Autonomia

Brasil não deve ter "alinhamento automático" com nenhuma superpotência, diz pesquisadora

Diplomacia brasileira deve ter "olhar estratégico" para buscar os interesses brasileiros, defende professora da UFRJ

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Os presidentes Lula e Biden - Mandel Ngan, Douglas Magno / AFP

Nem Estados Unidos e nem China. Diante de um aumento das tensões entre as duas maiores economias do mundo, a melhor posição possível é negociar nos espaços criados pelos dois países que disputam a hegemonia global, defende a professora de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Isabela Nogueira. 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz a primeira visita ao Hemisfério Norte durante seu novo mandato nesta sexta-feira (10) com uma viagem aos Estados Unidos, onde encontra o presidente Joe Biden na Casa Branca. A visita ocorre em um contexto de animosidade crescente entre Pequim e Washington.

Os EUA seguem com sua campanha de sanções para tentar frear o desenvolvimento tecnológico chinês, como foco especial no setor de semicondutores, e aumentaram o ritmo de suas vendas de equipamentos militares para Taiwan. Os taiwaneses afirmam ser um país autônomo, enquanto o presidente chinês, Xi Jinping, disse que apoiar a independência de Taiwan é "brincar com fogo"

Também há a guerra na Ucrânia. Enquanto os estadunidenses lideram o fornecimento de armas para os ucranianos em seu conflito contra a Rússia, os chineses são aliados russos e costumam apontar para o expansionismo da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar ocidental) como causa da disputa. 

É esse o cenário internacional que o Brasil encontra, afirma Nogueira, depois da política externa de "balcão de negócios" de Jair Bolsonaro (PL). Diante do movimento de "placas tectônicas" e de um mundo em transição que é o conflito entre China e EUA, o Brasil deve buscar "os espaços que se abrem" para países periféricos. 

"O Brasil volta a ter uma política externa que vai buscar um grau de protagonismo internacional, um grau de autonomia internacional, e que, possivelmente, idealmente e potencialmente vai estar articulada com as políticas públicas nacionais voltadas, sobretudo nesse caso em função da relevância da relação Brasil-China e Brasil-EUA, ao projeto de reindustrialização do Brasil, de subida nas cadeias de valor e de reindustrialização verde", disse Nogueira ao Brasil de Fato.

Um destes possíveis setores é o setor de tecnologia. Biden intensificou a campanha de sanções contra o setor de chips avançados da China e aposta em subsídios e investimentos públicos na casa dos bilhões de dólares para garantir a supremacia neste campo vital para a corrida econômica do século 21. O CEO da Intel, Pat Gelsinger, já afirmou que os semicondutores serão tão importantes quanto o petróleo para a geopolítica nas próximas décadas. 

Nessa disputa tecnológica contra os chineses, os EUA buscam aliados. O Congresso dos EUA aprovou recentemente um pacote de incentivo ao setor, o Chips and Science Act, que prevê parcerias com aliados externos. Essa movimentação pode ser aproveitada pelo Brasil, já que Lula decidiu reverter a liquidação da Ceitec, uma empresa pública brasileira de semicondutores que Bolsonaro tentou privatizar. 

Coordenadora do Laboratório de Estudos em Economia Política da China (LabChina), Nogueira destaca que existe espaço para uma coordenação estratégica com os chineses também. Ela ressalta os acordos de Pequim com Irã e Vietnã como exemplos de desenvolvimentos conjuntos, além de iniciativas como o Banco dos Brics e a Nova Rota da Seda.  


Metrô de Hanói, no Vietnã, contou com financiamento chinês / Manan Vatsyayana / AFP

"É muito importante que nesse momento o Brasil não tenha alinhamento automático com ninguém, que ele saiba fazer uma política estratégica voltada para o interesse nacional. Alinhamento automático, nesse momento, efetivamente não é do interesse do desenvolvimento nacional brasileiro. É preciso ter um olhar estratégico muito aguçado para saber fazer diplomacia, saber sambar em meio a um cenário internacional que é extremamente tenso e conflituoso, com a guerra correndo solta e com a iminência, ou pelo menos o risco potencial, de um conflito entre duas superpotências", avalia a pesquisadora da UFRJ.

Lula já sinalizou prioridade da integração regional

Lula tem discordâncias com pontos chave da política externa dos EUA. O presidente brasileiro já criticou as sanções da Casa Branca contra Cuba, busca fortalecer a Celac e uma posição independente frente à guerra na Ucrânia. O petista negou o pedido do chanceler alemão, Olaf Scholz, por munições para tanques, para os ucranianos.

Mas isso não significa que Lula tenha deixado de considerar a invasão russa um "erro". O presidente brasileiro inclusive afirmou que é hora da China "colocar a mão na massa" e atuar para negociar a paz.

Além dessas movimentações, Lula emitiu um importante recado ao visitar primeiro a Argentina, avalia Nogueira. Segundo a professora da UFRJ, o sinal é de que a "integração regional" será um ponto de saída de sua diplomacia. Antes de visitar os EUA, Lula participou da cúpula da Celac em Buenos Aires e também atravessou o Rio da Prata para um encontro com presidente uruguaio Luis Lacalle Pou em uma tentativa de sanar rusgas dentro do Mercosul.

"A primeira visita foi para a Argentina, isso é muito importante porque deixou claro a integração regional e que juntos temos que pensar isso tudo. Quando a gente está falando da parceria com a China, por exemplo, seguramente é importante pensar o papel que a China e que os bancos de desenvolvimento vinculados a ela podem ter no financiamento de projetos que inclusive envolvam integração regional em infraestrutura sustentável aqui no Cone Sul. Mais e mais vai ficando importante essa articulação regional", diz a professora da UFRJ.

Edição: Rodrigo Durão Coelho