No ano passado, 1.492 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil. O número é o maior registrado desde 2015, quando a lei 13.104/15 introduziu o termo ao homicídio de mulheres apenas por serem mulheres e reconheceu a violência de gênero como um fenômeno estrutural. Os dados foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e (FBSP) compõem o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (24).
O número de vítimas de feminicídio aumentou em 11 estados. Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Roraima e São Paulo registraram, juntos, 757 feminicídios em 2024 – 50,7% do total dos registros no país. No ano anterior, esse conjunto de estados tinha registrado 637 mortes do tipo, valor 18% mais baixo do que o atual.
O Piauí registrou a maior escalada percentual no registro de feminicídio: foram 42,4% de aumento em relação a 2023, com um salto de 28 para 40 mortes. O estado é seguido por Maranhão, com alta de 37,8% nos registros dos casos, e pelo Paraná, que teve aumento de 33,7%.
Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os números ainda são sub notificados. Segundo a organização, o sistema de justiça tende “a compreender o feminicídio em seu sentido restrito, ou seja, apenas quando a morte decorre de violência intrafamiliar ou doméstica”.
“Assim, a morte de mulher decorrente de menosprezo ou discriminação que acontece fora do ambiente doméstico, ou a morte perpetrada por uma pessoa que não seja conhecida da vítima (mais especificamente, por alguém que não seja seu companheiro, ex-companheiro e familiar) acaba não recebendo a tipificação de feminicídio”, os pesquisadores analisam.
Considerado todo o país, a oscilação nos registros de feminicídio foi baixa – foram 1.492 casos registrados em 2024, contra 1.475 em 2023, uma alta de 0,7%. O aumento acontece, porém, enquanto mortes violentas intencionais apresentam queda consistente ano a ano, e em paralelo a uma queda de 6,4% de homicídios dolosos de mulheres entre 2023 e 2024. Isto é, apesar de pequena, a alta no registro de feminicídio indica que crime está na contramão da diminuição registrada por outros índices de morte.
Em 2024, o tipo penal do feminicídio foi alterado. Agora, este tipo de morte é um crime autônomo, e não mais um agravante do crime de homicídio doloso. Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a mudança tem impacto em aspectos simbólicos e práticos. “No plano simbólico, a criação ou modificação de um tipo penal representa um posicionamento do Estado diante de determinadas condutas. Ao nomeá-lo e incorporá-lo ao Código Penal em 2015, e agora, ao transformá-lo em tipo penal autônomo, o Estado reafirma a gravidade dessa forma de violência, sinalizando à sociedade que ela é inaceitável e deve ser punida”, diz a organização.
De maneira prática, a mudança pode acarretar redução da subnotificação de casos. Até 2024, um homicídio doloso só era considerado feminicídio se esse agravante constava no boletim de ocorrência – lavrado no momento de registro do crime, antes mesmo de investigação. E, de acordo com a organização, “o que é registrado no boletim de ocorrência tende a se manter ao longo da investigação e do processo, sendo esse o principal documento de base para as estatísticas policiais. Nos casos em que o evento era inicialmente classificado como homicídio simples e a condição de feminicídio era reconhecida apenas ao longo da investigação, o boletim de ocorrência geralmente não sofria alteração”, agravando a subnotificação de casos.
A análise é de que a tipificação própria diminua os casos. Os pesquisadores apontam, porém, que “o correto preenchimento dos boletins de ocorrência já dependia, e seguirá dependendo, da sensibilidade dos profissionais de segurança pública à perspectiva de gênero”.