Direitos básicos

Biodigestor: tecnologia sustentável garante acesso a gás de cozinha e saneamento básico

Conheça dois projetos que utilizam a técnica para beneficiar famílias do campo e da cidade

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Na comunidade quilombola de Periperi, em Amarante (PI) foram implatados oito biodigestores para produção de gás cozinha. - Divulgação mAB
Biodigestores podem ajudar na autonomia das famílias que moram na região rural

Com os sucessivos aumentos no gás de cozinha, famílias de baixa renda que já enfrentavam dificuldades, viram a vida piorar nos últimos anos. Na última sexta-feira (11), a Petrobrás anunciou um novo aumento de 16,1% aplicado ao gás de cozinha e o preço pode chegar a R$150. 

Uma tecnologia social que pode auxiliar essas famílias e o meio ambiente, principalmente em comunidades da periferia e do campo, são os biodigestores, sistema que converte em biogás, resíduos orgânicos, como dejetos de animais e restos de alimentos.

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Em pequena escala, o biogás é um combustível que pode ser usado substituindo o gás de cozinha e em larga escala pode ser fonte de energia elétrica ou qualquer substituição ao gás natural. 

A fim de aumentar a autonomia financeira de famílias camponesas, foi apresentado pelo Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB) ao governo do Piauí um projeto que irá beneficiar 140 famílias nos municípios de Amarante, Palmeirais e Campo Maior, que são ameaçadas por empreendimentos hidrelétricos e por barragens de acumulação de água. 

O governo aceitou a proposta e tem viabilizado a iniciativa via Secretaria de Estado da Agricultura Familiar (SAF). Maria Gonçalves, da Coordenação regional do MAB PI/MA explica como a tecnologia social pode ajudar na autonomia das famílias que moram na região rural. 

“Consideramos que as famílias do campo já vivem em situações precárias e com muitas dificuldades econômicas. Com o aumento do gás de cozinha, que pode chegar até R$140, ter a produção de biogás a partir de esterco dos animais, ajuda na economia das famílias. E esse recurso pode ser utilizado com outras despesas, como tarifa de energia, de água ou com alimentação, então a proposta foi nesse sentido também de dar viabilidade econômica”.


No Piauí, o governo atendeu a demanda das famílias que pediram a tecnologia de biodigestores para complementar o uso do gás de cozinha / Divulgação MAB

O MAB tem coordenado esse processo de implantação e capacitação técnica junto com a Secretaria de Estado da Agricultura Familiar (SAF) e a Cooperativa de Trabalho de Prestação de Serviços para o Desenvolvimento Rural Sustentável (COOTAPI).

Já foram construídos oito biodigestores na comunidade quilombola de Periperi, em Amarante, que estão prontos para uso. Além de contribuir para autonomia financeira das famílias, o uso dos biodigestores podem ser benéficos também para o meio ambiente.

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“Quando as famílias não têm condições de comprar o gás, o que que ela faz? O uso da lenha e de carvão, isso gera também um desmatamento, com a retirada das árvores da mata nativa. Então, com o uso do biodigestor, elas também vão contribuir com a preservação da natureza e das matas ao redor das comunidades”, explica a coordenadora do movimento. 

Além de virar gás de cozinha, a outra parte desse processo do biodigestor vira biofertilizante, que é o que é usado pelos pequenos agricultores nas lavouras. Além do Piauí, famílias do Ceará também têm recebido apoio do MAB para implantação de biodigestores.


Biodigestor para tratamento de esgoto foi implantado na comunidade Vale Encantado, Rio de Janeiro. / Yulli Nakamura

Saneamento ecológico

Um dos desafios para que essas soluções avancem em países da América Latina é a complexidade técnica dessa tecnologia e o alto custo para implantar os biodigestores, além da falta de políticas públicas voltadas ao setor . É o que aponta o estudo do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP). 

O engenheiro ambiental sanitarista Leonardo Adler é sócio e fundador da Taboa Engenharia, negócio social que surgiu em 2014 com objetivo de levar saneamento ecológico para as periferias, aldeias, comunidades quilombolas e ribeirinhas.

Segundo o Instituto Trata Brasil, quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e cerca de 100 milhões não têm serviço de coleta de esgotos no país.  

“No Brasil essa questão de saneamento é elitista. Existe no país uma carência absurda por saneamento nessas comunidades, mas tem uma lógica no saneamento que é olhar só para as grandes obras, para quem escolheu viver em grandes cidades, e falam que não existe solução para as favelas e na zona rural está tudo certo, porque tem sumidouros", diz Adler trabalha com saneamento há 12 anos. 


Biodigestor de IBC de baixo custo. Desenvolvido pela Solar Cities para restos de alimentos, adaptado pela Taboa no Brasil para tratamento de esgoto de comunidades isoladas de difícil acesso. / Foto: Projeto Escola D'água/Caio Palazzo

Em parceria com ONGs, cooperativas, editais, a Taboa passou a viabilizar projetos e mobilizar o poder público para implantação de biodigestores como alternativa para o tratamento de esgoto nas comunidades.

“No caso do tratamento de esgoto de favelas no contexto urbano, o principal modelo utilizado é o biodigestor chinês feito com alvenaria com tijolo, que é a tecnologia que o Instituto Ambiental trouxe para o Brasil na década de 90. Esse equipamento não é uma construção simples, é minucioso e demorado”.  

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Processo participativo

O engenheiro ambiental ressalta que é essencial que as soluções sejam sugeridas pelas comunidades. Esse modelo de biodigestor foi implantado no Vale Encantado, comunidade do Rio de Janeiro, por meio de uma demanda da Associação de Moradores que procurava uma solução de biodigestor de tratamento de esgoto.

O projeto beneficia hoje 101 pessoas e demorou três meses para construção. Ele explica a diferença entre a produção de biogás por meio do biodigestor de tratamento de esgoto e de dejetos de animais.

“Não dá para garantir que um biodigestor para tratamento de esgoto vai entregar biogás e biofertilizante para as comunidades, porque a principal função dele é tratar o esgoto. Ele vai produzir alguma coisa de biogás, mas não dá para prever quanto. No Vale Encantado com cinco casas conectadas no sistema conseguimos produzir de 20 a 40 minutos biogás, por dia que abastece uma família só. Para aumentar essa produção, poderia misturar resto de comida poderia misturar esterco animal”.


Primeiro ovo frito com biogás em uma favela do Rio. Na foto: Léo Adler e Tito Cals, sócio na Taboa Engenharia e Otávio Barros, presidente da Associação do Vale Encantado / Divulgação Taboa

O caminho seguido pelo projeto atualmente é usar outras tecnologias sustentáveis para tratamento de esgoto e o biodigestor para produção de biogás com restos de alimentos. 

“O biodigestor é uma tecnologia incrível para as famílias do campo, porque aproveita o esterco animal, da criação de gado, suínos, galinha e até de cachorros e gato para produzir gás. Todo líquido resultante, continua sendo um biofertilizante concentrado que pode diluir e aplicar no cultivo. E a quantidade de biogás produzida é muito maior do que se o biodigestor estivesse sendo usado para o tratamento do esgoto dessa família", conclui o engenheiro. 

Edição: Douglas Matos