Com vegetação altamente inflamável e marcada por longos períodos de estiagem, o Cerrado, que se trata de um dos biomas mais ricos e ameaçados do mundo, transforma o Distrito Federal em um terreno vulnerável às queimadas nesta época do ano. Com a seca intensa e a maioria dos focos causados por ação humana, mais de 620 mil metros quadrados de vegetação foram destruídos nos últimos três dias, colocando em risco o meio ambiente, a fauna silvestre e a saúde da população.
Entre os meses de junho e setembro, o Distrito Federal enfrenta sua estação mais seca. As chuvas cessam, a umidade do ar despenca e a vegetação característica do Cerrado, repleta de gramíneas e arbustos, seca rapidamente, tornando-se combustível natural para os incêndios florestais. Esse cenário, somado à ação humana, tem provocado o aumento dos focos de queimadas em 2025, deixando sinais de alerta.
Parte dos incêndios no Cerrado está diretamente ligada ao avanço da produção agrícola. A prática do desmatamento, comum para abrir áreas de lavoura ou pastagem, muitas vezes inclui o uso do fogo para limpar o solo rapidamente. Essa queima, legal ou não, pode sair do controle e se espalhar pela vegetação nativa, agravando ainda mais a degradação ambiental. Além disso, a fragmentação do bioma causada pela expansão agropecuária torna as áreas remanescentes mais vulneráveis às chamas.
Carolina Camilo, vice-presidente do Instituto Cafuringa e coordenadora da rede de brigadas da organização destaca o fator da responsabilidade humana nas queimadas e reconhece a necessidade dos esforços coletivos para evitar os fogos “Entendendo que a maioria dos incêndios nesse período ocorrem por causas antrópicas e não de forma natural, a gente percebe que todo esse esforço feito no ano passado, pelo menos aqui em Brasília, parece dar resultado.”
Esforços de combate
Nos últimos dias, o Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF) tem enfrentado uma rotina intensa de combate ao fogo. Entre o último sábado (19) e terça-feira (22), foram registradas mais de 120 ocorrências de incêndios florestais, que destruíram mais de 620 mil metros quadrados de área verde em todo o território do DF. As regiões mais afetadas incluem áreas urbanas e próximas a parques, como a 911 Norte, perto do Parque Burle Marx.
O período conhecido como “temporada do fogo” no Cerrado ocorre quando a vegetação, que cresceu durante os meses de chuva, seca completamente com a chegada do inverno, tornando-se combustível para incêndios. A grande maioria desses incêndios, mais de 95%, tem origem humana, frequentemente causados por descuidos, como bitucas de cigarro jogadas no chão ou a prática de limpeza de terrenos com fogo.
Dados enviados para o Brasil de Fato pelo Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) apontam uma queda significativa nos incêndios em vegetação registrados este ano em comparação com 2024. Até o dia 3 de julho, a Operação Verde Vivo contabilizou 549 ocorrências, com uma área queimada de 988 hectares.
No mesmo período do ano passado, entre maio e julho, foram 2.824 ocorrências — mais de cinco vezes o número atual — e uma área queimada de aproximadamente 5.715 hectares.
Segundo Camilo, do Instituto Cafuringa, embora o cenário continue crítico, há indícios de que a organização comunitária e o envolvimento da sociedade civil têm contribuído para amenizar os impactos em algumas regiões. “Esse ano, com exceção dos incidentes que aconteceram naquele dia, está bem tranquilo. Pelo menos a norte de Brasília está mais tranquila. E isso é resultado de um trabalho coletivo, principalmente de educação ambiental para a comunidade”, destaca Camilo.
Impacto ambiental
Além da perda significativa da vegetação, os incêndios impactam diretamente a fauna típica do Cerrado, como tamanduás, tatus, corujas e pequenos mamíferos, que muitas vezes não conseguem escapar das chamas. Em áreas fragmentadas próximas a zonas urbanas, esses animais são especialmente vulneráveis, sofrendo queimaduras ou até mesmo morrendo por inalação de fumaça, enquanto seus habitats naturais são destruídos pelo fogo.
Outro fator preocupante é o risco à saúde da população. A fumaça dos incêndios piora a qualidade do ar e agrava doenças respiratórias, sobretudo entre crianças, idosos e pessoas com comorbidades. E como muitas das áreas afetadas ficam próximas a regiões residenciais, o risco de o fogo atingir casas e bens materiais é outro fator.
Em uma das ocorrências recentes, na 911 Norte, 10 mil metros quadrados de vegetação foram destruídos. A operação de combate utilizou 600 litros de água e técnicas como abafamento e uso de sopradores para controlar as chamas. Segundo o CBMDF, só nesta terça-feira (22), 142 mil metros quadrados foram devastados.
A combinação entre estiagem prolongada, vegetação altamente inflamável e imprudência humana forma um cenário explosivo. Em 2024, o DF já havia registrado um aumento de queimadas em relação ao ano anterior, e as expectativas para 2025 ainda é preocupante.
Autoridades reforçam o apelo para que a população evite qualquer prática de risco neste período. Não se deve atear fogo para limpeza de terrenos ou jogar objetos incandescentes em áreas verdes.
O tempo seco pode durar até outubro, e cada foco de incêndio pode rapidamente se transformar em uma tragédia. O Cerrado, que cobre boa parte do território do DF, é considerado um dos biomas mais biodiversos do planeta. Mas, a cada novo incêndio, perde-se um pouco mais de seu equilíbrio, de sua fauna e de sua capacidade de regeneração. E com isso, perde-se também a qualidade de vida de quem vive na capital do país.