Mosaico político

Veja a agenda que os presidentes latino-americanos levaram à ONU

Pandemia, mudança climática e economia foram os principais levantados nos discursos na 76ª Assembleia Geral da ONU

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Luis Arce foi um dos presidentes latino-americanos a discursar pela primeira vez na Assembleia Geral da ONU - Mary Altaffer / AFP

Entre os dias 21 e 27 de setembro, acontece o 76º período de sessões da Assembleia Geral da Organização Nações Unidas (ONU). O Brasil, como já é tradição desde 1947, abriu o evento, mas outros discursos de presidentes latino-americanos também chamaram atenção.

O Brasil de Fato destacou os trechos mais importantes das intervenções dos líderes das maiores nações do continente. 


Desde 1947, o Brasil é o primeiro país a discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas / Reprodução / ONU


Argentina

O presidente Alberto Fernández falou da situação de crise econômica e sanitária do seu país. Classificou como um "dividicídio" o empréstimo do FMI de US$ 57 bilhões, equivalente aos contratos assinados com 85 países no mundo, assinado durante a gestão do seu antecessor Maurício Macri. 

Também retomou a exigência argentina de recuperar seu território das Ilhas Malvinas, ocupadas pelo Reino Unido há 188 anos.

Destacou suas políticas voltadas à comunidade LGBTQIA+, como a autorização do documento de identidade não binário. 

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Em relação à pandemia, afirmou que se "globalizaram as injustiças" e novamente defendeu que o acesso às vacinas seja um direito de todos. 

Uruguai

Luis Lacalle Pou discursou pela primeira vez na ONU focando na liberdade como sinônimo de acesso a vacinas, na recuperação econômica pós-emergêncial global e criticou "governos autoritários" na região.

Acusou a oferta de vacinas de ser "deficitária e não equitativa" e que cada país "teve que comprar cada um por seu lado". Em relação às políticas públicas durante a emergência sanitária, sugeriu que não se convertessem em "protecionismo" e ainda defendeu "a liberdade individual" como um dos valores mais importantes. 

Também falou em "liberdade para viver o futuro" como um fator que estimula a trabalhar contra a mudança climática.

E, por fim, sem citar os governos, criticou uma suposta violação a direitos humanos em países membro da organização

"Governos autoritários que temem os seus povos e a liberdade, terminam empobrecendo a população por várias gerações", declarou.

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Após discursar na Assembleia Geral da ONU, Iván Duque se reuniu com o secretário geral do Tratado do Atlântico Norte (Otan) / Reprodução / Twitter

Colômbia

Iván Duque discursou pela última vez como presidente. Em 2021 encerra seu mandato e até o momento não há confirmação do seu partido Centro Democrático de que ele tentará reeleição. 

O mandatário afirmou que seu governo assumiu liderança na coordenação com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). A Colômbia foi a primeira a receber vacinas pelo Consórcio Covax na região, com um total de 1 milhão de doses, cerca de 40% do total pactado. No entanto, até o momento imunizou apenas 31% da população. 

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Também destacou sua reforma tributária, como "a reforma social mais importante do século", aprovada há duas semanas no Congresso sob manifestações contrárias em todo o país. Ainda prometeu um crescimento de 7% da economia colombiana para o final do ano.

Buscando a recuperação econômica pós-pandemia, Duque afirma que as economias emergentes devem aplicar as reformas necessárias para chegar a um consenso mundial dirigido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e os bancos multilaterais.

Novamente Duque ressaltou suas políticas ambientais contra a crise climática. Prometeu diminuir em 51% as emissões de CO2 para 2030 e neutralizá-las até 2050. E para alimentar essa "economia verde", o presidente colombiano propõe capitalizar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).

O chefe de Estado também utilizou seu tempo de tribuna na ONU para voltar a atacar seu homólogo Nicolás Maduro, acusando-o de ser um "narco-ditador". Declarando que a Mesa de Diálogo entre governo e oposição deveria provocar a convocatória de "eleições presidenciais livres, transparentes e com minuciosa observação internacional" na Venezuela "o quanto antes". 

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Duque ainda atacou os Acordos de Paz de 2016 com as FARC e disse que tem avançado na reincorporação de ex-combatentes. Segundo o Instituto de Desenvolvimento da Paz (Indepaz), cerca de mil ex-guerrilheiros foram assassinados, sendo 37 somente em 2021. 

Por fim, distorceu números ao afirmar que seu governo alcançou a maior erradicação mundial de cultivos ilícitos, quando segundo relatório do Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas dos EUA, a Colômbia teve um aumento de 15% na produção de cocaína, com 250 mil hectares cultivados - maior cifra dos últimos dez anos.  


Nicolás Maduro exigiu o levantamento imediato das sanções contra a Venezuela, que geraram um prejuízo de cerca de US$ 130 bilhões, durante a 76ª Assembleia Geral da ONU / Prensa Presidencial

Venezuela

Nicolás Maduro falou por 23 minutos denunciando os impactos do bloqueio, ressaltando as expectativas do levantamento das sanções econômicas com a Mesa de Diálogo instalada no México. 

O presidente venezuelano destacou que o país passou de uma fase "cruel, dolorosa e de resistência a uma fase de recuperação e crescimento sustentado pela ciência, inovação, tecnologia e capacidade de um povo trabalhador que se nega a derrubar". 

Por fim, recordando o famoso discurso de Hugo Chávez há 15 anos, quando ele chamou George W. Bush de "diabo" e propôs uma nova ONU, Maduro defendeu a reforma da Organização das Nações Unidas. 

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"Um novo mundo livre do domínio econômico, financeiro, militar, político de algum império" e para esse novo mundo é necessária "uma nova ONU para que todos possam compartilhar a solidariedade, o caminho justo e necessário para uma comunidade nova", declarou o chefe de Estado.

Cuba

Miguel Díaz-Canel abriu sua intervenção com fortes críticas aos países membro das Nações Unidas por descumprir acordos internacionais. Também expressou sua preocupação diante do aumento do discurso de ódio, racismo estrutural, intolerância e xenofobia expressos nas redes sociais. 

"Países capitalistas desenvolvidos tentam com discursos demagógicos desviar a atenção sobre sua responsabilidade histórica na persistência desses flagelos", declarou o presidente cubano que ainda classificou as declarações de Joe Biden como "cínicas". 

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"A crise multidimensional gerada pela pandemia de covid-19 exacerbou a desigualdade estrutural e a exclusão própria da injusta ordem econômica prevalecente", destacou. 

Cuba é um dos países que lidera a vacinação na América Latina e Caribe, tendo aplicado 19 milhões de doses de dois imunizantes próprios: Soberana 02 e Abdala, com cerca de 40% da população totalmente imunizada.

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Em um discurso de apenas quatro minutos, Díaz-Canel destacou o papel de 4.900  profissionais de saúde cubanos que formaram 57 brigadas para atender 40 países.

O chefe de Estado cubano foi o único da região a comentar sobre as ações de combate ao racismo na ilha, recordando os 20 anos do Programa de Ação de Durban, um compromisso mundial de luta contra todo tipo de discriminação racial.

Peru

O recém eleito Pedro Castillo discursou ainda no primeiro dia da Assembleia Geral da ONU. Para alguns analistas, Castillo deu um giro no discurso ao convidar atores internacionais a investir no Peru, assegurando que seu governo "não é comunista".

Reiterou seu compromisso com os "pobres e marginalizados" e afirmou que "é necessária uma transformação social que permita a todos os peruanos e peruanas gozar dos seus direitos econômicos e sociais". 

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Defendeu um acordo mundial para assegurar a distribuição equitativa de vacinas contra a covid-19. 

Antes da sessão, Castillo também se reuniu com o secretário geral da ONU, António Guterres para debater o apoio da organização na resposta à crise sanitária. O Peru tem a maior taxa de letalidade por covid-19 do mundo, com cerca de 5 mil mortos a cada grupo de 1 milhão de habitantes. 

Por fim, foi o único mandatário da região a defender a ampliação dos direitos das mulheres, prometendo eliminar todo tipo de desigualdade de gênero no seu governo.


O presidente peruano Pedro Castillo se reuniu com o secretário geral da ONU, Antônio Guterres para debater as respostas conjuntas à pandemia / Reprodução / ONU

Bolívia

Luis Arce foi outro chefe de Estado que discursou pela primeira vez na tribuna da ONU. Destacou que a Bolívia conseguiu restabelecer sua democracia depois do golpe de Estado e a gestão de Jeanine Áñez. 

Ele também se somou ao chamado pela quebra de patentes das vacinas contra a covid-19 para acelerar a vacinação em todo o mundo.

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Assim como seu homólogo argentino, o presidente boliviano também propôs um acordo mundial com organismos financeiros multilaterais para renegociar a dívida externa dos países. 

"O capitalismo mercantilizou todos os aspectos da vida social e a saúde não escapou. Não podemos ser indiferentes", afirmou. 

Antes de finalizar a intervenção, Arce também condenou o bloqueio econômico aplicado contra Cuba. 

Edição: Arturo Hartmann