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Artigo | Uma análise política das eleições na Venezuela: o que esperar do futuro?

Vitória consolida voto chavista e nasce uma nova oposição no país; veja uma retrospectiva das eleições desde 1998

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Chavismo recupera fôlego para enfrentar os desafios do bloqueio e de adversários poderosos como os EUA - Carlos Garcia / Agência Brasil

Em uma eleição histórica, o povo venezuelano elegeu parlamentares para uma nova Assembleia Nacional, no último domingo (6). 

De 20 milhões de eleitores com o direito a exercer o voto, houve uma participação 30,50% (6.251.080). O Gran Polo Patriotico Simón Bolívar (GPPSB), liderado pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) obteve 68,43% dos votos válidos (4.277.926) e a coligação de oposição, composta por AD, Copei, CMC, AP, El Cambio, obteve 17,52% dos votos válidos (1.095.170), a coligação composta por VU, VP, VPA obteve 4.15 % dos votos válidos, o Partido Comunista da Venezuela (PCV) obteve 2.7% e outros partidos obtiveram 6,48% dos votos válidos.

Como podemos observar, a partir das últimas atualizações, o chavismo obteve uma contundente vitória, com quase 70% dos votos válidos. Uma nascente oposição obteve um importante resultado nessa eleição, o desafio para essa oposição é acumular politicamente nessa legislatura e obter um reconhecimento internacional.

Mas, para compreender o processo eleitoral desse 6 de dezembro na Venezuela, precisamos observar o histórico de resultados nos últimos anos e também a situação política e econômica em que vive atualmente o país. Ou seja, ampliar nosso olhar sobre os processos eleitorais nos últimos anos.

Primeiro, devemos destacar que historicamente as eleições para o parlamento e para eleger governadores e prefeitos não têm a mesma participação que se observa nas eleições para a Presidência da República. Aqui vamos fazer o comparativo histórico – dos resultados e contextos – entre as eleições parlamentárias e as eleições para a presidência.

Histórico dos resultados eleitorais, entre 1998 e 2017

Em 1998, tivemos eleições presidenciais na Venezuela. Nessa eleição, Hugo Chávez é eleito pela primeira vez, a época Chávez liderava o Movimento V República. Estavam habilitados para votar no pleito 10.959.530 eleitores. Houve participação de 63,76% (6.988.291 eleitores). Hugo Chávez venceu com 56,20 % dos votos (3.613.685) e o segundo colocado obteve 39,97% dos votos (2.613.161).

Naquele mesmo ano, ocorreram também eleições parlamentárias. À época, a Venezuela tinha outra Constituição e o parlamento era bicameral, com 207 deputados e 54 senadores. A participação nessas eleições foi de 53,5%.

No ano 2000, novas eleições parlamentárias já com uma nova Constituição, aprovada em 1999. A população de eleitores era de 11.705.702 habitantes. A participação foi de 56,05% (6.560.503 votantes).

Em 2005, a Venezuela realizou eleições parlamentárias num contexto pós-golpe de estado contra Chávez e boicote petroleiro. Naquela eleição, a oposição decidiu não participar. Estavam habilitados a votar 14.272.964 eleitores. A participação foi de 25,26% (3.604.741) e a abstenção foi de 74,74% (10.668.223). As forças chavistas se postularam novamente como Movimento V República (MVR). Chávez ainda não tinha fundado o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o MVR obteve 60% dos votos (2.041.293).

Em 2006, novamente eleições presidenciais e Chávez disputava a reeleição. Naquele momento, Chávez já tinha declarado o caráter socialista da Revolução Bolivariana. Haviam 15.784.777 eleitores que poderiam ir às urnas. Com uma participação de 74,7% (11.790.397), Chávez é reeleito presidente com 62,84% dos votos (7.309.080) e Manuel Rosales obteve 36,90% dos votos (4.292.466).

Em 2010, novamente eleições parlamentárias, dessa vez com participação de toda a oposição. Poderiam exercer seu voto, 17.772.768 venezuelanas e venezuelanos. A participação foi de 66,45% (11.097.667). O PSUV obteve 48,13% dos votos (5.423.324) e a oposição, que saiu como Mesa de la Unidad Nacional (MUD), obteve 47,22% dos votos (5 .320.364). Nessa eleição, o Partido Patria para Todos (PPT) que se identifica como chavista, obteve 3,14% dos votos (353.979). Das 167 cadeiras da Assembleia Nacional, o chavismo ficou com 98 e a oposição com 65 cadeiras.

Em 2012, o país celebrou novas eleições para presidente e Chávez disputava um terceiro mandato. Estavam habilitados 18.903.143 eleitores. A participação foi de 80,56% (15.146.096) e o presidente Chávez ganha com 55,07% dos votos (8.191.132). O opositor Henrique Capriles obteve 44,31% dos votos (6.591.304).

Com a morte do comandante Hugo Chávez, foram convocadas novas eleições presidenciais em 2013. A população que poderia votar era de 18.904.364 pessoas. A participação foi de 79,68% (15.059.630). Novamente, o chavismo vence, mas de forma muito mais apertada. Nicolás Maduro Moros é eleito com 50,61% dos votos (7.587.579) e Henrique Capriles perde mais uma vez as eleições, obtendo desta vez 49,12% dos votos (7.363.980).

Em 2015, novas eleições parlamentárias, com 19.504.106 eleitores aptos. A participação foi de 71% (14.385.349). A oposição vai às eleições e vence com 56,21% dos votos (7.728.025). O chavismo obteve 40,92% dos votos (5.625.248). Desta forma, a composição da Assembleia Nacional ficou com 112 cadeiras para a oposição e 55 cadeiras para o chavismo.

O contexto social e econômico dos resultados eleitorais

Na eleição para presidente em 2006 e para o parlamento em 2010, o contexto político, econômico e social do país era muito particular: toda a oposição decidiu participar nessas eleições; Chávez liderava a Revolução Bolivariana e tinha o respeito e o reconhecimento internacional; a situação econômica do país era muito confortável, com uma grande entrada de divisas estrangeiras fruto da venda de petróleo e o avanço nos programas sociais da Revolução Bolivariana estava em plena etapa ofensiva, atingindo milhões de venezuelanos e venezuelanas.

As eleições presidenciais de 2012 e 2013 foram as mais disputadas na história recente do país. Na primeira, a liderança de Chávez foi decisiva e pesou a balança garantindo a vitória com 55,07% dos votos, e, na segunda, a ausência da liderança de Chávez também pesou de forma desfavorável para o chavismo, representado por Nicolás Maduro Moros, equilibrando a balança.

Nas eleições de 2015, o contexto já era totalmente diferente. O país já sofria os efeitos do bloqueio e das sanções econômicas. A administração Obama tinha emitido a Ordem Executiva (13.692), declarando a Venezuela como uma ameaça à segurança Nacional dos Estados Unidos. Era o marco inicial da guerra econômica e financeira contra o país.

Naquele ano, a oposição saiu em unidade nas eleições e garantiu a mesma quantidade de votos que obteve em 2013. Mas as forças do chavismo não tiveram o mesmo desempenho.

Com aquela vitória, a oposição cometeu um erro estratégico de querer usar a maioria obtida na Assembleia Nacional para tirar Nicolás Maduro da presidência de forma inconstitucional, ou seja, escolheu novamente a via do golpismo. Na dia da posse dos deputados, o presidente da assembleia, à época Henry Ramos Allup, afirmou que em seis meses tirariam Maduro do comando do Executivo Nacional.

Sem conseguir tirar Nicolás Maduro de Miraflores, apostaram na radicalização, cometendo mais um erro estratégico. As Guarimbas de 2017 deixaram o país imerso em mais de 100 dias de violência. Foram assassinados 172 venezuelanos, sendo seis queimados vivos. Ao menos outros 1.934 ficaram feridos.

Diante desse cenário, o presidente Nicolás Maduro convoca uma Assembleia Nacional Constituinte. A oposição novamente decide não participar do processo, como tinha feito em 2005. Na eleição da Assembleia Nacional Constituinte, mais de oito milhões venezuelanos e venezuelanas foram às urnas. Houve uma participação de 41,5% do eleitorado, que marcou a retomada do voto chavista.

As eleições presidenciais de 2018 e parlamentárias de 2020

Em 2018, a Venezuela realizou eleições presidenciais como manda a Constituição. Com pouco mais de 20 milhões de eleitores aptos a votar, 46% foram às urnas (9 milhões). Novamente a extrema direita boicotou o pleito e não participar, mas, uma oposição que podemos chamar de democrática participou. O presidente Nicolás Maduro foi reeleito presidente para o período 2019-2025, com 6.248.864 votos (67,84%). O candidato opositor Henri Falcon ficou em segundo lugar com 1.927.958 votos (20,93%).

O contexto econômico, politico e social desses processos eleitorais de 2018 e 2020 já é bastante diferente do contexto de 2015. Aqui o país já vive um aprofundamento das sanções e do bloqueio econômico, o desabastecimento induzido de alimentos e produtos básicos nos supermercados, um ataque à moeda nacional, boicote interno aos serviços básicos (exemplo: apagão em todo o país em 2019, água, luz, e gás) e desabastecimento de gasolina (aprofundado nesse ano de 2020), consequência direta das sanções e do bloqueio.

Também já é um período de não reconhecimento internacional da oposição golpista. A direita novamente foi para uma nova investida no ano de 2019, com o autoproclamado Juan Guaidó, esse foi mais um erro estratégico da extrema direita. A farsa Juan Guaidó já teve sua data de validade vencida nesse último dia 6 de dezembro. O ano de 2019 foi de derrotas para a extrema-direita.

Chegamos em 2020, com um chavismo fortalecido e uma direita desmoralizada e acumulando fracassos nos seus intentos de golpes de Estado, fruto dos seus erros estratégicos cometidos nesses últimos anos. Com a pandemia do covid-19, o governo bolivariano demonstrou uma grande capacidade e realizou um efetivo controle da pandemia, o que fez com que a população em geral reconhecesse o excelente trabalho no tratamento do covid-19. Ao observar essa conjuntura, a extrema-direita novamente opta por não participar nas eleições do último 6 de dezembro.

Mesmo sendo cumpridos os acordos da Mesa de Diálogo Nacional entre as forças da oposição e do chavismo, ocorrram mudanças no Conselho Nacional Eleitoral, inclusive com a troca da presidência do CNE, com a saída de Tibisay Lucena sendo substituida por Indira Alfonzo e o indulto presidencial dado por Nicolás Maduro a 110 membros da oposição venezuelana.

Todas as garantias foram dadas para a participação da extrema-direita nessas eleições parlamentárias do último dia 6 de dezembro. A extrema direita decidiu continuar com o erro estratégico e uma nova direita democrática decidiu ocupar esse espaço vazio.

Todos esses fatores, somados ao fato de o voto não ser obrigatório na Venezuela, interferiram nessas eleições de 6 de dezembro. Agora, o país e a Revolução Bolivariana entra em uma nova etapa. Do lado revolucionário, se espera um aprofundamento no projeto socialista; e a nova oposição quer acumular força política interna e reconhecimento fora do país.

A esperança é que com a nova Assembleia Nacional eleita, seja recuperado o reconhecimento internacional e que haja um afrouxamento das sanções e do bloqueio econômico contra o país.

Os ataques contra Venezuela vão continuar, pelo menos no curto e médio prazo. A nova administração do governo norte-americano com Biden deve manter, com outro rosto e outra forma, as criminosas sanções e o bloqueio econômico.

A Venezuela vai continuar sendo uma peça importante na disputa geopolítica internacional, especialmente na disputa entre Estados Unidos e China. O que podemos projetar é que o período de resistência da Revolução Bolivariana vai continuar nessa nova etapa.

 

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Rodrigo Chagas