Em meio ao anúncio de uma “pausa tática” nos ataques israelenses a Gaza, o membro do Conselho Nacional Palestino Almaza Ahmed Maarouf questionou as reais intenções do governo israelense por trás da medida.
Em entrevista ao Brasil de Fato, neste domingo (27), Maarouf, que também é ativista político das comunidades palestinas na Europa, afirmou que a decisão pode ser uma resposta à pressão internacional e disse que se trata de mais uma medida de Israel para “gerenciar, e não solucionar” o conflito.
“O governo de Israel insiste em gerenciar o conflito, e não solucionar. Há muita diferença entre esses dois termos. Eles não querem, de forma alguma, que acabe. Querem estar permanentemente entre a guerra e a paz, estar em uma situação de nada”, disse.
Segundo o comunicado do governo de Benjamin Netanyahu, as áreas indicadas para a pausa são Muwasi, Deir al-Balah e Cidade de Gaza, e as operações de guerra estão interrompidas entre as 10h e 20h, todos os dias, até uma próxima decisão. Israel também anunciou o estabelecimento de “corredores humanitários” para entrada de ajuda em Gaza.
“A verdade é que a decisão israelense ou do governo de Israel de criar uma pausa humanitária ou uma pausa tática no genocídio de Gaza pode ser verdadeira ou pode ser uma manobra política para poder absorver a pressão da opinião pública”, pontua Maarouf.
O ativista, que vive na Espanha, é enfático ao apontar que a ocupação israelense é a causa central da violência na região. Os ataques israelenses já mataram ao menos 59.587 palestinos e deixaram 143.498 feridos, segundo autoridades locais.
Neste domingo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que a desnutrição na Faixa de Gaza está chegando a “níveis alarmantes”. Segundo a entidade, o “bloqueio deliberado” de ajuda implementado por Israel era totalmente evitável e custou muitas vidas.
Dos 74 óbitos relacionados à desnutrição registrados em 2025, 63 ocorreram em julho, incluindo 24 menores de cinco anos, uma criança com mais de cinco anos e 38 adultos, segundo a organização.
“Insistimos que a ocupação é a causadora de todos os males da região. É preciso acabar com a ocupação e deixar que o povo palestino seja dono de sua terra, que realize seu direito de restabelecer um Estado Palestino independente, soberano e com Jerusalém como capital da Palestina”, defende.

Antes do anúncio da “pausa tática”, o Brasil de Fato conversou com Almaza Ahmed Maarouf sobre os esforços pelo fim do genocídio durante a Cúpula dos Povos Pela Paz e Contra a Guerra, realizada em Caracas, na Venezuela, no último dia 25.
Questionado sobre o papel dos movimentos populares e governos no combate ao genocídio do povo palestino, o membro do Conselho Nacional Palestino citou medidas como boicotes a produtos israelenses e pressão para cortar relações comerciais e militares com Israel.
Maarouf também abordou a cobertura midiática. Ele reconheceu avanços, mas criticou a manipulação e a ausência de imprensa estrangeira em Gaza.
Confira a entrevista.
Brasil de Fato: Há muitos movimentos e muitas articulações internacionais que denunciam os ataques israelenses e o genocídio em Gaza. Mas, você vê alguma forma concreta de atuação que seja possível de movimentos populares e movimentos sociais para enfrentar este genocídio?
Eu acho que sim, há muitas formas de poder realizar mais ações diretas e imediatas que podem pressionar o Estado sionista de Israel para que reaja de outra forma. É fazer com que saibam que o preço do genocídio é alto, o preço é alto para os que participam do genocídio. Cidadãos de outros países, como brasileiros, que têm dupla nacionalidade, chegando ao Brasil, os movimentos populares, as organizações não governamentais podem denunciar esses cidadãos, esses soldados, por sua implicação no genocídio.
Podemos boicotar produtos, podemos pressionar nossos Estados para não ter relações comerciais nem militares com Israel. Eu acredito que vocês sabem o que aconteceu na África do Sul e como a mudança foi possível graças à reação política dos governos, que pressionaram de uma forma para erradicar a postura do Estado sul-africano.
Quais ações os governos podem fazer para intensificar isso? Nós vimos, recentemente, por exemplo, o presidente Gustavo Petro, na Colômbia, organizando uma cúpula, justamente denunciar isso, e articulando com outros países. O que os governos precisam fazer?
Eu acho que essa pergunta é mais fácil que a primeira porque os governos têm muitos meios para agir. A questão é cumprir com a legalidade internacional, não aplicar a política de dois pesos e duas medidas. Ou seja, se há um direito internacional, há uma legalidade internacional, tem que ser aplicada. Israel não pode de forma alguma depender de si mesmo. Ele depende do financiamento estrangeiro dos Estados Unidos, de países como França, do Ocidente. Em dois anos, bombardeia a Síria, o Irã. De onde tira tantas armas? É incapaz um país sozinho produzir tantas armas. Você pode destruir um edifício em um minuto, mas para construí-lo precisa de dois anos. E o mesmo para fabricar armas, precisa de tempo e mão de obra. Eles não têm mão de obra porque o exército é o povo deles. Israel não é um Estado, é um exército que tem seu Estado. Lamentavelmente é assim.
De maneira imediata, o que os governos, ou seja, o que uma articulação internacional pode fazer para garantir que ao menos que uma assistência de saúde seja prestada em Gaza? A questão do povo palestino não é uma questão humanitária, a causa é a ocupação sionista, a ocupação territorial e geográfica. Agora, para poder aliviar a situação humanitária em Gaza, os governos têm que pressionar Israel para abrir os corredores humanitários, porque isso, segundo os acordos de Genebra, é um crime de guerra, é matar as pessoas pela fome, é um instrumento utilizar os alimentos para pressionar uma força política humanitária. Está utilizando a fome para matar civis, para pressionar a força contrária.

Como você vê a cobertura dos meios de comunicação em relação ao conflito, agora que já se passaram quase dois anos?
A verdade é que melhorou bastante, mas ainda não refletem a realidade. Há muitos meios manipulados. Eu lembro que no dia 7 de outubro muitos países ocidentais europeus decretaram ordens para não exibir a bandeira palestina, para não fazer concentrações, para não fazer manifestações. Para quê? Para criminalizar a luta do povo palestino por conseguir sua liberdade. Agora, graças aos meios de comunicação que abriram parcialmente essa janela, o cidadão comum está percebendo parte da verdade, parte da realidade, e isso faz com que pressione mais seus governos.
Então, o que precisamos é que os meios defendam, que tenham o direito completo e absoluto de transmitir a verdade e a realidade. Por exemplo, em todas as guerras não morreram jornalistas como os que foram assassinados em Gaza. Por que os meios se calam diante disso? Por que permitem? Mais de 230 jornalistas palestinos foram assassinados em Gaza. Por que não há presença de imprensa estrangeira em Gaza para transmitir o que está acontecendo lá? Isso, os próprios meios têm que se perguntar.
Nós, sim, exigimos transparência absoluta. Nós não temos nada a esconder, mas exigimos a presença das instituições das Nações Unidas em território palestino, de imprensa transparente e não desequilibrada e que transmita a verdade. Porque há muitas mortes, há muitas coisas feitas na escuridão, há muitas violações que o exército de ocupação cometeu em Gaza que não vieram à luz. Precisamos que, uma vez que o cessar-fogo seja estabelecido, sejam formados comitês da verdade para esclarecer muitas coisas que aconteceram em Gaza. Em Gaza, o que aconteceu nunca aconteceu na história. É impressionante o que acontece em Gaza.
Nós acreditamos que a Palestina e Gaza, em especial, constituem a última trincheira em defesa da humanidade. Porque eu acredito no que Jander [Peña] disse em sua última intervenção [na Cúpula dos Povos Pela Paz e Contra a Guerra], que há movimentos de golpes de Estado, mas em silêncio. Por exemplo, como Bolsonaro tentou [no Brasil], e não teve êxito. Mas em Israel, Netanyahu deu um golpe na autoridade judicial, por exemplo. Nos Estados Unidos não é permitido que um presidente seja eleito mais de duas vezes. Agora, há vozes no partido republicano clamando que ele tem direito de ser eleito mais vezes. Então, isso não é democrático. Eles se chamam países democráticos.
Eu, sim, quero democratizar a humanidade, mas começando pelas Nações Unidas. Por que alguns têm direito a veto e outros não? Qual é o valor que se dá a estes e não àqueles? Para poder conseguir a paz, deve haver justiça. Com a justiça e igualdade, quando nós nos vemos iguais, podemos construir as bases de um futuro melhor.
Uma mensagem do povo palestino para o mundo
Em primeiro lugar, agradecer profundamente de todo o coração todas as demonstrações de solidariedade, todas as demonstrações de carinho para com o povo palestino. Mas, ao mesmo tempo, o povo palestino transmite uma mensagem de que agora é o momento de redobrar esses esforços e traduzir essas demonstrações de solidariedade em algo real, fatos reais, algo que possa beneficiá-lo.