pedro Stédile, a COP30 será uma “grande farsa”. Segundo o líder do MST, os governos presentes no evento são controlados pelo capital financeiro, pelas transnacionais e pelo agronegócio. “Qual é a empresa mineradora mais agressora do meio ambiente que mata pessoas no Brasil? A Vale. E a Vale será uma das protagonistas em Belém”, exemplifica. “Depois da privatização, a Vale virou uma máquina de enriquecer acionistas. E agora quer posar de salvadora”, critica.
Stédile também mencionou a tragédia climática no Rio Grande do Sul em 2024 como reflexo da negligência do Estado diante da crise. “Os R$ 88 bilhões que o governo gastou foram em asfalto e ponte. Nem as casas conseguiram construir. Ainda temos 17 mil famílias em abrigos públicos”, lamenta.
Os dois entrevistados também criticaram o projeto apelidado de “PL da Devastação”, que tramita no Congresso e desmonta o licenciamento ambiental. “A sensação é de que a relação com o Congresso faz o governo, de certa forma, estar um pouco refém, mas também dá mais força para os setores que são mais retrógrados em matéria socioambiental. O PL da Devastação é o símbolo da tentativa do setor privado de desregular as suas atividades”, pontua Adriana Ramos.
Contraponto
Apesar do ceticismo em relação aos espaços oficiais da conferência, ela destaca a importância das mobilizações populares. “Cabe à sociedade civil se manifestar. As últimas COPs aconteceram em países ditatoriais, então as grandes marchas não existiram. Este ano, precisamos marcar presença nas ruas e dentro dos espaços, como já aconteceu em Bonn, na Alemanha, na preparatória da COP, onde a sociedade civil questionou o governo brasileiro pelos leilões de petróleo”, diz.
O MST “não tem nenhuma ilusão com a COP”, mas o movimento estará presente no evento com o intuito de contrapor o que se desenha para ele. “Como é de direito da democracia, nós vamos procurar usar o espaço de Belém para protestar, para manifestar para o mundo a indignação que nós temos. Nós não podemos ficar calados diante de tantos crimes das mineradoras e da situação que está atingindo toda a população brasileira”, afirma Stédile.
A COP 30 será realizada entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém (PA), e deve reunir chefes de Estado, empresas, ONGs e representantes de povos indígenas e movimentos sociais.
O videocast Três Por Quatro vai ao ar toda quinta-feira, às 11h ao vivo no YouTube e nas principais plataformas de podcasts, como o Spotify.