MACHISMO DE GUERRA

Mês da Mulher: um terço dos paulistanos conhecem pelo menos uma vítima de violência doméstica

Nova pesquisa da Rede Nossa São Paulo aponta aumento na percepção da violência contra a mulher na capital paulista

|
À pesquisa, pouco mais de um terço dos paulistanos também declararam ter presenciado ou ouvido falar de casos de violência de gênero próximo de onde moram - Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

Levantamento sobre o que pensam os paulistanos e paulistanas com relação ao viver das mulheres na cidade de São Paulo indica que cerca de um em cada três moradores da capital tem alguma amiga ou conhecida que sofreu violência doméstica entre 2020 e 2021. A nova edição da série Viver em São Paulo: Mulher 2022, pesquisa da Rede Nossa São Paulo em parceria com o Inteligência de Pesquisa e Consultoria (Ipec), divulgada nesta quinta-feira (3), revela que 34% da população já presenciou ou soube de agressões do tipo no período. 

Mesma proporção de paulistanos declarou ter presenciado ou ouvido falar de casos de violência de gênero próximo de onde moram. E um total de 18% também afirmam ter conhecimento de casos de violência doméstica e familiar contra mulheres cometidos por parente próximo ou que convive.

As perguntas sobre a percepção da violência contra a mulher foram aplicadas em agosto de 2021. Ao todo, foram entrevistados 800 moradores da cidade, de todas as regiões e diferentes classes sociais, com 16 anos ou mais. A maioria das pessoas ouvidas (55%) foi de mulheres. A margem de erro do levantamento é de três pontos percentuais. 

:: Atacadas por Bolsonaro, mulheres conquistaram direitos com Lula e Dilma, afirma Gleisi Hoffmann ::

Assédio no transporte público

Quase a totalidade dos entrevistados apontou para um aumento da agressão de gênero nos 12 meses anteriores à agosto do ano passado. Com destaque para a zona Norte, onde 89% da amostra disse observar um crescimento nos casos de violência. 

Pelo quarto ano consecutivo, a pesquisa da Rede Nossa São Paulo, também mostra que o transporte público continua sendo o local em que a maioria das mulheres se sente mais amedrontadas e acreditam que correm maior risco de sofrerem algum tipo de assédio. Pelo menos 52% delas indicaram se sentir inseguras nesses espaços. Sem qualquer mudança significativa com relação ao patamar de menções na série histórica, iniciada em 2019.

O transporte público é disparado o local de perigo em potencial para as mulheres, em relação a outros sete pesquisados. A rua vem em segundo lugar (17%), seguida de bares e casas noturnas (9%), pontos de ônibus (8%), transporte particular – uber, táxi – (3%), trabalho (2%) e ambiente familiar (1%).


Transporte público segue sendo local onde as mulheres paulistanas acreditam correr mais risco de assédio / Ipec

A percepção de que o transporte público é o lugar onde há maior risco de assédio é principalmente mais acentuado entre as paulistanas de 45 a 59 anos e com ensino médio. Seis em cada 10 mulheres com esse perfil declaram que o transporte público é o mais inseguro.

Diretora de Inteligência e Insights da Área de opinião pública e política do Ipec, Patrícia Pavanelli, ressalta que a referência ao transporte coletivo está diretamente ligada aos ônibus. “O transporte público é utilizado pela maioria da população sendo o ônibus municipal o usado com mais frequência na cidade”, comenta.

:: Papo na Laje desta quinta (3) debate como é ser mãe e trabalhadora nas periferias do Rio ::

O poder público

A vereadora Erika Hilton (Psol), presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, afirmou ser “chocante as mulheres se sentirem mais vulneráveis em um espaço público, diante dos olhos da sociedade”. A parlamentar participou do evento de lançamento da pesquisa, realizado na manhã desta quinta, e avaliou que os números da violência e do assédio contra a mulher dizem “muito sobre a sociedade que estamos vivendo e como esta trata e se apropria do corpo das mulheres”. 

Para Erika Hilton, é preciso, entre outras medidas, que os futuros profissionais, ainda nos cursos universitários, sejam conscientizados sobre a pauta de enfrentamento da violência de gênero.

Além disso, de acordo com a vereadora, as redes de prevenção e proteção dentro dos territórios precisam ser fortalecidas pela prefeitura para que sejam espaços de escuta e atendimento. “Essa mulher precisa se sentir segura fazendo essa denúncia. Ela deve ser acolhida e receber acompanhamento psicológico que possa também ajudá-la a superar essa violência. Porque a violência também é traumática. Se essa intersecção de redes se fortalece e apoia essas mulheres nós vamos também ir remediando por esse caminho”, sugere. 

Confira notícias mais recentes do BdF sobre o mês das mulheres

Divisão dos afazeres domésticos

Pelo terceiro ano seguido, a pesquisa da Rede Nossa São Paulo também dedicou um capítulo à igualdade de gênero, buscando mapear a divisão dos afazeres domésticos entre as mulheres e os homens. E, segundo o levantamento, depois de completar dois anos de pandemia de covid-19, houve uma queda significativa do número de pessoas dizendo que os afazeres domésticos são divididos igualmente entre homens e mulheres. 

Entre 2020 e 2021, eram quase cinco em cada 10 paulistanos dizendo que dividiam as tarefas de casa igualmente. Atualmente, são pouco mais de um terço – 37%. Numa proporção similar ao número de homens que dizem que a responsabilidade deve ser tanto deles quanto delas. Mas ainda assim são as mulheres que acabam fazendo a maior parte do trabalho (41%). 


Divisão das tarefas domésticas entre mulheres e homens nos lares paulistanos / Ipec

 

:: Coluna | 90 anos do voto feminino: precisamos de mais mulheres na política ::

Caminhos para a igualdade

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis e da Rede Nossa Paulo, Jorge Abrahão explica que tanto os dados sobre a violência doméstica, quanto a sobrecarga de trabalho, evidenciam o quanto a mulher é “desvalorizada” na sociedade. O que vai agravando outros processos de violência. De acordo com ele, essas agressões contra a mulher colocam também o país, como um todo, em um ambiente de guerra. 

A aposta do especialista é que os dados sobre essa realidade desigual e machista possam provocar o poder público de São Paulo a buscar transformações que são possíveis, conforme destaca. “No Brasil, em 2020, ocorreram 1.350 feminicídios. Um número muito grande que acontece, às vezes, em guerras. O feminicídio é uma escala da violência que vemos nessa pesquisa. (…) Estamos vivendo um momento super difícil no mundo e em uma guerra, de alguma maneira, as cidades não têm como atuar em relação a esse tema. Elas são subordinadas às decisões geopolíticas, de poder e ficam reativas a isso, lamentavelmente, e nós estamos vendo isso pelo que acontece hoje na Ucrânia. Mas uma cidade pode atuar em outras violências”, defende.

“A representação política é uma coisa muito importante. Na cidade de São Paulo, 24% da Câmara dos Vereadores é composta por mulheres. Mas as mulheres representam 52% da (população na) cidade. Se quisermos ter uma equidade, esse número precisa dobrar. (…) As empresas também têm um desafio. E, por fim, as cidades podem avançar de uma forma geral propondo programas. Nós temos que espaços de proteção e de apoio maiores numa cidade como São Paulo que possam apoiar e receber denúncias”, completa Jorge Abrahão.