Segurança

Mudanças na CLT e na Previdência podem agravar "epidemia" de acidentes de trabalho

Sinalizações do governo Bolsonaro deixam trabalhadores ainda mais vulneráveis. Pior para os terceirizados e informais

Brasil de Fato | São Paulo |

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Reforma trabalhista fez aumentar os índices de acidentes de trabalho no Brasil
Reforma trabalhista fez aumentar os índices de acidentes de trabalho no Brasil - Fábio Robrigues Pozzebom/Agência Brasil

As diretrizes econômicas do governo Jair Bolsonaro (PSL) podem agravar os números de acidentes de trabalho no Brasil -- que matam mais do que várias epidemias pelo mundo. Nos últimos sete anos, foram registrados 4,5 milhões, dos quais 16.900 foram fatais. Os dados estão disponíveis no site do Observatório Digital de Saúde e Segurança no Trabalho, plataforma desenvolvida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A advogada trabalhista Maíra Calidone Recchia Bayod alerta que o número real de acidentes pode ser ainda maior: "Da mesma forma como acontece com a violência doméstica, que há uma subnotificação, os trabalhadores informais não entram nessa estatística. Em muitos casos, o trabalhador se acidenta e a empresa não abre a CAT, que é a Comunicação por Acidente de Trabalho. Esses números, que já são alarmantes, podem ser ainda maiores”. 

Um dos fatores que eleva a subnotificação dos casos de acidentes de trabalho é a informalidade, que vem aumentando no Brasil desde a aprovação da reforma trabalhista, aprovada em 2017. O cenário preocupa o Procurador do MPT, Leonardo Mendonça. 

"A subnotificação de acidentes de trabalho é um problema mundial. A OIT, Organização Internacional do Trabalho, tem estudos que indicam que, a cada acidente de trabalho notificado, nós podemos ter até sete não notificados", explica. "O aumento da informalidade preocupa bastante, porque na informalidade, normalmente, os acidentes não são notificados”. 

Outro sinal de alerta foi acendido pela terceirização irrestrita, como explica o advogado especialista em direito do trabalho Vinícius Cascone. 

"Com a flexibilização das relações trabalhistas no Brasil, ampliou-se a terceirização de forma irrestrita. Então, essas terceirizadas não dão o mesmo treinamento aos seus empregados que a empresa tomadora dá. O trabalhador não está habilitado para operar em um ambiente inseguro. Ele não tem equipamento de proteção adequado, e quando é fornecido são insuficientes", lamenta.

Além da subnotificação, Cascone chama atenção para outras situações não notificadas como acidente de trabalho, mas que impactam diretamente a saúde do trabalhador: “Quando falamos em acidente de trabalho, a gente não está falando só daqueles acidentes típicos. Também estão as doenças ocupacionais relacionadas. Aquela pessoa que está exposta a um contaminante químico, por exemplo, ou um agrotóxico”.

De 2012 a 2019, os acidentes de trabalho custaram quase R$ 78 bilhões à Previdência Social, segundo o MPT. Nessa conta, estão gastos com auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e auxílio-acidente. Considerando apenas as novas concessões, entre 2012 e 2017 foram gastos mais de R$ 26 bilhões.

Fiscalização sucateada

A precarização do sistema de fiscalização torna o cenário ainda mais alarmante. Um levantamento realizado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) em 2018 revelou que dos 3.644 cargos existentes, 1.317 estão vagos. O número atual de 2.327 profissionais é o menor em 20 anos.

A situação contraria o artigo 10 da Convenção 81 da OIT, que estabelece que os países devem manter “quantitativo suficiente de auditores-fiscais do trabalho em relação ao número de estabelecimentos, de trabalhadores, além de observar as exigências demandadas pela complexidade de suas legislações trabalhistas”.

O Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação para que seja observado pela união o número adequado de auditores-fiscais, considerando o tamanho da população trabalhadora.

Outra preocupação dos especialistas é em relação ao fim do Ministério do Trabalho e ao fatiamento das secretarias. Toda a estrutura de fiscalização, no governo Bolsonaro, está sob responsabilidade do Ministério da Economia, comandado pelo ultraliberal, Paulo Guedes. 

“O fiscal vai estar subordinado ao Ministério da Fazenda, que tem um claro condão liberal de flexibilização, de deixar que a fiscalização seja feita pelas próprias empresas. Então, o nosso entendimento é que mais uma vez, a extinção do Ministério do Trabalho tem o claro condão de afastar a fiscalização do estado em relação às relações de trabalho e o descumprimento da lei”, afirma Cascone.

O Brasil tem uma população economicamente ativa de mais de 104 milhões de trabalhadores, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). 

E agora, quem poderá nos defender?

O presidente Jair Bolsonaro afirmou em diversas ocasiões que pretende acabar com a Justiça do Trabalho. Cascone lamenta as declarações do mandatário e lembra a importância da Justiça trabalhista na defesa dos interesses dos trabalhadores, a parte mais fraca de uma relação laboral. 

“Nós entendemos que a Justiça do Trabalho cumpre um papel fundamental para a paz social, para o equilíbrio, ao tentar minimizar as diferenças que existem nas relações de trabalho. Além de ser uma justiça altamente especializada, que entende a questão”, finaliza.

O governo não detalhou como pretende fazer as mudanças na Justiça do Trabalho. Advogados trabalhistas e juristas pretendem realizar um ato em São Paulo no dia 21 de janeiro em defesa da Justiça do Trabalho e dos direitos sociais. 

Edição: Guilherme Henrique