Bolívia

Bolívia: Repressão a protestos contra o golpe de Estado já provocou dez mortes

Evo Morales pede intervenção da ONU e do Papa Francisco; "Militares e policiais estão nos matando", diz ativista

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Forças armadas e policiais aderiam ao golpe que levou à renuncia de Evo Morales
Forças armadas e policiais aderiam ao golpe que levou à renuncia de Evo Morales - Foto: Ronaldo Schemidt/AFP

Continua tensa a situação política da Bolívia. Na madrugada desta quinta-feira (14), o ex-presidente Evo Morales, que renunciou no último domingo (10), pediu socorro externo para o país.

“Peço a organizamos internacionais como a ONU, países amigos da Europa e instituições como a Igreja Católica, representada pelo irmão Papa Francisco, acompanharmos no diálogo para pacificar nossa querida Bolívia. A violência atenta contra a vida e a paz social”, disse, em uma manifestação via Twitter.

Nas ruas do país, o cenário segue em clima de agitação permanente, com manifestações populares em diferentes regiões, barricadas e agressões. Os conflitos já resultam em pelo menos dez mortes provocadas pela repressão ostensiva nas ruas, sendo parte delas por armas de fogo e outras por espancamento, asfixia, entre outras motivações.

 

Evo denunciou o caráter racista do golpe e a violência dirigida às populações mais humildes e tradicionais do país andino (Foto: Ronaldo Schemidt/AFP)

“Os militares e os policiais estão nos matando”, disse a advogada e ativista Nadesdha Guevara, em conversa com o Brasil de Fato.

Moradora de La Paz, ela contou à reportagem que a marcha de camponeses à capital, iniciada na segunda-feira (11), se desdobra na chegada constante de novos grupos à cidade, que permanece em estado de agitação popular.

“Chegaram irmãos das províncias para poder descer para La Paz e também se está esperando uma instância máxima de decisão popular de todas a organizações e distritos da cidade de El Alto que também vão descer depois do meio-dia”, narra, em referência ao clima na capital nesta quinta-feira (14) turbulenta.

No início desta tarde, Evo Morales fez nova postagem nas redes sociais pedindo apoio para apaziguar a situação no país.

“Reitero meu pedido de um diálogo com acompanhamento nacional e internacional para pacificar nossa querida Bolívia. A paz social, a inclusão, a democracia são os valores essenciais de convivência de nosso povo”, disse o líder do Movimento ao Socialismo (MAS).

::OEA reconhece presidenta autoproclamada e Evo denuncia: "O golpe vem dos EUA"::

“Estes são dias muito ácidos, muito duros para o povo boliviano, que tem sido duramente reprimido e morto pelo golpe fascista do Comitê Cívico pró-Santa Cruz em cumplicidade com setores conservadores de direita e que, permanentemente, têm confundindo e desorientado a população sobre a democracia, sobre a ditadura, [falando] que agora se vai recuperar a democracia, que com eles se vão ter liberdade”, critica, mencionando que os atores políticos conservadores promovem campanhas de desinformação para a população.

Para a ativista, o levante popular massivo que toma as ruas do país não era esperado pelos opositores: “Compraram a polícia, os militares, os dirigentes, mas não contavam com um povo organizado que está  disposto a afrontá-los. Essa é uma luta, e denominamos assim, como a resistência popular antifascista”.

A também ativista Jazmin Quispe destaca a rejeição popular dos marchantes à figura de Jeanine Añez. Vinda de uma bancada parlamentar minoritária, a senadora se alçou à presidência após uma sessão legislativa que não atingiu quórum e, portanto, não foi oficialmente realizada. Sua chegada ao poder tem sido alimentada, entre outras coisas, por grupos conservadores fundamentalistas e sexistas.  

“Não querem que Añez seja presidenta porque também é uma racista”, acrescenta Quispe.

 

Apoiadores de Evo em protesto contra o golpe, descendo uma das ladeiras que ligam El Alto a La Paz (Foto: Ronaldo Schemidt/AFP)

Respaldo dos EUA

Evo Morales rechaçou a postura dos Estados Unidos diante dos movimentos da senadora Jeanine Añez, que se autoproclamou presidenta interina do país na noite de quarta-feira (13).

Uma manifestação do subsecretário de Estado dos EUA para a América Latina, Michael Kozak, sinalizou o apoio do país à parlamentar. “Esperamos ansiosamente trabalhar com ela e outras autoridades civis do país enquanto se organizam eleições livres e justas o mais rápido possível, de acordo com a Constituição”, afirmou Kozak.

A reação de Evo Morales veio na sequência: “Condenamos a decisão de Trump de reconhecer o governo ilegítimo e autoproclamado pela direita. Depois de impor Guaidó, agora proclama Áñez. O golpe de Estado que provoca mortes dos meus irmãos bolivianos é uma conspiração política e econômica que vem dos Estados Unidos”, apontou o líder.  

A Rússia também somou sua voz à de apoiadores de Áñez. Apesar de o país já ter classificado a situação boliviana como “golpe de Estado” ao afirmar que a forma como Evo saiu do poder não teria sido por um processo legítimo, o vice-ministro das Relações Exteriores, Sergey Riabkov disse, nesta quinta, que “está claro que é ela quem será considerada líder da Bolívia até a eleição de um novo presidente”.

::"Se tenho algum pecado é ser indígena", afirma Evo Morales ao desembarcar no México:: 

Enquanto a instabilidade política boliviana repercute no mundo, Evo Morales segue no México, onde obteve asilo político. Durante uma coletiva de imprensa na quarta (13), o ex-presidente demonstrou disposição em retornar ao país: "Se meu povo pedir, estamos dispostos a voltar para apaziguar, mas é importante o diálogo nacional. Vamos voltar cedo ou tarde. Quanto antes, melhor para pacificar a Bolívia".   

O ex-mandatário deixou o cargo após intensas pressões de opositores – apoiados pelo Exército – que contestam o resultado das urnas nas últimas eleições, em outubro, quando o presidente de origem indígena se reelegeu pela quarta vez. Ele ocupava o posto desde 2006.

Em meio à confusão que se instalou no país nos momentos anteriores à renúncia, a casa de Morales foi depredada e saqueada, bem como houve ataques a outras residências, que chegaram a ser incendiadas por grupos liderados por opositores do governo.

Edição: Rodrigo Chagas