RESISTÊNCIA

Mesmo na esquerda, negros não são considerados para debates estruturantes, critica deputada

Para Talíria Petrone, autora do projeto, Bancada Negra permitirá que luta antirracista chegue a espaços de poder

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Deputadas e deputados celebraram a criação da bancada negra - Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
A luta antirracista é a parte integrante da luta anticapitalista

“Honramos nesse momento muita gente que foi abrindo caminho para que pudéssemos estar aqui", declarou a deputada federal, Talíria Petrone (PSOL-RJ), ao podcast Três Por Quatro, do Brasil de Fato, sobre a vitória dos parlamentares na criação de uma Bancada Negra na Câmara dos Deputados. 

O projeto é de autoria da própria deputada, em parceria com Damião Feliciano (União-PB). O bloco passa a ser reconhecido pelo regimento da Casa, contando com 122 parlamentares com representação direta no colégio de líderes. 

"É verdade que o desejo da Bancada Negra, a mobilização e a articulação para ela existir, vem de um grupo de parlamentares mais afinados com uma luta contundentemente antirracista e, por isso, eu acho que vai ser esse o tom da bancada: pautas de diferentes campos políticos, mas que sejam antirracistas", declara Talíria.

O comentarista do Três por Quatro e ex-presidente do PT, José Genoíno, é enfático ao lembrar que "a questão central, independente da unidade programática ou da pauta, é criar um espaço e visibilidade, porque você tá enfrentando o racismo estrutural, dentro de uma instituição que é racista, branca, conservadora e machista".

Em um país onde mais de 54% da população se declara preta ou parda, Talíria ressalta que, ao criar uma Bancada Negra, o legislativo brasileiro reconhece que “o racismo existe” e por isso parlamentares negros precisam abrir mais espaço para “de forma mais cotidiana, apresentar as pautas que envolvem a população negra".

A deputada do PSOL vai além e destaca o racismo perpetuado pelos próprios colegas de trabalho. "Tem gente que ri, que fala que é mimimi, que não entende que a questão racial estrutura o Estado brasileiro".

"Com uma Bancada Negra, você enfrenta o racismo estrutural onde ele se estrutura, seja na elaboração das leis ou seja na própria convivência", confirma o ex-presidente do PT, José Genuíno.

A direção será renovada a cada 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, por eleição. "A ideia é que a gente vá revezando nos próximos anos, em uma composição com quatro coordenadores, que tenha a paridade de gênero e que também tenha uma composição com os diferentes grupos políticos", explica. 

Cara e coragem

Ao Três por Quatro, a deputada contou um pouco sobre a sua trajetória na Câmara. "Quando no meu primeiro ano de mandato, falei com meu partido assim: 'olha, eu quero a CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania)'. Aí foi um constrangimento, porque falaram 'não, mas você não quer os direitos humanos? você não quer a Comissão da Mulher?'. Eu falei 'não, quero a CCJ'. Eu acho que ninguém teve coragem de falar que não, mas não apostavam muito, só tinha um nome na CCJ, lá fui eu, com a minha cara e a coragem, e foi fundamental”, conta. 

Atuando como deputada federal pelo Rio de Janeiro, Talíria quer "discutir as pautas do Brasil, economia, orçamento brasileiro, a pauta da previdência pública, do ponto de vista de uma mulher negra, entendendo que a (questão de) raça é fundamental para pensar o Brasil".

Neste ponto de vista, o ex-presidente do PT, José Genoíno, destaca que "a luta antirracista é a parte integrante da luta de capitalista, sem dúvida".

Mais uma vitória para movimento negro estudantil

Com o terceiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), o governo federal volta, aos poucos, a abordar temas importantes para a população brasileira, como o racismo estrutural e a política de cotas.

"Tivemos neste ano duas grandes vitórias, agora vamos ter uma Bancada Negra na Câmara de Deputados, e a revisão da Lei de cotas, incluindo quilombolas se adaptando à realidade brasileira", lembra Talíria Petrone.

O projeto de lei que muda a Lei de Cotas, aprovado pelo Congresso Nacional em outubro deste ano, amplia o público atendido nas universidades e reduz a renda máxima para ter direito ao benefício. 

O texto já foi aprovado pelos parlamentares e segue agora para sanção do presidente Lula. "As cotas são a principal política de reparação no Brasil. Você ter uma universidade também representativa do povo, pintada de povo, é fundamental. Não só porque é o correto [...], mas porque você muda o caráter pedagógico dali", declara.

No podcast, a deputada federal ainda declara, “quando a gente diz que é indissociável: classe e raça, está falando da maioria do povo”. Segundo ela, essa é a forma que a Bancada Negra precisa trabalhar, pensando nos grandes temas que dizem respeito à população brasileira que é majoritariamente negra.

Mesmo com as vitórias da luta antirracista, o caminho é longo. "Não é fácil. A gente tira um tijolo, tentam levantar o muro, tira um tijolo, levantam mais uma janela, e assim a gente vai levando", afirma Talíria.

O podcast Três por Quatro é apresentado por Nara Lacerda e Igor Carvalho, agora em temporada fixa no Brasil de Fato. Nesta nova fase, além dos comentários do João Pedro Stédile, liderança do MST, a equipe também conta com a presença do ex-presidente do PT, José Genoíno.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país. 

 

Edição: Thalita Pires e Rodrigo Durão Coelho