Governo paralelo

Após "parlamento" paralelo renovar mandato, MP venezuelano pede prisão de ex-deputadas

Apoiados pelos EUA, grupo de opositores segue defendendo suposta 'legalidade' da Assembleia Nacional eleita em 2015

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

Ouça o áudio:

Procurador-geral também pediu emissão de alertas vermelhos internacionais - Yuri Cortez/AFP

O Ministério Público da Venezuela pediu nesta segunda-feira (09) a prisão de três ex-deputadas pelos crimes de usurpação de funções, traição à pátria, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

O anúncio foi feito pelo procurador-geral da República, Tarek William Saab, que prometeu seguir com as investigações sobre possíveis delitos cometidos pelo chamado "governo interino" e pela Assembleia Nacional paralela mantida por um setor da oposição de direita.

Segundo Saab, os pedidos foram feitos ao 2º Juizado de Controle Contra o Terrorismo e incluem também o bloqueio de bens e a emissão de alertas vermelhos internacionais, já que as ex-parlamentares investigadas vivem nos EUA e na Espanha.

::O que está acontecendo na Venezuela::

A ação do MP veio logo após o grupo de ex-deputados de direita que se reúne na Assembleia Nacional paralela decidir renovar seu suposto "mandato" por mais um ano. Em uma reunião realizada no dia 5 de janeiro pela plataforma Zoom, os 104 ex-parlamentares que integram essa iniciativa fictícia colocaram fim à "presidência interina" de Juan Guaidó e escolheram uma nova direção para o grupo.

A ex-deputada Dinorah Figuera, do partido Primeiro Justiça, foi escolhida "presidente" da AN paralela. Já as ex-parlamentares Marianela Fernandez (Um Novo Tempo) e Auristela Vasquez (Ação Democrática) foram nomeadas vice-presidentes. As três foram alvo dos pedidos de prisão feitos pelo MP.

Além disso, outros dois ex-deputados que foram nomeados "secretário" e "sub-secretário" da AN paralela também tiveram seus pedidos de prisão realizados pelo procurador-geral.

A estratégia desse setor da oposição venezuelana de criar instituições paralelas começou em 2019, quando o então chefe do Parlamento Juan Guaidó decidiu se autoproclamar "presidente interino" do país. Naquele momento, Guaidó ocupava a direção da AN eleita em 2015, de maioria opositora, que entrou em desacato segundo a Justiça.

::Fim da 'presidência' de Guaidó reflete esgotamento e crise da direita na Venezuela::

A "presidência" fictícia de Guaidó deu origem ao chamado "governo interino", um grupo político formado por deputados do Parlamento de 2015, ministros e embaixadores paralelos e aliados da oposição que passaram a controlar empresas e fundos do Estado venezuelano no exterior. A sobrevivência desse grupo só foi possível pelo reconhecimento que os EUA, a Europa e alguns países da América Latina governados então pela direita deram a Guaidó.

Mesmo depois das eleições legislativas de 2020 que definiram a atual Assembleia Nacional e encerraram o mandato dos parlamentares de 2015, o "governo interino" seguiu renovando unilateralmente suas funções, sem se submeter a processos eleitorais e contando cada vez menos com apoio internacional.

Nas últimas semanas de dezembro, no entanto, esse setor da oposição decidiu encerrar a "presidência interina" de Guaidó e toda a estrutura do "interinato" - embaixadores, ministros e diretores de empresas - mantendo apenas a direção da AN e seus ex-deputados.

"Como é possível que em 2023 esses sujeitos que estão à margem da lei se autoproclamem como comissão parlamentar para supostamente vigiar os ativos do país no exterior? Eles se aproveitaram de circunstâncias políticas extremas, como a chegada de Donald Trump à presidência dos EUA para criar um governo fantasmagórico e fictício e tentar dar golpes de Estado", disse o procurador-geral ao anunciar os pedidos de prisão.

::"Juízo viciado": Venezuela protesta contra decisão dos EUA sobre venda de empresa petrolífera::

Segundo Saab, o MP também investiga o destino dos recursos que esse grupo opositor recebeu de governos estrangeiros ou que foram retirados dos fundos venezuelanos internacionais. "Há alguns dias soubemos por um porta-voz estadunidense que os EUA entregaram a esse grupo denominado 'governo interino' a quantia de 2,7 bilhões de dólares. Não se trata de dinheiro doado, se trata de dinheiro do povo venezuelano que foi roubado por esse grupo criminoso", afirmou.

Em entrevista a agência Efe publicada nesta terça-feira (10), a ex-deputada Donirah Figuera negou as acusações do MP venezuelano e disse que seu grupo opositor "sempre foi criminalizado e estigmatizado". "Ontem, de fato, o procurador ilegítimo Tarek William Saab exerceu de novo uma ação desmedida contra as três representantes da junta diretiva da Assembleia Nacional", disse.

EUA apoiam AN paralela

Apesar de aceitarem o fim da "presidência" de Guaidó, os EUA seguem reconhecendo a AN paralela como "única instituição democrática" na Venezuela e não consideram reestabelecer relações com o governo do presidente Nicolás Maduro.

Nesta segunda-feira, o secretário para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos EUA, Brian Nichols, criticou os pedidos de prisão do MP e reiterou o apoio de Washington à direita paralela do país.

"Novos ataques contra a oposição, inclusive contra membros da Assembleia Nacional, impedem soluções democráticas para a Venezuela. Os esforços devem se concentrar em um caminho para eleições livres e justas em 2024", disse.

::Menos sanções, mais petróleo: o que significa o retorno da Chevron à Venezuela::

As declarações de Nichols foram respondidas pelo presidente Nicolás Maduro na noite desta segunda, que rechaçou a postura dos EUA em relação à oposição e convidou o secretário a conhecer "o verdadeiro poder Legislativo" da Venezuela.

"Brian Nichols, se você quiser saber quem é o poder Legislativo, que legisla e aprova leis que são cumpridas por 32 milhões de cidadãos que vivem em nosso país, você teria que ir ao Palácio Legislativo e conversar com a junta diretiva", disse Maduro.

Edição: Arturo Hartmann