Em festa

Veja como agronegócio marcou presença em manifestações antidemocráticas

Nas manifestações, os agradecimentos ao agronegócio foram repetidos diversas vezes pelos oradores ao microfone

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Caminhões com estética fascista se aglomeram nas proximidades da Esplanada - Leonardo Fuhrmann/De Olho nos Ruralistas

Os líderes do agronegócio não fizeram discursos na manifestação de 7 de setembro em Brasília. Nem os principais representantes da bancada ruralista. Mas os agradecimentos ao agronegócio foram repetidos diversas vezes pelos oradores ao microfone, inclusive por um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Houve citações diretas aos produtores de soja e especificamente à Aprosoja, financiadora histórica da bancada ruralista.

A relação ficava clara também em diversos materiais usados pelos manifestantes. Alguns vestiram camisetas com dizeres como “o agro é o povo pela democracia”. Banners identificavam caravanas do agronegócio de Sergipe, da Bahia, de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Muitas caravanas se organizaram a partir de Goiás e Minas Gerais, estados mais próximos.

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Algumas delas permanecem nas proximidades da Esplanada dos Ministérios mesmo após o fim da manifestação. Muitos bolsonaristas que continuaram em Brasília no dia seguinte falam em aguardar as instruções do que fazer pelos grupos, em menção aos grupos de Whatsapp utilizados para a organização dos atos.

Os caminhões também representavam mais do que o setor de transportes. Muitas empresas colocaram sua frota dentro da manifestação. A Dez Alimentos, a Arroz e Feijão Grão Dourado e a ID Agronegócio, empresas de Goiás e Minas, foram algumas das empresas ligadas ao setor que não hesitaram em colocar suas marcas em defesa dos movimentos antidemocráticos.


Bolsonaro em Sorriso (MT), conhecida como Capital Nacional do Agronegócio, entre apoiadores e aliados, como o ruralista e secretário de Assuntos Fundiários, Luiz Antonio Nabhan Garcia / Alan Santos/Presidência da República

Efeito Sérgio Reis fez apoio ficar menos explícito

Se, em outros momentos, as manifestações de rua eram citadas como o cheiro do povo, os atos a favor de Bolsonaro  tiveram o cheiro do diesel. Esse combustível de movimentos contrários à democracia saiu em boa parte desses grupos ligados ao agronegócio, por mais que líderes ligados ao setor tenham tentado apagar o protagonismo na organização.

O aparente recuo se deu depois da divulgação das falas do cantor Sérgio Reis dentro da mansão da Aprosoja Brasil, no Lago Sul, em agosto. O presidente da organização, Antonio Galvan, chegou a dar apoio às manifestações em vídeo divulgado pela internet — mas negou que falasse pela organização, embora tenha se manifestado durante uma assembleia na sede da organização, na mesma mansão onde já funcionou a Frente Parlamentar da Agropecuária.

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A situação dos golpistas na Aprosoja ficou mais complicada com a decisão do ministro Alexandre Moraes de bloquear as contas da organização para investigar quem eram os responsáveis pelo financiamento dos atos antidemocráticos. Ainda assim, Galvan entrou com um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que pudesse participar dos atos. Não foi atendido.


Setores do agronegócio financiam os atos de 7 de setembro, enquanto outros lançam nota em defesa da democracia / Reprodução / Twitter

Exploração de terras indígenas esteve em pauta

Algumas pautas dos ruralistas foram destacadas na manifestação, como o arrendamento de terras indígenas para a produção de grãos. Nas faixas, também havia a defesa de garimpos em terras indígenas. Os principais focos dos ataques foram o STF, a “esquerda” de forma genérica e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os indígenas que estão acampados desde o mês passado em Brasília foram ameaçados por grupos bolsonaristas. Muitos deles buzinaram durante boa parte da noite anterior à manifestação em torno do terreno ocupado pelos indígenas. Nesta quarta-feira, para evitar confrontos, os indígenas fizeram manifestações apenas dentro da área que ocupavam.

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Muitas pautas bolsonaristas eram contraditórias. Enquanto Bolsonaro falava em defender a Constituição e acusava os adversários de agirem fora do texto constitucional, em especial o ministro Alexandre Moraes, que só foi citado nominalmente em São Paulo, alguns manifestantes defendiam uma nova Constituição, inclusive com a criminalização do “comunismo”.

Orador defende orgulho de ser gado

O mote para o fechamento do Supremo e a perseguição a adversários era o direito à livre manifestação. Sob esse pretexto, os manifestantes defenderam nomes ligados à divulgação de notícias falsas, ameaças ao STF e a organização de protestos antidemocráticos, como o cantor Sérgio Reis, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e o presidente nacional do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson.

Além do agronegócio, motociclistas, caminhoneiros e pastores evangélicos foram citados diversas vezes, assim como militares e policiais militares. Um padre ultraconservador do interior de Goiás e representantes de rodeios também discursaram. “Aqui é gado com orgulho, toca o berrante aí”, anunciou um deles. O visual com chapéu de caubói, cinto com fivela grande e botas era muito comum.


Suposto padre ao lado de apoiadora de Bolsonaro durante manifestação de 1º de agosto / Reprodução / Facebook

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Os discursos de exaltação à figura de Bolsonaro chegam a chocar os não iniciados nesse ritual. Ele foi aclamado como “o maior líder da história da humanidade” e aquele que foi “escolhido por deus e moldado pelo Exército”. Também os momentos após o atentado que o presidente sofreu durante a campanha eleitoral de 2018 foram tratados como sua “segunda vida”.