DESIGUALDADE

Pandemia e desmonte de políticas públicas impactam mais às mulheres

Em live da campanha Tributar os Super-Ricos, cinco mulheres debateram como a crise sanitária tem recorte de gênero

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Em live da campanha “Tributar os Super-Ricos”, convidadas enfatizaram a importância do movimento nacional para exigir que o Congresso Nacional aprove medidas que promovam justiça fiscal - Montagem com imagens da live

No segundo dia em que o Brasil ultrapassou duas mil mortes pela covid-19 em 24 horas, concentrando 10% dos óbitos pela doença no mundo, totalizando 267 mil pessoas, o debate “Pela Vida das Mulheres”, realizado na quinta-feira (11), discutiu os impactos da pandemia na vida das mulheres.

As deputadas Erika Kokay (PT/DF), Fernanda Melchionna (PSOL/RS) e Gleisi Hoffmann (PT/PR) enfatizaram a importância de um movimento nacional para exigir que o Congresso Nacional aprove medidas que promovam justiça fiscal e a redução das desigualdades, pois foram as mulheres que mais perderam empregos, redobraram o trabalho em casa, sofrem com violência doméstica. Além disso, são as mais sobrecarregadas no cuidado com filhos e idosos e terão maior dificuldade de retornar ao mercado de trabalho.

Essas constatações foram feitas pelas cinco convidadas da live, promovida pelas organizações sociais que articulam a campanha “Tributar os Super-Ricos”, com retransmissão pelo Facebook do Brasil de Fato RS.

 

Desmonte de políticas

“As primeiras vítimas de uma crise como essa são as mulheres. São elas as que mais sofrem”, registrou Gleisi Hoffmann, lembrando que as gestões do PT foram muito importante para as mulheres pela criação do Bolsa Família, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Luz Para Todos, o programa de cisternas entre outras iniciativas com recorte de gênero.

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A presidenta do Partido dos Trabalhadores destacou a anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e enfatizou que após o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, a primeira mulher presidenta do Brasil, várias conquistas foram desmontadas. Entre elas a desregulamentação do trabalho doméstico, que abrange mais de seis milhões de mulheres no Brasil, assim como outras políticas de proteção.

Milhões sem renda e ricos isentos

Para Erika Kokay, o recorte de gênero deve estar presente em todas as políticas públicas e nas grandes questões do país. “Taxar os super-ricos é o cerne da política. Temos milhões de brasileiros sem nenhum tipo de renda e os super-ricos continuam não taxados”, acentuou.

“Quando se fala em ajuste fiscal e se preserva os milionários você dirige suas armas para o servidor publico e no Estado de bem-estar social, como é essa PEC Emergencial votada hoje. Metade do orçamento é garfado pelo serviço da dívida. Quem ganha com o serviço da dívida são os super-ricos na especulação dos recursos públicos. A Câmara e o governo são sabujos do mercado neste momento”, resume a parlamentar do Distrito Federal.

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Retrocesso de 30 anos

O número de postos de trabalho ocupados por mulheres regrediu na pandemia ao patamar de 30 anos atrás, acentuou a líder do Psol na Câmara, Fernanda Melchionna. “É inadmissível liberar R$ 350 bilhões para pagamentos de juros da dívidas em 2020, valor superior ao destinado ao auxílio emergencial”, comparou. A deputada gaúcha lembrou ainda que 42 bilionários brasileiros ficaram mais ricos na pandemia, faturando R$ 176 bilhões apenas de março a junho de 2020.

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O país ocupa a segunda posição em concentração da renda total pelo 1% mais rico, perdendo apenas para o Catar. Também ostenta a sétima posição entre os países com maior número de bilionários e é o sétimo país mais desigual.

Pedido para tramitação urgente

“É mais que urgente tributar os super-ricos e distribuir renda e riqueza para políticas públicas e pagar o auxílio emergencial enquanto durar a pandemia”, acentuou Maria Regina Paiva Duarte, presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF), uma das entidades que articula a campanha.

Em agosto de 2020, foram apresentados ao Congresso oito projetos que propõem reduzir impostos para os mais pobres e pequenas empresas e elevar para altas rendas e grandes fortunas, tributando 0,3% mais ricos e arrecadando cerca de R$ 300 bilhões ao ano.

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Corrigir a tabela do Imposto de Renda com alíquotas mais altas para altas rendas, acabar com isenção de lucros e dividendos distribuídos e a dedução de juros sobre capital próprio, combinadas com a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas, revisão de benefícios fiscais e combate à sonegação são parte do conteúdo das propostas da campanha.

A dirigente do IJF solicitou apoio das bancadas de oposição na Câmara Federal para que esses projetos emergenciais sejam pautados com urgência diante da profunda crise sanitária, econômica e social. “Contamos com os partidos para avançar”, enfatizou.

Tributação e desigualdade

“A pandemia aprofundou as desigualdades entre homens e mulheres, que é estrutural na sociedade capitalista”, analisa a doutora em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp, Juliane Furno.

“Tributar os super-ricos é condição necessária para uma vida mais justa. Só nessas condições a gente pode reduzir as desigualdades de gênero”, observa.

Para a economista, o sistema tributário regressivo é prejudicial para a receita pública e penaliza os mais pobres. “Mas é preciso derrubar o teto de gastos, ou não importa o nível de receita”, destaca.

Matar os pobres

“O governo tira tributos dos mais pobres e abona os mais ricos. Perdoa dívidas milionárias, como das igrejas, recurso que poderia servir para o auxílio emergencial, não esse auxílio miséria”, pontua a moradora da Baixada Santista, Débora Silva.

Fundadora do movimento social Mães de Maio, coletivo de mulheres que tiveram os filhos assassinados pelas polícias, ela observa que o valor de R$ 250 não mantém uma família de quatro pessoas nem por uma semana.

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“A gente precisa defender a renda básica do cidadão. Somos a maioria que estamos na miséria. Os mais ricos não têm piedade dos mais pobres. A gente vê um ministro, como Paulo Guedes, odiar pobres. Todas as reformas são para nos eliminar desse país”, sintetiza Débora Silva.

Para a ativista de Direitos Humanos, o Congresso é recheado de empresários que votam leis para continuarem com privilégios.

“Nós mulheres de periferia e favela sabemos o que é miséria. Onde há miséria, há violência. É o Estado que nos violenta. Quando a gente fala em miséria, a gente fala da violência dos nossos corpos. Continuamos violentadas”, revela.

Ela informou que o Movimento Mães de Maio exige um fundo para reparação psicológica, econômica e social para mães e familiares das vítimas do Estado.

Débora conclama para uma mudança urgente no país frente ao flagelo de 60 milhões na miséria, 14 milhões de desempregados e incerteza quanto à imunização: “Todo mundo precisa estourar suas bolhas de privilégios e dar as mãos para tirar Bolsonaro. Não podemos mais assistir a miséria, porque a fome tem pressa”.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Rebeca Cavalcante e Marcelo Ferreira