#CaixaTemNada

Após 40 dias de isolamento, trabalhador informal ainda não consegue obter o auxílio

Governo federal anuncia segunda parcela, mas trabalhadores denunciam dificuldade do pagamento na primeira

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Caixa lança um segundo aplicativo para o pagamento do auxílio emergencial, Caixa Tem, que não funciona. - Antônio Cruz | Agência Brasil

“Eu vi na TV que vai sair já segunda parcela, mas não recebi nem a primeira." A reclamação da fiscal de caixa, Daniele Gomes Salviano, 34 anos, é sobre a parcela do auxílio emergencial, aprovada pelo Congresso no dia 30 de março, de R$ 600 para trabalhadores sem carteira assinada, incluindo autônomos, e que tenham contrato intermitente, ou seja, que recebem por hora ou dia trabalhado.

A Caixa Econômica Federal anunciou, nesta segunda-feira (20), que antecipará o pagamento da segunda parcela do auxílio. O valor deve ser depositado a partir desta quinta-feira (23), em um calendário que segue o mês de nascimento dos beneficiários. Entretanto, o relato de muitos trabalhadores parados há mais de quarenta dias, é que não foi possível acessar nem a primeira parcela do auxílio.

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É o caso de Daniele, moradora da periferia da zona sudeste de São Paulo, ela está desempregada desde o ano passado quando teve que se demitir para cuidar da saúde da filha de 11 anos.

Com a quarentena da pandemia do novo coronavírus está com ainda mais dificuldade de encontrar emprego ou trabalhos temporários. Ela buscou a renda emergencial desde o primeiro dia de liberação do governo, 7 de abril, mas ainda não conseguiu ter acesso ao recurso. Atualmente vive com o auxílio da aposentadoria da mãe de 69 anos. 

“Quando foi ontem, que a minha internet chegou, que eu estava sem, eu fui ver mostrava o valor, mas não estava conseguindo transferir. Na hora que eu entrei no Caixa Tem apareceu o valor do saldo e aí transferência, na hora que eu ia colocar na conta poupança aparecia assim que eu tinha que transferir ou para outra pessoa ou pra outra empresa e no caso eu queria para minha poupança.  Eu tentei até numa conta da minha filha, mas não consegui também”, relata Salviano, que está sem Whatsapp porque seu celular não tem memória suficiente para suportar o aplicativo de comunicação e os do banco.

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O Caixa Tem é um segundo aplicativo do governo federal direcionado para o pagamento do auxílio emergencial, após análise e aprovação no primeiro dispositivo do governo para cadastramento.

Ela resolveu arriscar a saúde e ir a uma agência bancária da Caixa Econômica Federal para tentar conseguir acesso ao auxílio emergencial, porque as consequências da demora são “complicadas” dentro de casa. “Tenho uma filha, que depende de mim e dela [avó] também, e está difícil, porque está difícil o serviço. O quanto antes chegar melhor para trazer compra pra dentro de casa, alimento pra mim já é uma ajuda", afirma.

Na periferia da zona sul da capital paulista, o músico Taiguara Oliveira Cruz, de 27 anos, também está com problemas para acessar o aplicativo Caixa Tem e receber o benefício. Trabalhador autônomo, ele viu os eventos e a renda caírem com o isolamento social de proteção contra a covid-19.

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“Eu solicitei o auxílio e está dando problema no aplicativo. Anteriormente não estava dando certo o código, mas agora consegui passar. Eles estão pedindo para baixar outro aplicativo para continuar o procedimento do pagamento e estão dizendo que já depositaram na conta, uma que fizeram. Porém, eu preciso baixar esse aplicativo para conseguir consolidar esse pagamento e eu não estou conseguindo, está dando sistema indisponível”, explica o músico. Ele chegou a baixar o Caixa Tem, mas não consegue carregar os dados, segundo ele o aplicativo “está cheio de problemas”.

Cruz também ressalta que o fato do pagamento não cair atrapalha bastante nas despesas da casa.“Está atrasando a minha vida e de todo mundo”, desabafa ele, que também vai ao banco. “Eu não queria sair por causa do coronavírus, mas se eu ficar aqui em casa eu não vou receber esse benefício não", afirma.

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Em análise

Para a família de Margarida Lopes*, moradora da Zona Oeste de São Paulo, ir ao banco não é uma possibilidade, uma vez que nas poucas saídas de casa ao mercado e à farmácia o que observa são aglomerações de pessoas nas agências bancárias da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.

“A gente ainda não optou ir ao banco por questão de saúde mesmo. Eles dois [o marido e o filho de 3 anos] são grupos de risco, porque tem problemas respiratórios”, afirma Lopes, que buscou informações pelos aplicativos e canais digitais disponibilizados pelo governo federal, mas não obteve resultados positivos.

Ela é pedagoga e assalariada, mas o marido é freelancer da área de eventos e não tem conseguido trabalhar no período de quarentena. “A gente fez o pedido do auxílio emergencial pra ele apenas, porque é o justo. Fizemos isso no dia que abriu e desde então está em análise. Nossa renda sem a dele é baixa”, explica.

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Lopes relata ainda que a maior dificuldade é a incerteza de saber quando ou mesmo se o auxílio vai sair. “A consequência vai ser sentida no mês que vem, vai ser sentida no pagamento das contas e a gente vai tentar fazer o balanço caso o auxílio não chegue, como já estamos quase no fim do mês e não temos projeção. E trabalhar sem projeção com uma criança em casa é muito complicado", aponta.

A mãe solteira e trabalhadora autônoma, Flora Castro Santos, de 28 anos, também está sentindo na pele a agonia de não saber quando ou se terá acesso à renda emergencial. Ela vive com os filhos de 10 meses e 8 anos na cidade de Guarulhos, região metropolitana da capital paulista, e trabalha como professora de dança e auxiliar de cabeleireiro.

“Não posso exercer nenhuma das duas profissões por conta que são presenciais, não tem como eu fazer home office. A única fonte de renda que eu estou tendo no momento é a pensão de R$ 400 da minha filha mais velha. Me inscrevi na renda emergencial logo no segundo dia (8), desde então estou em análise”, conta Santos, que também está no grupo de risco por estar no período do pós-parto.

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Enquanto o auxílio não sai, ela tem conseguido suporte com a família e com grupos de mulheres e mães que se uniram em uma rede de apoio. “Quem tem mais, ajuda a mana que precisa. Quem tem menos pede o que precisa e assim a gente está se virando”, define ela, que aponta que o problema atinge toda uma cadeia de pessoas.

“As contas estão paradas e são muitas. Dependo também do serviço de muita gente autônoma, dou preferência para esse serviço. Então estou com muitas dívidas que, para além das contas, não são para grandes empresas, mas para pessoas e para famílias, que também dependem desse auxílio e que ainda não receberam", aponta.

#CaixaTemNada

A demora no recebimento do auxílio emergencial e os problemas tanto no cadastro quanto na utilização do aplicativo Caixa Tem levaram à mobilização, nas redes sociais, de trabalhadores e trabalhadoras com as mesmas questões de Daniele, Taiguara, Margarida e Flora.

Na manhã de terça-feira (21), muitos beneficiários reclamaram no Twitter através da hashtag #CaixaTemNada, que ficou entre as mais comentadas e reuniu relatos de pessoas que aguardam o recurso. 

Confira algumas postagens
 


O Ministério da Cidadania, responsável pelo pagamento do benefício, argumentou em nota que informações sobre os aplicativos devem ser tratadas com a Caixa Econômica Federal, que até o fechamento da reportagem não retornou ao Brasil de Fato.


*Nome fictício, a entrevistada preferiu preservar a identidade.

Edição: Leandro Melito