medidas severas

Após quarentena rigorosa, Índia tem 2 casos a cada 100 mil habitantes; Brasil tem 35

País asiático adotou as medidas de isolamento mais rígidas entre todas as nações afetadas pela pandemia

Brasil de Fato | Nova Delhi (Índia) |

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Trabalhadoras costuram máscaras durante bloqueio nacional imposto pelo governo da Índia como medida preventiva contra coronavírus - Arun Sankar / AFP

Quase 50 dias após registrar a primeira morte por covid-19, a Índia começa a colher os frutos de um período de isolamento rigoroso. E não se trata apenas do azul que voltou a colorir o céu de Nova Delhi, capital do país e uma das cidades mais poluídas do planeta.

O pais asiático contabiliza 2,32 casos do novo coronavírus para cada cem mil habitantes. Para se ter uma ideia, o índice no Brasil é de 34,8. Ou seja, a incidência proporcional do vírus é 15 vezes maior do que na Índia.

O número de mortes por covid-19 também parece refletir a eficácia das medidas de distanciamento social, consideradas as mais restritivas entre todas as nações afetadas pela pandemia. Até o momento, a doença matou 1.008 indianos — um quinto do número registrado no Brasil, que tem uma população seis vezes menor.

“Países adotam diferentes critérios para definir quem será testado, que tipo de testes serão feitos e com qual intensidade. Por isso, as comparações com base em números absolutos nem sempre são ideais”, explicou o médico Prashanth Nuggehalli Srinivas, pesquisador do Instituto de Saúde Pública (IPH) em Bangalore, no sul da Índia, em entrevista ao Brasil de Fato.

“É preciso sempre considerar as diferenças populacionais e as políticas de testes adotadas. Mas é claro que qualquer medida que reduza a chance de as pessoas se encontrarem e conviverem, como fez a Índia, tende a funcionar, porque desacelera a transmissão”, completou.

Ambos os governos reconhecem que há subnotificação dos casos. A Índia testou cerca de 550 mil pessoas até o momento. O governo brasileiro não sabe informar quantos testes foram feitos nem quantos kits para testagem estão disponíveis.

Um levantamento da Universidade de Oxford, no Reino Unido, colocou o Brasil em 60º lugar entre 75 países, considerando o número de testes de covid-19 realizados até o momento para cada 1 milhão de habitantes. A Índia aparece na 66ª posição.

Nas últimas 24 horas, o Brasil teve 5.789 novos casos e 480 mortes por coronavírus. A Índia registrou 1.897 novos casos e 73 óbitos por covid-19. O número de pacientes recuperados é de 32,5 mil no Brasil e 7,5 mil na Índia.

Perspectivas

A quarentena na Índia, que começou no dia 24 de março, está prevista até 3 de maio. Porém, há expectativa de que as políticas de isolamento sejam estendidas por mais duas semanas em cinco estados, incluindo as regiões de Nova Delhi e Mumbai, cidades mais populosas do país.

Por enquanto, as ruas seguem vazias em todo a Índia. Só se a admite circulação de trabalhadores de serviços essenciais e de quem sai de casa para comprar comida ou medicamentos. Mesmo nesses casos, há relatos de violência e repressão policial contra cidadãos que teriam "rompido a quarentena", especialmente no interior do país.

Os estados mais afetados são Delhi, Maharashtra, Madhya Pradesh, Gujarat e Uttar Pradesh, no centro, na costa oeste e no norte do país.

O principal desafio, segundo analistas, será o custo social e econômico da paralisação. O primeiro-ministro Narendra Modi anunciou dois pacotes de auxílio totalizando o equivalente o R$ 123 bilhões. Mesmo assim, pesquisas apontam dezenas de mortes causadas pelo abandono do Estado aos trabalhadores migrantes e às famílias vulneráveis durante a pandemia.

A Índia tem 800 milhões de pessoas em situação de pobreza e quase 90% da força de trabalho atua na informalidade, sem nenhum tipo de seguridade social. Cerca de 600 milhões de indianos têm escassez de água e 194 milhões estavam subnutridos antes mesmo do início das paralisações.

Alerta

O governo indiano investe menos de 1,3% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em saúde. Há um mês, o país era visto como um “terreno fértil” para o vírus, devido a suas mazelas históricas e perfil demográfico — falta de saneamento básico e alta densidade populacional nas periferias das grandes cidades, por exemplo.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o médico indiano Mradul Kumar Daga ressaltou que, enquanto a ciência busca compreender as origens e o comportamento do novo coronavírus, não há medida mais eficaz que o isolamento social.

“Não tenho dúvidas de que o vírus estará por aí. Ele vai continuar circulando por um bom tempo”, disse. “Foi assim com a gripe suína de 2009, que vai e vem. Talvez a saída seja alternar os períodos de isolamento, com as informações que temos hoje. Mas não há razão para pânico, porque a severidade e os números caem ao longo dos anos. Então, a covid-19 seguirá conosco, mas será menos letal com o passar do tempo”.

Sobre os méritos da Índia na contenção da pandemia até o momento, o médico indiano cita o exemplo do estado de Kerala, na região sul, que realizou testes massivos e adotou quarentenas de 28 dias — o dobro do recomendado pela OMS.

O setor privado concentra 72% dos hospitais e 60% dos leitos hospitalares na Índia. O governo central cogita transformar parte das instituições privadas em unidades de atendimento exclusivo a pacientes de coronavírus, para aliviar a sobrecarga do setor público após a quarentena. O Ministério da Saúde não divulgou o valor estimado do investimento nem quais hospitais estariam na mira do Estado.

Sem políticas de isolamento social, o sistema público indiano — menos abrangente que o Sistema Único de Saúde (SUS) — não seria capaz de absorver o aumento do número de pacientes durante a pandemia. Hoje, nenhuma cidade indiana registra falta de leitos de UTI para tratamento da covid-19, ao contrário do que ocorre em capitais brasileiras como Manaus, Belém, Fortaleza e Rio de Janeiro.

Jair Bolsonaro (sem partido) é um dos quatro chefes de Estado que se omitiu ou se posicionou contra medidas de isolamento social para conter o vírus. Completam a lista Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, Aleksandr Lukashenko, da Bielorrússia, e Emomali Rakhmov, do Tajiquistão.

Edição: Vivian Fernandes