Buscando petróleo

Petroleiras transnacionais e países do Caribe querem que EUA aliviem sanções à Venezuela

Indústria energética venezuelana está praticamente impedida de negociar com agentes externos por conta do bloqueio

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Estatal PDVSA perdeu capacidade produtiva após sanções - Yuri Cortez/AFP

A possibilidade de distensões na relação entre EUA e Venezuela tem despertado interesses econômicos de empresas petroleiras transnacionais e de países do Caribe. Desde que a guerra na Ucrânia afetou a demanda por combustíveis e a oposição venezuelana decidiu encerrar o "governo interino" de Juan Guaidó, Washington e Caracas ensaiaram alguns sinais de reaproximação que, embora sejam modestos, podem abrir terreno para recolocar as reservas energéticas venezuelanas no mercado internacional.

As oportunidades, entretanto, podem esbarrar em diversos obstáculos políticos e econômicos, a começar pelo principal deles: o bloqueio contra a Venezuela. Aplicadas desde 2014 e endurecidas a partir de 2019, as sanções estadunidenses praticamente proíbem que empresas e países realizem qualquer transação com a estatal petroleira venezuelana PDVSA. Como resultado, ao longo dos últimos anos, a produtividade da companhia e as receitas geradas pelo petróleo, principal fonte de renda do país, caíram substancialmente.

Agora, algumas empresas europeias e países caribenhos pedem a Washington alívios nas sanções para que possam negociar com Caracas. No caso das petroleiras transnacionais, há um precedente que ocorreu em novembro, quando o Departamento do Tesouro dos EUA emitiu uma licença permitindo que a gigante do ramo energético Chevron voltasse a operar em território venezuelano.

Em poucos dias, a Chevron e o governo da Venezuela assinaram acordos e reativaram as produções nas quatro plantas mistas que a empresa opera em conjunto com a PDVSA. Atualmente, a produção das plantas está em 90 mil barris diários, mas os modelos de arrecadação e controle operativo ainda seguem desconhecidos, principalmente porque a licença da OFAC proíbe que a transnacional pague diretamente à PDVSA.

Os acordos despertaram interesse da italiana Eni e da espanhola Repsol. Ambas já haviam recebido uma licença da OFAC que permitia o envio de petróleo venezuelano à Europa, mas apenas como pagamento de dívida que a PDVSA possui com as companhias. As operações foram rapidamente rejeitadas pelo governo venezuelano por não considerar o negócio vantajoso.

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Ao Brasil de Fato, o pesquisador e analista político Ricardo Vaz classifica o movimento como um “uma espécie de mundo às avessas, onde as próprias empresas são as que fazem lobby com o governo na Casa Branca”. 

“Os EUA vinham exigindo às empresas norte-americanas que tinham operações na Venezuela que aceitassem perdas de curto prazo, com a promessa de que eventualmente viria a tão famosa mudança de regime. Isso mostra que a política exterior norte-americana se dá sem planejar muito bem as consequências, pois temos esse cenário agora onde os próprios agentes que, em geral, se beneficiam mais da política exterior estão pedindo mudanças porque sentem que podem ganhar mais em outras condições”, afirma.

Para o ex-ministro do Comércio da Venezuela, Gustavo Márquez, o desafio de Caracas agora é resistir a acordos que possam surgir de futuras licenças que não beneficiem financeiramente o país ou que obriguem a Venezuela a ceder controle acionário e operativo da produção petroleira às empresas privadas estrangeiras.

"Parece que os Estados Unidos estão tratando a suspensão das sanções como um mecanismo adicional de pressão, pois não há tanta flexibilização porque as sanções são mantidas e as licenças são utilizadas para alcançar seus propósitos e atender seus interesses particulares", diz ao Brasil de Fato.

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Márquez ainda afirma que o fim do bloqueio é necessário para reativar toda a economia venezuelana, mas critica os acordos assinados com a Chevron e diz que Washington age para beneficiar petroleiras privadas.

"Tem que ser uma eliminação de sanções que dê autonomia ao país, não podemos ficar com as mãos atadas, nem que somente sejam eliminadas as sanções que convém aos Estados Unidos e às empresas transnacionais. Isso não é encerrar sanções, é dar o poder de decisão a eles e isso é inaceitável", diz.

Caribe, gás e Trinidad e Tobago

Outras empresas que se beneficiariam do fim das sanções são as britânicas Shell e British Petroleum (BP). Ambas são sócias majoritárias da Atlantic, uma das maiores produtoras de Gás Natural Liquefeito de Trinidad e Tobago.

O país caribenho recebeu em janeiro uma licença dos Estados Unidos para voltar a importar gás da plataforma offshore Dragão, comandada pela PDVSA e que fica na fronteira marítima entre Trinidad e Tobago e Venezuela e possui uma reserva de mais de 4 trilhões de pés cúbicos de gás natural. 

A medida foi celebrada pelo governo trinitário, que teria seu acesso à matéria-prima ampliado e poderia incrementar a sua produção. A licença, entretanto, não permite o pagamento das transações em dinheiro à Venezuela, o que desagradou Caracas e deve ser um obstáculo ao futuro das negociações.

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"Eles dizem a um país que tem permissão para negociar com a Venezuela, mas não pode pagar em dólares ou qualquer forma de dinheiro. Deve pagar com alimentos ou produtos. Isso é colonialismo, é uma piada aos países soberanos", disse o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, no início de fevereiro.

Ainda no começo do mês, a vice-presidenta da Venezuela, Delcy Rodríguez, recebeu em Caracas o ministro de Energia e Indústrias Energéticas de Trinidad e Tobago, Stuart Richard Young. Também participaram da reunião o ministro venezuelano do Petróleo, Tareck El Aissami, e o presidente da PDVSA, Pedro Tellechea.

"O que Trinidad e Tobago quer é ativar um duto que já existe entre o campo Dragão e o país para importar o gás venezuelano, processá-lo e exportar eles mesmos para outros países", explica Ricardo Vaz.

Ao Brasil de Fato, ele afirma que a Shell é a empresa privada que estaria em melhor posição para participar desse processo, mas que seria preciso criar uma nova empresa mista com participação da PDVSA e de Trinidad e Tobago, o que poderia dificultar as negociações.

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"A Shell está trabalhando com Trinidad e Tobago em outros projetos no setor energético e de alguma forma essa licença emitida pelos Estados Unidos foi feita sob medida para a Shell, no sentido de que Trinidad tem uma certa urgência em desenvolver essas reservas por conta da alta demanda de energia em todo o Caribe", diz.

A busca por outras fontes de combustíveis por parte dos países caribenhos se intensificou com os efeitos da guerra na Ucrânia e fez com que a Comunidade do Caribe (Caricom) ampliasse suas pressões aos EUA para que sanções contra Venezuela sejam eliminadas.

A proximidade geográfica e o histórico de bom relacionamento do país com seus vizinhos caribenhos faz de Caracas um fornecedor natural de petróleo e outros combustíveis para a região.

No último dia 17 de fevereiro, os países da Caricom assinaram uma resolução pedindo que Washington suspenda sanções em prol da "segurança energética da região". Os caribenhos pedem alívios no bloqueio para que possam retomar o PetroCaribe, convênio criado pelo ex-presidente venezuelano Hugo Chávez que possibilitava a venda de petróleo aos vizinhos a preços e condições flexíveis.

::Venezuela e países do Caribe querem reativar programa de venda de petróleo criado por Chávez::

Vaz afirma que o PetroCaribe foi importante não apenas por uma questão energética, mas também porque reduziu a dependência dos países caribenhos das companhias norte-americanas. No entanto, ele argumenta que a retomada do projeto não é simples.

“O programa foi mais ou menos paralisado por volta de 2018 e para reativá-lo é necessário a eliminação de sanções não apenas com licenças, mas de uma maneira mais ampla, e por outro lado é preciso aumentar a produção de petróleo da Venezuela”, diz.

Edição: Patrícia de Matos