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Cúpula das Américas demonstra declínio da influência dos EUA na América Latina

Evento diplomático foi questionado até mesmo por participantes após Casa Branca decidir vetar países da região

Brasil de Fato | Los Angeles (EUA) |

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O presidente dos EUA, Joe Biden, e os presidentes do Brasil e Colômbia na Cúpula das Américas - Jim Watson / AFP

As definições de poder no cenário geopolítico mundial foram atualizadas com sucesso — e os Estados Unidos parecem ter dificuldades para "aceitar" essas novas condições. Na mais recente edição da Cúpula das Américas, celebrada entre 6 e 10 de junho, em Los Angeles, o mundo pôde ler nas entrelinhas dos contratos sociais que o poderio estadunidense sob os países vizinhos sofre uma baixa.

Depois de convocar os líderes e diplomatas latino-americanos que lhe interessavam, a Casa Branca sofreu uma série de recusas e até boicote por ter deixado Venezuela, Cuba e Nicarágua fora de sua lista. Alegando que apenas convidaria nações sob o regime democrático, os Estados Unidos receberam críticas de todos os lados — inclusive daqueles que compareceram ao evento, como o presidente do Chile, Gabriel Boric, e a presidenta de Barbados, Sandra Mason.

O levante da voz dessas lideranças mostra uma inversão nas dinâmicas de poder. Historicamente, os Estados Unidos sempre usaram de sua força política e econômica para interferir nas relações de seus vizinhos, e é difícil acreditar que, anos atrás, algum desses países teriam "coragem" de negar um pedido da Casa Branca, como acontece agora.

"A grande verdade é que, há anos, os Estados Unidos tratam os membros da América Latina como países de quarta ou quinta importância, mas agora, com a aproximação da China, eles estão tentando manter a sua posição de liderança", explica à reportagem do Brasil de Fato o sociólogo Gabriel Locke, professor e doutorando da UCLA. 

De fato, o papel da China na América Latina cresceu rapidamente. Em 2000, o mercado chinês representou menos de 2% das exportações da América Latina, mas logo houve um boom de commodities na região. Nos oito anos seguintes, o comércio cresceu a uma taxa média anual de 31%, atingindo o valor de US$ 180 bilhões em 2010. Em 2021, o comércio totalizou US$ 450 bilhões, e os economistas preveem que poderá ultrapassar US$ 700 bilhões até 2035. 

Essa ascensão da presença chinesa em territórios vizinhos acende alerta na Casa Branca, que também disputa a liderança geopolítica com Pequim em outros lugares. Paralelamente, com o distanciamento da América Latina, os Estados Unidos se veem em uma posição mais frágil  e isso pode ser crucial quando se fala na possibilidade de uma recessão.

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"Não acho que há alguma relação que possa salvar os Estados Unidos de uma crise, mas tenho certeza que, se a relação com os países vizinhos fosse melhor, o impacto poderia ser amortecido. A história nos prova a importância da comunidade em tempos difíceis", diz Michael Shifter, presidente do centro de pesquisas Inter-American Dialogue.

Prova do fracasso das tentativas da Casa Branca em retomar o "namoro" com os vizinhos foi a pouca importância dada ao evento por parte da imprensa internacional. A cobertura da Cúpula das Américas foi pífia no exterior, e tampouco ajudou o fato de que nenhum grande acordo ou contrato tenha sido firmado.

Aliás, pelo contrário, a grande "conquista" do encontro dos líderes na semana passada foi um acordo de colaboração para as questões imigratórias. Os países presentes se comprometeram a colocar sob rédeas questões humanitárias, a fim de reduzir o fluxo migratório rumo às fronteiras estadunidenses. O documento, embora redigido de maneira humanitária, reforça a ideia de que há uma crise de imigração.

Enquanto se ocupa de levantar mais muros e grades, os Estados Unidos perdem a oportunidade de construir pontes com quem lhe cerca. O isolamento social que a maior potência do mundo falhou em colocar em prática durante a pandemia, pode ser justamente o efeito colateral de uma política desajeitada, que tende a subjugar tudo e todos que estão ao sul de sua fronteira.

Edição: Thales Schmidt