Alerta vermelho

Brasil pode ser "grande vilão" da diplomacia do clima, afirma pesquisador da USP

Relatório do IPCC aponta a necessidade de ações imediatas para tentar controlar a emergência climática

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Registro de incêndio na Amazônia, que tem registrado altas nos indíces de devastação - Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real/ Fotos Públicas

O IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) lançou relatório nesta segunda-feira (9) em que afirma que, sem ações imediatas e de grande escala, limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C ou 2°C poderá nunca mais ser possível. Ou seja, um verdadeiro alerta vermelho. Esse cenário abre caminho para ondas de calor, chuvas extremas, secas prejudiciais para a agricultura, ciclones, entre outros eventos perigosos. 

O texto destaca que é incontestável que a ação humana esquentou o planeta e que alterações "sem precedentes" nos últimos séculos estão acontecendo. O relatório chega após semanas marcadas por uma onda de frio no Brasil, um dos maiores incêndios florestais da história da Califórnia, nos Estados Unidos, e outros incêndios de grandes proporções na Grécia e na Turquia.

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O cenário aumenta as expectativas para a próxima Conferência das Partes (COP26), evento da Organização da Nações Unidas (ONU) que reunirá 196 países para discutir o clima entre os dias 1º e 12 de novembro em Glasgow, na Escócia. Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), Wagner Ribeiro, o evento deverá ser polarizado entre China e Estados Unidos por conta das ambições climáticas dois dois países -- que também são os maiores poluidores.

Após a saída de Donald Trump da Casa Branca, o atual mandatário, Joe Biden, devolveu seu país ao Acordo de Paris (tratado internacional para reduzir a emissão de carbono), escolheu John Kerry como enviado especial para o clima e fez da transição energética um dos pontos do pacote de ajuda econômica preparado para superar a crise de covid-19. Já a China promete atingir o pico de suas emissões de carbono até 2030 e tornar o país neutro em carbono até 2060.


Incêndios florestais devastam a Grécia e milhares fogem de suas casas / Angelos Tzortzinis / AFP

Brasil, o mais novo vilão do clima

Ribeiro destaca que o Brasil perde a chance de exercer o protagonismo na agenda ambiental que já desempenhou até o governo da presidenta Dilma Rousseff (PT). Agora, o país deve se tornar o "grande vilão" da COP26.

“Infelizmente, os indicadores de desmatamento são preocupantes não só na escala brasileira, mas na escala internacional. Isso porque o Brasil passa a ser um grande emissor de gases do efeito estufa. O curioso é que o país queima florestas sem necessidade, digamos assim, já que não há razão para que isso ocorra a não ser o processo de apropriação de terras que está existindo de maneira voraz”, analisa o professor da USP.

O presidente da COP26, o britânico Alok Sharma, visitou Bolívia e Brasil na última semana. Em Santa Cruz, Sharma encontrou o presidente da Bolívia, Luis Arce. Já no Brasil, o presidente da COP26 encontrou ministros, governadores e o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), mas não teve agenda com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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Amazônia é "crucial" para enfrentar a mudança climática

Apesar de registrar seguidos alertas de aumento no desmatamento, a Amazônia é um elemento crucial para enfrentar as mudanças climáticas, afirma em entrevista ao Brasil de Fato o pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho. Ele avalia que é "crucial" que as árvores parem de ser derrubadas e que as áreas devastadas sejam recuperadas.

“Qualquer estoque de carbono, qualquer ação que evite mais emissões, passa a ser crucial. E aí, falando da Amazônia como maior estoque vegetal de carbono do planeta, nós temos ali armazenado, não só na parte brasileira mas dos outros países amazônicos, uma década de emissão global de gases de efeito estufa. Ou seja, se a gente retirasse toda a vegetação florestal daquela bacia, seria equivalente a emitir o que o mundo emite em uma década", destaca Moutinho.

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O pesquisador do IPAM ainda afirma que a política ambiental das próximas décadas é de "contenção de danos", já que o aumento dos eventos extremos e o aquecimento do planeta são uma realidade e sua reversão levará "décadas e décadas".

"Toda ação é para não ficar pior do que já está. Só que isso precisa de uma vontade política global, não só dos países, mas uma coordenação global. O negacionismo da mudança climática precisa, definitivamente, acabar. Porque, assim como no negacionismo sobre a covid, nnegar a mudança climática pode levar à morte milhões de pessoas", analisa Moutinho.

Edição: Arturo Hartmann