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Biden conseguiu suspender o Teto da Dívida até 2025, mas críticos querem que ele seja abolido

Defensores do fim do Teto afirmam que ele dificulta a atuação do Estado no combate à pobreza e às desigualdades

Nova Iorque |

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Joe Biden fez um pronunciamento à nação na última sexta-feira (02) celebrando a aprovação do acordo. - AFP

Na última quinta-feira, dia primeiro de junho, chegou ao fim uma das mais árduas batalhas travadas por Joe Biden desde o início da sua presidência. Depois de passar pela Câmara, o Senado aprovou, em tempo recorde, o acordo costurado pela Casa Branca e a liderança republicana da Câmara para suspender o Teto da Dívida até 2025. Os Estados Unidos teriam dado um calote caso o Departamento do Tesouro não pudesse contrair novos empréstimos. No sábado (3), Biden sancionou a lei.

O Teto da Dívida é um artifício legal criado em 1917. O objetivo é limitar a quantidade de dinheiro que o Tesouro pode pegar emprestado sem permissão do Congresso. Quando foi criado, há mais de um século, o objetivo era dar mais autonomia ao governo, desburocratizando a tomada de empréstimos. Nos últimos anos, no entanto, o Teto se tornou um meio pelo qual a oposição consegue impor suas demandas à administração de plantão, sobretudo quando um presidente Democrata ocupa o Salão Oval e os republicanos comandam uma das casas do legislativo.

Neste ano, os republicanos exigiam que, para aumentar o Teto, era necessário que os democratas concordassem com cortes de gastos e novos requisitos que dificultariam o acesso da população aos já escassos programas sociais do país. Alinhado à já tradicional linha austera dos republicanos estava, é claro, o interesse de ver Biden com menos margem para gastar nas vésperas da eleição presidencial do ano que vem. O que era para ser uma mão na roda, se tornou um entrave para o país: uma burocracia que consome tempo e dinheiro e é, por vezes, um instrumento de chantagem. 

Essa, pelo menos, é a opinião de Louise Sheiner, economista do Hutchins Center que já trabalhou na Casa Branca, no Departamento do Tesouro e no Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos. "Primeiramente, não existe nenhuma evidência de que o Teto tenha algum impacto no controle da trajetória crescente da dívida", ela diz, "em segundo lugar, uma das coisas que costumamos ouvir dos republicanos é que 'ah, não queremos fazer a economia de refém, não queremos dar um calote, mas a dívida é uma catástrofe'… Na verdade a dívida não é uma catástrofe". 

A economista explica que, ainda que a dívida dos EUA, em relação ao PIB, esteja em um patamar historicamente elevado, apenas um pouco abaixo do que era durante a Segunda Guerra Mundial, as taxas de juros são muito menores hoje. Ou seja, o custo da dívida para o Estado é bem menor. "A taxa básica de juros é bem menor hoje, então os juros reais sobre a dívida são menores do que eram em meados dos anos 1990", diz Sheiner.

O Teto dificulta investimentos nas áreas sociais

Mas a burocracia e a ineficiência não são os únicos argumentos que levam Sheiner a defender o fim do Teto da Dívida. Segundo críticos, o Teto dificulta investimentos sociais, tornando mais difícil o combate à pobreza e à desigualdade social no país. Críticas semelhantes às que ocorrem no Brasil em relação ao antigo Teto de Gastos e o novo Arcabouço Fiscal.

Os defensores do Teto afirmam que é preciso cortar gastos para proteger o futuro do país. Louise discorda. Para a economista, mais investimentos nas áreas sociais é o que garante um futuro melhor a longo prazo: "Nós sabemos, nos Estados Unidos, e isso tem se mostrado empiricamente, que quando você ajuda famílias pobres, quando você melhora a educação, quando você melhora a habitação, a saúde, essas crianças se saem melhor. Elas têm uma educação melhor, estão mais saudáveis, elas fazem mais dinheiro, têm menos chances de entrarem para o crime. Você economiza dinheiro no longo prazo. Você torna a sociedade melhor, melhora o futuro. Então, essa ideia de que porque nós nos importamos com o futuro nós não podemos investir em importantes problemas sociais, não podemos investir em respostas a esses problemas, não faz o menor sentido".

Mas para que o país não desse um calote, ambos os lados tiveram que ceder. A Casa Branca precisou aceitar algumas das exigências da oposição republicana, como a criação de novos requisitos para acessar o Food Stamps, uma espécie de auxílio alimentação dado às famílias mais pobres e pago pelo governo federal, assim como a criação de um teto de gastos do governo - deixando apenas os gastos militares e de defesa de fora.

Priscila Sousa, brasileira que serve como deputada estadual em Massachusetts, pelo Partido Democrata, criticou a tentativa dos republicanos de criar novos requisitos para o acesso ao Medicaid, programa que subsidia planos de saúde para famílias pobres nos EUA. "Olha, a questão da sobrevivência, e do cuidado médico, é uma questão de direitos humanos básicos", ela afirma, "nós escutamos situações horríveis, de diabéticos racionando remédio. Isso não faz sentido". No acordo final, a Casa Branca conseguiu manter o Medicaid como está.

Por mais que a lei tenha sido aprovada com folga, tanto na Câmara quanto no Senado, algumas figuras importantes da ala mais à esquerda do Partido Democrata foram contrárias ao acordo. O senador Bernie Sanders, que é independente mas se alia com os democratas, votou pelo "não". O mesmo fez a deputada de Nova York, Alexandria Ocasio-Cortez. Do lado republicano, os contrários vieram da ala mais à direita do partido, como o deputado Chip Roy, do Texas. Do lado democrata, a resistência ao projeto veio por conta dos cortes de gastos e limitações de investimentos, e do lado republicano por entenderem que os cortes e as limitações não foram insuficientes.

Em Massachusetts, um projeto promissor

Em entrevista ao Brasil de Fato, Danillo Sena, que também é deputado estadual em Massachusetts, afirmou não ter gostado muito do resultado final da lei. "Eu não concordo plenamente", disse o deputado, que também é brasileiro, "eu acho que até votaria contra esse projeto". Ele ressaltou o fato de ambos os senadores do estado, Elizabeth Warren e Ed Markey, ambos democratas progressistas, terem se oposto ao acordo.

Massachusetts, um dos maiores bastiões do Partido Democrata, apresentou, recentemente, uma solução diferente para investir mais nas áreas sociais sem ter que se endividar. Os eleitores do estado aprovaram, em um plebiscito de 2022, uma proposta que cria um novo imposto sobre os mais ricos, chamado popularmente de "Imposto Milionário". O projeto afirma que, além da taxação atual de 5%, aqueles que recebem mais de US$1 milhão ao ano teriam uma taxa adicional de 4%. Hoje, a legislatura estadual está debatendo como esses recursos serão alocados.  "Quem ganha mais, quem ganha muito dinheiro, é que deveria pagar um pouco mais", diz Danillo Sena, "eu acho que é uma filosofia que qualquer um compreenderia".

Edição: Thales Schmidt